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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 13 de outubro de 2024


Luiz de Paula    luiz.depaula@farpal.com.br
68219
Por Luiz de Paula - 15/7/2011 15:18:06
CIDADANIA

Luiz de Paula

O exercício em plenitude da cidadania se assenta na consciência individual de que todos os seres humanos somos senhores de direitos e deveres. Onde esse conceito não se faça presente, ali a cidadania estará sendo seguramente questionada.
Está visto que o exercício da cidadania só pode vicejar e florescer em ambiente onde se possa respirar o oxigênio das liberdades públicas. Os regimes despóticos aborrecem a cidadania. Negam-na como atributo da personalidade e da dignidade humana.
Em nossos tempos, a força da cidadania vem crescendo de forma auspiciosa. Da conjugação de vontades interessadas na construção de um mundo melhor têm nascido conquistas preciosas. Há um entendimento cada dia mais universalizado de que os direitos pessoais, como propunha Thomas Paine, são uma espécie de propriedade do tipo mais sagrado. Aceitar que o outro é portador desses direitos é uma forma de fazer reconhecida a condição idêntica de que somos também investidos.


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Por Luiz de Paula - 13/8/2010 17:11:13
O nome Rio das Velhas
Luiz de Paula

Pela tradição oral, o Rio das Velhas deve seu nome a três índias idosas que o bandeirante paulista Bartholomeu Bueno, o “Diabo Velho”, encontrou acocoradas, em 1701, numa das praias do rio, perto de Sabará.
Seus nomes não foram guardados pela história. Mas foram elas que deram nome ao rio.


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Por Luiz de Paula - 11/8/2010 18:09:10
A ALMA
Luiz de Paula
Pessoas que acreditam na existência da alma apóiam-se muitas vezes na crença de que o homem é o que existe de mais importante na criação e não pode findar-se na morte física.
Este e outros argumentos não me convencem. Não sou suscetível a eles.
Hoje, regressando de carro, de Belo Horizonte, vim lembrando-me de meu pai. Recordava-me do quanto éramos amigos.
E me pus a pensar. Se houver alma, se houver o “outro mundo” de que tanto se fala, meu pai e eu iremos nos reencontrar. Nossa amizade era muito grande. Tempo algum a desfará.
Seria bom demais para a humanidade se houvesse, realmente, a alma. Esse sopro de Deus, essa energia ou presença fluida, essa essência imortal, que na crença de muitos nos acompanha na vida.
No que me respeita, a fé não pode ser forçada. Terei de dar tempo ao tempo.


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Por Luiz de Paula - 13/4/2010 12:47:47
A MÚSICA

Luiz de Paula

A música é a arte de combinar os sons de maneira agradável ao ouvido. Tem sido cultivada, através dos tempos, por todos os povos, e a sua criação, entre os gregos, foi atribuída a Apolo, a Orfeu, a Lino e a Anfião. É uma explicação lendária, para a origem da música, cuja idade não se pode, em verdade, precisar. A sua origem perde-se na noite dos tempos. Ela terá nascido quando surgiu a vida na face da terra. Refulgiu no gorjeio do primeiro pássaro. Embalou os primeiros sonhos de amor do homem sobre a terra. Foi canto de guerra e foi acalanto materno nas tribos primitivas, antes que a mão do homem moldasse o primeiro e rústico instrumento musical.
Quem imaginou as linhas, as pautas e os sinais que chamamos “notas” e que formam ainda hoje a escala musical, foi o monge beneditino Guido de Arezzo, no ano de 1205, adquirindo a sua invenção transcendental importância para o desenvolvimento da arte musical.
O século XVI, devido a movimento de renovação artístico, literário, científico, político, filosófico e econômico, a que se denominou Renascimento, a música desenvolveu-se extraordinariamente, ao impulso de gênios com Haendel, Bach, Gluck, Beethoven, Mozart, Schumann, Wagner, entre outros.
No século seguinte, no período chamado pre-clássico, assinala-se o predomínio da música instrumental, vindo em seguida o período clássico, no século XVIII, quando a música atingiu incomparável pureza e grandiosidade. Segue-se o Romantismo, no século XIX, que nos ofereceu as composições de Chopin, Liszt, Wagner, Cezar Frank e outros mais. No dealbar desse mesmo século, iniciou-se a fase Contemporânea, que estamos vendo ceder lugar à fase Nacionalista, na qual cada povo exalta a sua raça, em suas manifestações espontâneas, através da revivência de suas lendas e costumes.
O Brasil já alcançou a sua autonomia artístico-musical e hoje a música de Vila-Lobos, Lourenzo Fernandez, Camargo Garnieri, Francisco Mignone e de outros grandes compositores patrícios atravessou nossas fronteiras e se tornou conhecida e admirada no mundo inteiro.
Aquele que leciona música não é apenas o professor de uma dada matéria. O professor de música é sobretudo um educador que dispõe, através dessa disciplina, de um meio favorável ao desenvolvimento do bom gosto e à elevação do nível artístico e cultural de seus discípulos. Não se concebe elevado nível cultural sem o conhecimento da música.
Data do período Clássico o estabelecimento da imperiosa necessidade de uma série de formação artístico-musical; não se improvisa um artista, antes de tudo ele precisa de cultura: aquele que aspirar ao aprimoramento de seus dotes naturais há que cultivá-los nas escolas.
No estudo da evolução da música, no manuseio das biografias dos grandes compositores e musicistas, tomamos conhecimento da influência benéfica e grandiosa que ela tem exercido na cultura dos povos. Os grandes gênios da música foram grandes estudiosos, locomoviam-se para os centros adiantados, enriquecendo a sua cultura com idéias novas ao mesmo tempo em que davam expansão à sua arte e disseminavam os conhecimentos que traziam consigo, tornando-se assim divulgadores de cultura.
Os psicólogos e pedagogos têm na música um auxiliar de inquestionável valor e hoje já se fala na música como terapêutica de determinadas moléstias nervosas, assim como está comprovada a sua benéfica influência para afugentar a fadiga nos ambientes de trabalho.
Companheira do homem no trabalho, nas guerras, nos divertimentos, nas escolas, no lar, a música se constituiu, através dos tempos, em elemento propulsor da civilização, da qual, Ela, a Divina Arte, é parcela preciosa a emprestar ao conjunto maior beleza e a completar-lhe o elevado sentido.


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Por Luiz de Paula - 8/4/2010 16:48:27
ADMINISTRAÇÃO DOS SENTIMENTOS

Luiz de Paula

As coisas boas, os bons momentos e os bons acontecimentos, a gente deve guardá-los bem guardados, para revivê-los, remoê-los e muitas vezes, placidamente, tranqüilamente, regurgitá-los da mente e ruminá-los, como fazem os bovinos. Para alimentar nossa alma com as boas emoções que eles trazem.
Quanto aos maus momentos, os acontecimentos penosos, que também fazem parte da vida, como componentes naturais da existência, com os quais, por isso, temos também de conviver, com respeito a esses, o caminho é exorcizá-los. É utilizar toda a nossa capacidade de filosofar, para aceitá-los. E em seguida esquecê-los.


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Por Luiz de Paula - 10/12/2009 15:38:19
O ANO DA FUMAÇA

Luiz de Paula

O ano de 1834 ficou na tradição sertaneja com o nome do ANO DA FUMAÇA.
Segundo ouvi, contado pelos antigos que ouviram de seus pais e avós, o ano anterior fora de seca. E 1834 começou com chuvas fracas em fevereiro e março. E só. Por volta do mês de julho o tempo foi pouco a pouco escurecendo, com uma fumaça seca tomando conta de tudo. Vieram os meses seguintes até novembro, e nada de chuva. O céu era de uma cor só, cinzento escuro. O sol era uma bola vermelha, sem brilho, a rondar o céu, onde o vulto das serras não se destacava no horizonte. Era tudo de uma cor só: cinza escuro. No ar, nem a mais leve brisa. Era um mormação contínuo, dia e noite.
E o povo a rezar e a fazer penitência, todo mundo achando que o mundo ia acabar.
A Câmara Municipal declarou-se em sessão permanente e criou uma comissão formada por meu bisavô Antônio Xavier de Mendonça, o padre Azevedo Pereira e o sr. Francisco Vaz Mourão, para adquirir farinha de mandioca, onde houvesse, a fim de distribuir com a população faminta.
Mas tudo tem fim. Dava gosto ver a alegria do povo, quando no finalzinho do ano, o vento e as primeiras chuvas começaram a carregar a fumaça e a lavar a cara do nosso mundo.
Foi como se a gente sertaneja estivesse nascendo de novo.


52116
Por Luiz de Paula - 16/11/2009 16:35:43
O DANOSO BARULHO

Luiz de Paula

Tenho muita sensibilidade ao barulho. Desagradam-me pessoas que conversam muito alto, orquestras tocando a grande altura, todo e qualquer tipo de alarido.
Creio que essa idiossincrasia vem de herança materna. Lembro-me de minha mãe, ocupada em seus afazeres na cozinha, preparando a comida para uma família grande, e nós, as crianças, em torno dela, a brigar uns com os outros, correndo, em volta, puxando a saia dela, escondendo atrás dela, às vezes rindo, ou chorando, ou xingando, numa algazarra tremenda, sempre aos gritos, e ela, por fim perdendo a paciência e, de sua vez, gritando conosco:
- Deixem de ser grulhentos, meninos. Deixem de laboro. Vocês estão me pondo doida!...
Coitada! Até ela, que era a paciência em pessoa, perturbava-se com o barulho que fazíamos. E tinha receio de perder o juízo.


51714
Por Luiz de Paula - 3/11/2009 12:30:35
CHUVA

Luiz de Paula

Começava com a cantiga da rãzinha rapa-cuia, no mormaço. Dia após dia. Depois o tempo escurecia e os trovões rolavam de um lado ao outro do céu. Era a chuva que estava chegando. Os urubus, em bandos, em vôo baixo, seguidos de um ou outro retardatário, procuravam o abrigo das árvores copadas. As andorinhas, quais pequenas procelárias, enxameavam, tontas, no ar, à aproximação das primeiras bátegas que levantavam poeira na secura do chão.
A chegada da chuva era uma festa.
Hoje, quando a cena se repete e a chuva chega, escurecendo o céu, tenho saudades daquele tempo em que eu sabia aproveitar uma chuva, misturar-me com ela, ser parte dela.
Calça arregaçada, peito nu, revejo-me a catar granizos no chão molhado ou recolhendo filhotes de passarinhos derrubados dos ninhos pela ventania . Ou a opor barragens de terra às enxurradas e a fazer “olho de boi” no chão, com o calcanhar e o dedão do pé, quando a chuva começava a passar da conta. Sempre a saltar, aqui e acolá, até entrar no raio de ação da voz materna a chamar-me:
- Venha pra casa, menino! Venha enxugar a cabeça! Vestir uma camisa! Você vai apanhar uma pneumonia!
Coitadinha da pneumonia. Nunca achou entrada em um corpo curado pelo sol e acostumado a mergulhar nas águas dos rios e dos riachos.
Hoje, vivendo na cidade, devo preocupar-me com qualquer aragenzinha mais fresca que me pegue desabrigado.


51476
Por Luiz de Paula - 28/10/2009 10:46:32
COMPRANDO E VENDENDO

Luiz de Paula

Estamos sempre comprando e vendendo.
Meu primeiro patrão me ensinou a cumprimentar os fregueses e mostrar interesse por eles. Era uma casa de negócios, no interior, que vendia no varejo e atacado, desde a cachaça até os tecidos mais finos. Eu era novato e coube-me o pior balcão - o de bebidas e mantimentos a retalho e compra de ovos empalhados. Abríamos as portas às sete horas e fechávamos às vinte e uma. O movimento era intenso. Uma luta, sem parar. Eu era quartanista do curso de Ciências e Letras, como se designava então o curso ginasial, de cinco anos. E fora obrigado a interromper os estudos por falta de recursos. Procurei emprego e encontrei esse. O sócio gerente era um azougue. Excelente comerciante, um artista para aliciar freguesia.
Eu tinha vontade de ser advogado ou médico e estava ali cumprindo sina. Trabalhando muito, mas interiormente amargurado. Estava no emprego já havia umas duas semanas, quando o sócio-gerente me observou: “o pessoal o cumprimenta e você, às vezes, está de costas e responde sem se voltar. Isso não é bom. O pessoal da roça repara essas coisas.”
Eu ouvi calado e calado fiquei. Mas compreendi muito bem. Naquele mesmo dia, estava de costas para o balcão, enchendo de arroz uma medida de cinco litros, para atender a um freguês, quando ouvi a voz de um freguês chegante:
- Boa tarde, moço.
Ai me virei, executando uma volta de 180 graus. Olhei com um sorriso o recém-chegado.
- Boa tarde, amigo! Aguarde um pouco. Vou atender ao senhor neste instante.
Aquela volta de 180 graus não foi só no espaço físico. Eu tinha resolvido assumir minha nova posição. Meus sonhos de advocacia ou medicina, muito bons, iam ficar arquivados. Voltei-me, nesse giro de 180 graus, para a minha realidade. Agora vou ser comerciante. O melhor que puder.
Isso foi no mês de março. Éramos quatro a trabalhar no balcão, incluindo o gerente. Todos, exceto eu, homens feitos, casados, com filhos. Antigos no estabelecimento. Pois bem. No fim do ano, o sócio-gerente foi assumir a gerência da matriz. Sabe qual dos três foi escolhido para gerente da filial? Isso mesmo: este seu criado.
Naquela observação de meu primeiro patrão eu aprendi mais: a gente está sempre comprando e vendendo. Seja o que for. Então, temos sempre de fazer o melhor de que somos capazes.


51167
Por Luiz de Paula - 19/10/2009 16:52:50
MOMENTO NA MANHÃ

Luiz de Paula Ferreira

Na manhã de sol claro o campo está em festa. E um jovem vem vindo pela estrada.
À distância pode-se perceber que ele vem brincando com o que encontra pelo caminho. Está alegre e canta, integrando-se no quadro festivo do campo que desperta para um novo dia.
Vê-se que o jovem está por conta da manhã. Parece um deus grego a saudar o nascimento do dia.
O momento é soberbo. Na manhã clara de sol vem vindo pela estrada um jovem feliz.
A cada novo passo sua figura vai se tornando mais precisa. Mais próximo agora, pode-se vê-lo melhor. Eis que de perto surpreende: sua face é pálida. Seu corpo é franzino. Seus pés, descalços. Suas vestes, pobres.
Mas por sobre toda essa revelada mostra de penúria impõe-se a resplendente impressão de felicidade que flui de sua pessoa.
O rosto singelo oferecido à brisa e ao sol da manhã. Os olhos risonhos a participarem de tudo. A boca a desenhar um sorriso enquanto canta. Os gestos naturais, o corpo ágil, os passos lépidos - todo ele a ressumar tranqüila e genuína alegria diante da vida. A expressar total comunhão com o esplendor da natureza na manhã nascente.
A natureza e o caminhante compõem um quadro de extremada harmonia e beleza.
Aquele jovem é um ser real. Todos nós já o encontramos muitas vezes em nosso caminho. Ele existe. E ensina que a felicidade não está nas riquezas materialmente mensuráveis.
A humanidade supõe que a está criando através de hierarquias e valores contabilizáveis.
Mas a natureza, muito mais sábia e justa, colocou as sementes da felicidade no mais profundo do coração da criatura humana.
E é aí, somente aí, que essas sementes germinam. Abrem-se em flor. E frutificam.


51034
Por Luiz de Paula - 14/10/2009 10:02:44
ALÉM E ACIMA DAS PALAVRAS

Luiz de Paula


Na criação literária acontece muitas vezes estabelecer-se uma compreensão que transcende o que vem escrito no texto. É um entendimento que se realiza, se assim pode ser dito, em outra dimensão. Que se manifesta por meio de palavras que ficam por dizer. Parece estranho. Mas acontece.
É o sentido oculto pelas palavras. O exemplo seguinte é específico. O texto é uma quadrinha.
Brigamos. E da vida ao largo
Lancei minhas velas loucas.
Voltei, há um gosto amargo
Nos beijos das outras bocas.
A mensagem do autor não é aquela contida nas palavras escritas. Fica por conta dessa interação autor/leitor de que no início falamos.
Ou não falamos ?
Não falamos. Ficou implícita. Além e acima das palavras.


50792
Por Luiz de Paula - 2/10/2009 10:24:45
TEXTO E MELODIA
Luiz de Paula

Sempre gostei de cantar. Desafinado. Desde a infância.
Tenho boa memória para letras e melodia. Recordo-me das canções em voga em cada fase de minha vida. E ao ouvi-las ou relembrá-las me transporto à época em que eram cantadas.
Gosto de ouvir uma melodia adequadamente casada a um bom texto. Aprecio encontrar um assunto trivial bem posto numa melodia simples e correta.
Aqui vão dois exemplos. O primeiro é um xote de Luiz Gonzaga:
Seu delegado,
digo a vossa senhora
eu sou filho de uma famia
que não gosta de brigar.
Mas trasantonte
no forro de Mané Vito
tive de fazer bonito,
a razão vou lhe explicar.
Praquí, pralí, pralá
eu dançava com a Rosinha
quando o Zeca de Saninha
me proíbe de dançar...
Quando ele diz “praquí, pralí, pralá”, chego a ver o fole da sanfona se abrindo e a ouvir o rosnado crescente dos baixos. E o cabra e a Rosinha, agarrados um ao outro, saltitando na cadência buliçosa da rancheira.
Outro exemplo que também me ocorre é de um samba que diz assim:
Quando o carteiro chegou
e meu nome gritou
com uma carta na mão,
ante surpresa tão rude
confesso nem pude
chegar ao portão.
Aí também se encontra o relato de uma ocorrência trivial valorizada por uma trilha musical adequada que produz toda a carga emocional que se lhe quis dar.


50609
Por Luiz de Paula - 28/9/2009 10:08:00
PARCERIA COM DEUS

Luiz de Paula

Falavam do sonho de uma mulher com o pai, já falecido. Ela sentia remorsos, pois entendia que durante a doença do pai não o tratara com a paciência e os cuidados devidos.
No sonho o pai lhe dizia que aquilo não tinha a menor importância. Ele estava feliz e desejava que ela também se sentisse feliz.
A mulher se apaziguou. Os remorsos desapareceram.
Quiseram ouvir a minha opinião. “Não sou um especialista”, eu disse. “Mas entendo que as manifestações consoladoras, através de sonhos, para desfazerem sentimentos de culpa, são projeções do próprio inconsciente. Que muitas vezes utiliza a figura de antepassados para maior eficácia do processo de cura. Mas isso não constitui farsa nem mentira. O inconsciente é intermediário legítimo nesses processos. O inconsciente tem parceria com o Deus”.
A última frase ocorreu-me de repente, espontânea e completa. Fiquei a imaginar se não é assim que nascem as revelações.


50430
Por Luiz de Paula - 23/9/2009 14:49:43
O CASO DOS SELOS POSTAIS

Luiz de Paula

O seu Candinho Bernardino de Souza era o agente do correio. Era casado com Dona Mariquinha, a melhor quitandeira do lugar.
Na ocasião o seu Candinho já ultrapassara a casa dos 70 anos de idade. Dona Mariquinha era pouco mais nova.
Ele cultivava respeitável barba branca e era asmático. Para combater resfriados, nos tempos de chuva, tomava rapé e seus espirros eram ouvidos em todo o centro do lugarejo.
A Dona Mariquinha, o ajudava, vez por outra, nos serviços da agência, instalada na sala de frente de sua residência, com prateleiras ao fundo, e um tosco balcão de madeira destinado a manter o público à distância de sua área de trabalho.
Era uma velha risonha e amável, sempre com uma palavra boa para quem a procurasse.
Certo dia meu pai mandou-me comprar 50 selos de duzentos reis. Era o selo que levava uma carta simples.
Nesse dia o seu Candinho estava acamado, curtindo um de seus acessos de asma.
Eu fui atendido por Dona Mariquinha.
Depois de perguntar amavelmente pela saúde de meu pai, de minha mãe e de meus irmãos, ela apanhou a folha de selos, contou-os e entregou-me.
Assim que saí, verifiquei, com minha vista esperta de menino, que a folha de selos estava dobrada e que a Dona Mariquinha contara só um lado. Em vez de me entregar 50 selos ela me entregara 100.
Não corri. Voei. E ao chegar à venda, entreguei a folha de selos a meu pai alardeando o lucro que havíamos conseguido.
Minha vida de menino criado na roça, convivendo com a velhacaria dos bichos no mato, havia me ensinado a ser esperto.
Naquela hora, era minha esperteza, sempre exercitada, que me dava aquela alegria.
Meu pai estava em sua mesa, escrevendo. Deixou de lado o que fazia, virou-se para mim, recebeu de minhas mãos a folha de selos, contou os cinqüenta que me incumbira de comprar, devolveu-me os outros e me disse:
– Estes, meu filho, nós não compramos. São da agência. Devolva-os à Dona Mariquinha. E mostre a ela, sem ofendê-la, como foi que ela se enganou. Para que não caia em outra. Mas cuidado. Não deixe o seu Candinho escutar. Senão ele vai achar que ela está ficando velha...


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Por Luiz de Paula - 10/8/2009 09:37:55
O QUE É A VIDA?

Luiz de Paula

Quando procuramos entender o que somos acontece esbarrar-nos, muito perto de nós, no desconhecido. E mais do que no desconhecido, no inexplicável.
Santa Tereza comparou nossa vida – tudo o que somos, sentimos e realizamos no decurso de uma existência – a uma noite passada em um mau hotel.
Li algures que a vida é uma equação espaço/tempo entre dois nadas.
Eu diria que a vida é um dia de sol claro entre dois mistérios. Ou uma chama no infinito, que reluz por um momento e se apaga em meio à noite eterna do tempo.


48563
Por Luiz de Paula - 4/8/2009 11:04:54
O BICHO HOMEM

Luiz de Paula

A idéia de que o primeiro homem já apareceu adulto, no paraíso, bate bem com o fato de que o filhote humano nasce inteiramente dependente. Sem os cuidados de outrem não teria condições de sobreviver.
Mas a razão está mesmo é com Darwin. Houve a evolução, sem pressa, como é do gosto da natureza, e os filhotinhos foram perdendo a selvageria e a rusticidade animal. Em proveito da inteligência que evoluiu em milhões de gerações sucessivas, até dar no que aí está. Um filhotinho ainda frágil, carente de tudo e de todos, que não sobrevive se não tiver quem o aqueça e alimente. Mas evoluído e criativo.
Nasce tão frágil, tão desamparado, tão bonitinho... Nem parece que seus ancestrais estão urrando nas matas.
Mas vejamos como são as coisas. Com toda essa aparência de fragilidade e mansidão, o homem é, sem dúvida, o espécime mais feroz de toda a criação.
Até o leão e as serpentes o temem.
A selvageria ficou apenas adormecida. E a inteligência, que iluminou sua ascensão, ensinou-lhe mil modos de torturar e matar. As guerras assim o comprovam.
O bicho homem. Ainda mais bicho do que homem


48299
Por Luiz de Paula - 27/7/2009 17:06:34
TAPERAS

Luiz de Paula

As antigas estradas do sertão de Minas renteavam taperas de um lado e outro, com vestígios de labor e vida que o tempo vinha aos poucos apagando.
O viajor que percorria essas estradas, obrigado, muitas vezes, a romper distâncias pela noite a dentro, antecipava a presença dessas velhas habitações – que um dia abrigaram risos, sonhos, esperanças – pelo aroma que chegava às estradas, conduzido pela brisa da noite, vindo de plantas caseiras plantadas, como era costume, por dedicadas mãos femininas.
Das muitas viagens que fiz por aquelas estradas, guardo até hoje terna lembrança que me ficou dessas taperas invadidas pela vegetação agreste, com suas paredes e telhados em ruína, a recender a jasmim, bogarí, manjericão. Na solidão da noite.


48139
Por Luiz de Paula - 21/7/2009 09:56:09
SOMOS TODOS IRMÃOS

Luiz de Paula

Os gênios e os santos, em suas vibrações interiores, alcançam por vezes a revelação do desconhecido. Dialogam com o passado, antevêem aspectos do futuro, devassam o mistério do tempo.
Einsten, em um salto mental, anteviu a lei da relatividade. E só depois armou a equação. Vindo do fim para o princípio.
Do Big-Bang até hoje, calcula-se que já transcorreram 13.7 bilhões de anos. Naquele complexo de energia que explodiu e passou a distanciar-se de seu centro, em todas as direções, já estavam as nossas origens.
Lá já estava a fonte primária de tudo: flora, fauna, minerais, tudo.
Lavoisier disse: “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.
Ensinou o Santo de Assis que os animais, as árvores, as pedras são nossos irmãos.


47201
Por Luiz de Paula - 23/6/2009 11:01:45
A VERDADE

Luiz de Paula

Quando Deus criou a Verdade, o demônio, com inveja, criou a Mentira. Soltas, no mundo, eram muito diferentes, uma da outra.
A Verdade vestia-se com singeleza e cobria-se com o manto da sinceridade. A Mentira vestia-se com espalhafato. Para melhor enganar ao mundo. Mas era logo reconhecida e repudiada.
Certa ocasião a Verdade viajava de uma cidade para outra, quando, ao lado do caminho, divisou um lago muito tranqüilo, de águas cristalinas.
A beleza das águas, a tranqüilidade do local, a suavidade da hora fizeram nascer na Verdade o desejo de banhar-se.
A Mentira, que estava um pouco à frente, a fugir da Verdade, ao vê-la a banhar-se nas águas do lago, voltou-se e às escondidas, pé ante pé, por trás dos arbustos, roubou seu manto.
Desde então a Mentira gosta de apresentar-se vestida com o manto da Verdade.


46977
Por Luiz de Paula - 15/6/2009 17:06:05
A CHEGADA DA NOITE

Luiz de Paula

Com um derradeiro rabo de olho o sol se despediu da tarde que morria e desapareceu atrás da morraria distante.
Os pássaros já haviam calado o canto e o gado de pastoreio buscava o malhadouro onde tinha assembléia geral.
Pouco a pouco as sombras foram crescendo e ateou-se o lume das estrelas.
Cá em baixo as corujas se espreguiçaram nas pontinhas dos pés. E os vaga-lumes acenderam os fachos e foram ver o que era. Era a noite que estava chegando...


46666
Por Luiz de Paula - 3/6/2009 12:10:25
LEMBRANÇAS

No sertão onde eu nasci
canta a juriti,
canta o lenhador.
As moças dançam a ciranda
e cantam cantigas de amor.

O sino da tarde me lembra saudoso
daquelas paragens onde eu nasci,
daquelas casinhas à beira da estrada,
do sonho de amor que ali eu perdi.

Na maturidade, e mais que na maturidade, na velhice, é constante o aflorar das lembranças nas horas vazias.
Há uma carga de recordações muito fortes em quem envelhece. Eu expresso isso na CANÇÃO DE UMA SAUDADE ANTIGA. São acontecimentos, são pessoas e ocasiões que participaram do enredo de nossa vida. E deixaram sua marca.

Luiz de Paula


46389
Por Luiz de Paula - 25/5/2009 15:15:27
AQUELAS TARDES

Luiz de Paula

No interior há menos pressa no viver. Há mais tempo para conviver com as pessoas e adequado silêncio para ver e sentir a natureza.
Lembro-me de como eram bonitas e tranqüilas as tardes no povoado.
Tudo em volta contribuía para o encantamento reinante. A largueza dos horizontes, amplos, em todas as direções em que se estendesse o olhar. O canto dos pássaros. O mugir do gado. E a magia das cores do pôr-do-sol.
Como era agradável sentir o cheiro da natureza e ouvir os rumores da tarde se encaminhando para o crepúsculo. E contemplar aquela vastidão entre o céu e a terra. O céu tão azul, tão puro, tão majestoso. E tão perto!...


46266
Por Luiz de Paula - 21/5/2009 14:46:01
AMANHECER

Luiz de Paula


Na varanda da Fazenda Capim Verde olho ao longe a Serra dos Mártires. No céu, as estrelas começam a esmaecer. É o despertar da noite. É a madrugada, filha da noite, que se faz dia.
Há uma beleza mansa e indefinível nessa hora em que toda a natureza começa a oferecer-se em cores alegres e aromas dos campos. Muita coisa acontece nessa hora mágica da madrugada. São os galos a amiudarem o canto. São animais da noite, retardatários, que, velozes, procuram ocultar-se nos restos de sombras, deixando os rastros impressos no chão molhado do orvalho.
No horizonte, são as cores do novo dia que começam a mostrar-se, abrindo caminho para o sol, que virá cobrir a imensidão sertaneja.
As tardes são belas. Mas a beleza das tardes tem a tristeza das despedidas.
A madrugada é esperança.


45909
Por Luiz de Paula - 7/5/2009 09:18:17
SEBASTIÃO

Luiz de Paula

Meu tio Basílio de Paula, irmão de meu pai, gostava de dizer que não acreditava em almas do outro mundo e coisas semelhantes.
Mas contava um caso em que dizia estar pernoitando em uma mata e fez uma fogueira para alumiar o local e espantar os bichos do mato.
A certa altura chegou um galo e começou a esquentar-se, aproximando do fogo ora uma asa e ora a outra.
Ao longe, alguém gritou:
- Ô Sebastião!
Não houve resposta. E a voz tornou a gritar
- Ô Sebastião!
Ninguém respondeu.
Na terceira vez, quando a voz novamente se fez ouvir, o galo, que a cada grito crescia um pouco, cresceu mais uma vez e respondeu num grito forte:
- Sebastião não tá aqui não!!!


44415
Por Luiz de Paula - 17/3/2009 11:34:22
O SOL DAS CIGARRAS

Luiz de Paula (*)

“No sertão onde nasci,
canta o juriti,
canta o lenhador.”

O sertão é muito bonito. Aqui a natureza não agride o ambiente com mudanças bruscas. Cada nova estação é anunciada com antecedência pelos muitos sinais da natureza.
As chuvas ocorrem até março, com alguma normalidade, embora escassas, como sabemos. Em abril poderá chover ou não. A partir daí o calor vai diminuindo e um friozinho começa a chegar, aos poucos, ao compasso dos dias.
Quando voltam as chuvas, o sertão inteiro põe-se em festa. O campo reverdece, as águas cantam nos riachos, os bichos do mato se movimentam espertos e alegres. E os pássaros multiplicam-se e cantam em toda parte.
As chuvas, que trazem toda essa renovação, começam a chegar no final de outubro ou início de novembro. Mas antes disso, de agosto para setembro, a natureza dá o ar de sua graça. Oferece um agrado ao sertão. É a chuva de brôtos. Não é ainda a estação chuvosa. É uma amostra. Um afago dos céus.
A chuva de brôtos dura pouco. Molha o chão e vai-se embora. E uma cortina de bruma seca, própria do tempo, vai-se formando e se antepondo ao sol, cujos raios se abrandam e levam a tudo que alcançam – as serras, os montes, as matas, os vales, as campinas, os centros urbanos – uma claridade doirada de leveza tal só vista nessas gloriosas tardes estivais.
É o sol das cigarras.
As tardes, nessa ocasião, revestem-se de uma beleza tranqüila que nos descansa a alma. No ar, voam os pássaros, festejando a vida. E as cigarras, rainhas sonoras da paisagem, cantam a sinfonia do final do estio.

(*) Industrial da área têxtil
Escritor – Montes Claros/MG


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Por Luiz de Paula - 18/2/2009 11:05:14
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 78)

TRABALHAR É PRECISO

Se eu houvesse nascido rico, teria sido um desperdício. Porque a idéia de riqueza jamais ocupou minha mente.
Aos 7 anos já ajudava meu pai, na venda. Aos 9 anos, em Montes Claros, comecei como engraxate. Dava para as graxas e as tintas e para os cadernos da escola. E para a coalhada no Bar do Sinval e para acompanhar os filmes seriados das sextas-feiras. E deu muito mais. Deu para me acostumar a trabalhar e a ganhar dinheiro. Depois foi o trabalho no balcão, na roça e na cidade. A dedicação ao trabalho no comércio. Enquanto isso, o estudo à noite, e a formatura em contabilidade e direito.
Recordo-me que aos 21 anos, ao voltar da roça para Montes Claros, consegui uma vaga em um quartinho de 3 m x 3 m, com três camas, na rua do Pedregulho. Sob o teto baixo, de meia água, de telhas comuns, havia um velho forro de pano, todo estufado e manchado pelas águas das goteiras e com três ou quatro buracos, por onde, à noite, nos espiavam os saruês que ali viviam e que, em suas brigas, acontecia de vez em quando caírem sobre as camas.
Conforto? Tínhamos “direito” a banho em água corrente, no rio Vieira, somente possível à noite. Saltávamos a janela que dava para o pasto do senhorio, com o maior cuidado para não atrairmos a atenção de sua matilha de cachorros.
A atividade no comércio evoluiu para a indústria na condição de empregado, por muito tempo, e depois por conta própria.
Mais adiante, a abertura para a política, não desejada e felizmente por tempo limitado. Vieram as eleições para vice-prefeito de Montes Claros e depois para a Câmara Federal. Foi uma abertura, como disse, não desejada nem procurada e que se encerrou em 1970. Meu destino me conduzia sempre para a atividade empresarial, na indústria, no ramo algodoeiro.
Da Usina de Beneficiamento de Algodão nasceu a motivação para a criação da COTEMINAS.
Pela mão velha do tempo estou chegando aos 90 anos. Não fiquei rico. De bens materiais, é claro.
Nasci pobre, na roça. O trabalho proporcionou-me recurso para criar e educar 5 filhos.
Entre a caixa de engraxate e a Fábrica de Tecidos não houve grandes mudanças. Os princípios foram sempre os mesmos. Trabalhar bem, com dedicação e economia. E reinvestir os ganhos. Com prudência.

(Com esta parte, de número 78, o montesclaros.com encerra hoje a publicação do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos", de Luiz de Paula Ferreira, livro com tiragem diminuta, apenas para o círculo familiar. Agradecemos ao autor a permissão para publicá-lo em forma de folhetim)


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Por Luiz de Paula - 14/2/2009 10:15:09
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 77)

O INGRESSO DE VÁRZEA DA PALMA NA
ERA DA INDUSTRIALIZAÇÃO

No início do ano de 1968, o empresário Luiz de Paula foi procurado, em Montes Claros, por dois amigos seus, empresários em Belo Horizonte. O médico Eloy Heraldo de Lima e o engenheiro Murilo Boechat, diretores de uma fábrica de cerâmica artística, a MAIÓLICA
Eles queriam ouvi-lo sobre os incentivos da Sudene e desejavam também seu conselho para a escolha de um bom local para implantação de uma fábrica de azulejos na região.
A razão para procurarem o dr. Luiz de Paula estava ligada ao trabalho de divulgação que ele havia feito dos incentivos da Sudene e das potencialidades da região norte-mineira, quando visitou 42 cidades como Governador de Rotary International.
Era uma sexta-feira. Eles conversaram longamente. O empresário Luiz de Paula forneceu-lhes relato completo sobre a legislação incentivadora da Sudene e explicou, em detalhes, como a Sudene operava no apoio aos projetos aprovados para a região.
Passando ao segundo tópico de interesse dos visitantes, ele indicou a cidade de Várzea da Palma como um bom local, a seu ver, para implantação do projeto no qual estavam interessados. E justificou sua indicação enumerando alguns pontos positivos que lá iriam encontrar.
• Energia elétrica de Três Marias
• Água do Rio das Velhas
• Matéria prima: argila e caulim
• Localidade servida por ferrovia e rodovia
• Mão-de-obra abundante (seria o primeiro projeto a ser implantado na localidade)
• Doação do terreno pela Prefeitura
• Equipamentos sociais: hospital, escola etc.
• Isenção de tributos municipais por 10 anos
• Proximidade de Belo Horizonte. Comparada com Montes Claros, por exemplo, a diferença na distância, para menos, era de 100 quilômetros.
O dr. Eloy Heraldo de Lima e o dr. Murilo Boechat ficaram entusiasmados com as informações recebidas. Vibraram. Mas disseram que não conheciam Várzea da Palma. E perguntaram se ele poderia acompanhá-los em uma visita ao local. O dr. Luiz de Paula colocou-se à disposição deles, para acompanhá-los, e marcou a visita para a terça feira da semana seguinte.
Na véspera, segunda-feira, ele marcou o encontro com o prefeito Marcino Telles de Castro. A idéia de levar uma fábrica para o lugar foi surpresa para o prefeito. Mas, na terça-feira recebeu bem o dr. Luiz de Paula e seus amigos.
Difícil foi convencer o prefeito a doar o terreno. E era natural que assim acontecesse. Mas quando o dr. Luiz de Paula o informou de que outros municípios estavam doando terrenos, empenhados em aproveitar a legislação incentivadora da Sudene, e que aquele primeiro e importante projeto iria chamar a atenção de investidores para Várzea da Palma, e colocar o município na rota do desenvolvimento, o prefeito compreendeu. E concordou.
O projeto foi aprovado pela Sudene em 23 de abril de 1969 e começou a operar em 1973, integrando-se, mais tarde, ao Grupo ELIANE. A fábrica é atualmente uma das mais modernas do país.
Durante a implantação do projeto, o diretor Murilo Boechat, conhecendo melhor as potencialidades locais, mandou elaborar o projeto da AÇOPALMA – Indústria de Aço de Várzea da Palma S/A, o qual foi aprovado pela Sudene em 27 de março de 1974.
A fábrica de azulejos teve mudanças em sua diretoria. Um dos novos diretores, o economista Roberto Brant, elaborou o projeto de uma fábrica de ferro silício, FeSi 75, denominado ITALMAGNÉSIO NORDESTE S/A adquirido e implantado, mais tarde, pelo industrial Giuseppe Trincanato, de São Paulo.
O engenheiro Ricardo Antônio Vicintin, do Grupo ELETROMETALUR, de São Paulo, tomando conhecimento do novo pólo industrial, visitou a cidade e decidiu sediar ali seu projeto de produção de ferro-ligas, sob a denominação de ELETROMETALUR – INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A, aprovado pela Sudene em 18 de junho de 1976. Hoje é uma das maiores empresas do setor, em Minas Gerais, sob a nova denominação de RIMA INDÚSTRIAL S/A.
O empresário Leonardo Augusto Ferreira, de Belo Horizonte, conheceu a cidade, a convite de empresários locais, e implantou a SIDERÚRGICA MINAÇO S/A, com projeto aprovado pela Sudene em 17 de junho de 1974.
A partir da implantação daquele primeiro e importante projeto industrial a PALMASA, hoje ELIANE, Várzea da Palma ficou conhecida como nova e atrativa opção para novos empreendimentos e ingressou no ciclo de desenvolvimento industrial criado pela Sudene.
A Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral, através do INFORME SUDENOR, de abril de 1982, informa que as cinco unidades fabris acima mencionadas criaram para comunidade varzeopalmense 1.815 novos empregos diretos.
A chegada das indústrias trouxe o desenvolvimento econômico e social, como o dr. Luiz de Paula havia assegurado ao prefeito Marcino Telles de Castro, nos idos de 1968. A cidade cresceu, o comércio expandiu-se, os imóveis valorizaram-se. A população, que era de 13.358 pessoas, em 1970, de acordo com o Anuário Estatístico do Estado de Minas Gerais, é de 31.632, conforme divulgado pelo censo do ano 2000.
Hoje Várzea da Palma é o 3º maior pólo industrial da Área Mineira da Sudene.
A indicação de Várzea da Palma aos criadores da PALMASA, para ali implantarem o seu projeto e a sugestão ao Prefeito, para doação do terreno, foram decisivos para o desenvolvimento econômico e social de Várzea da Palma.
A doação do terreno foi um bom incentivo para os empreendedores da fábrica de azulejos. Mas foi, principalmente, um excelente negócio para a Prefeitura e para Várzea da Palma. Quem bem fizer as contas, irá verificar que nestes vinte e tantos anos de operação, as fábricas instaladas já retornaram à Prefeitura, na forma de tributos e em benefícios de ordem social, muitas vezes mais do que o incentivo a elas concedido.
Aquela fase de rápida expansão industrial no Norte de Minas passou. Não existe mais. Acabou a participação acionária da Sudene, de três vezes o valor da participação do empreendedor. Secou a fonte que alimentava generosamente os projetos industriais.
Se naquela histórica terça feira, no início do ano de 1968, o prefeito não aprovasse as iniciativas do dr. Luiz de Paula, Várzea da Palma teria perdido o bonde da história.
Várzea da Palma é hoje uma cidade moderna e progressista, com todos os equipamentos sociais de uma cidade de seu porte.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


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Por Luiz de Paula - 11/2/2009 11:44:14
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 76)

DE VOLTA AO PASSADO

Seriam 9 horas da noite, ou pouco mais. Sentado em uma das cadeiras que havia na calçada da casa em que me hospedara, eu tinha à minha frente a rua em que nascera e vivera a infância, naquele povoado.
A casa que pertencera a meus pais, ao lado, pouco mudara. Quem estaria agora morando ali, naquela casa onde eu nascera e vivera os felizes anos da infância? – Perguntei-me em pensamento.
Minha viagem era de serviço. Eu estava a pensar nas atividades do dia seguinte mas aos poucos minha atenção foi se voltando para um grupo de crianças que brincavam de pique, correndo para um lado e outro, entrando e saindo das sombras que um grupo de mangueiras recortava no clarão da lua.
De onde me encontrava eu enxergava bem os vultos, o contraste das calças escuras e camisas claras e adivinhava os suspensórios de pano, mas não distinguia as feições dos soldados e bandidos de brinquedo.
A cena levou-me ao passado. O sítio era o mesmo. O tempo repetia-se. Há 20 anos eu era um daqueles meninos. Por que não identificar-me com um deles? As crianças são parecidas, umas com as outras. Seria aquele mais esperto?
E passei a lembrar-me do menino esperto, solto como o vento, que eu fôra, a brincar naquela mesma rua, naquele mesmo chão poeirento, sob o mesmo luar, num passado distante.
Que sensação estranha... Sem dúvida, aquele menino mais esperto, seria eu. Só um detalhe faltava. Mas esse detalhe veio de repente, numa coincidência que me emocionou. Assomando à porta, na casa ao lado, uma mulher chamou, com voz clara e forte:
- Luis, vem pra casa, menino! Sai dessa poeira!
Não obtendo resposta, a mãe voltou a chamar.
- Entre pra dentro, Luis. Tá na hora de dormir... Vem depressa...
Tal como acontecia há 20 anos...

NA ESTRADA

Na saída da curva, ao avistar a longa reta, a primeira visão do motorista, pouco adiante, foi dos carros da Polícia Rodoviária, parados no acostamento.
Um policial estava examinando os documentos do motorista de um caminhão e um outro policial aguardava a chegada do próximo, que, no caso, era o dele.
– Tô frito! – Foi seu primeiro pensamento. Mas reduziu a marcha e parou no acostamento. O policial aproximou-se e pediu a documentação.
O motorista apelou para a coragem e fingiu desembaraço.
– Ih, rapaz! Eu tenho documento aqui que não acaba mais...
Veja este aqui. É a carteira de reservista. Primeira categoria! Barra pesada! Um ano e meio no exército!
Esta outra é da Associação dos Repentistas. Eu sou poeta. Escrevo livros de cordel. São histórias muito boas. Em versos e sem ser em versos.
E tem esta que é do INSS. E mais esta. Não é brincadeira não! Hoje em dia, um cristão, pra trabalhar tem de ter documentos que não acabam mais. Mas é bom estar com tudo em ordem, não é?
A cara do policial não mudava. Permanecia impassível. E falou
– E essa garrucha? O cabo está aparecendo debaixo da almofada. Você tem o porte?
– Que é isso, moço! Essa garrucha velha eu acabo de receber agora, na estrada, em pagamento de uma dívida que eu já dava por perdida. Quando chegar na cidade a primeira coisa que vou providenciar é o porte dela.
– E essas balas? – Perguntou o policial apontando um saquinho de plástico entupido de balas.
– Deixe eu ver... Viche! Ah! Isso é tudo bala velha, com a validade vencida, que a gente vai ajuntando pra jogar fora. Para mim elas não valem nada. Se o senhor quiser eu posso dar elas para o senhor.
– E esse passageiro a seu lado? O senhor tem autorização para conduzir passageiro?
– Não é passageiro não, meu amigo! É meu ajudante! Nestas estradas cheias de buracos, quebrando molas e furando pneus e câmaras a toda hora não podemos viajar sem ajudante...
O policial retirou-se e o motorista pôs o carro em marcha. E comentou com o passageiro:
– Vou dizer para o senhor... Essa Polícia Rodoviária é exigente demais. É por essas e outras que o Brasil não vai pra frente...

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


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Por Luiz de Paula - 7/2/2009 12:46:13
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 75)

O CAIXEIRO

Ser caixeiro de loja de tecidos e armarinho era uma das boas opções de trabalho para os jovens nas comunidades urbanas do interior, até as primeiras décadas do século passado.
O emprego era modesto e mal remunerado, mas revelava-se, ao mesmo tempo, verdadeira escola de vida. O caixeiro tinha a oportunidade de conviver com toda a comunidade, inclusive com as moças mais bonitas e mais ricas do lugar. Muitos namoros e casamentos nasceram nos balcões das lojas.
Eram tempos de costumes rígidos. As moças eram criadas sob o jugo paterno, voltadas para os trabalhos caseiros e para a religião. Os pais diziam: “lugar de moça solteira é dentro de casa, ajudando à mãe.”
A imensa maioria da população era pobre. Mas de uma pobreza sem miséria, equilibrada e digna.
A população era melhor distribuída entre as cidades e o campo. Não havia o consumismo de hoje. E não faltava trabalho para quem quisesse trabalhar.
Havia, sem dúvida, pessoas que se destacavam por suas posses materiais. Eram geralmente fazendeiros e comerciantes.
Nesse universo humano, o caixeiro de loja era de certa forma um privilegiado. A atividade comercial aprimorava seus conhecimentos. O caixeiro aprendia a conversar com desembaraço e estava sempre a par dos acontecimentos, pois as casas comerciais eram pontos de reunião e discussão das novidades. Ele era recomendado a ser atencioso e afável no atendimento aos fregueses. E assim procedia, inclusive com as moças do lugar, ao mostrar-lhes bonitos tecidos e outras mercadorias.
“Você fica mais bonita com vestidos desta cor”. “Para você, que tem os olhos verdes, fica muito bem esta correntinha de ouro”. E assim por diante.
Acontecia, às vezes, o namoro iniciado no balcão ganhar corpo e prosseguir nos bailes, nos piqueniques, nas saídas da igreja e em locais de lazer da comunidade. A brincadeira estava ficando séria. Muitas vezes acontecia evoluir para paixão. De ambos os lados.
Quando a namorada também era pobre, o casamento se realizava sem maiores transtornos. Muitos de nós, que nascemos no interior, viemos desses casamentos.
No caso das filhas dos comerciantes e dos fazendeiros, por comum os pais já tinham em mente algum parente, dali mesmo ou de outra localidade, ou filho de um compadre, ainda que a moça pouco os conhecesse. Ou um jovem médico ou advogado, ou outros profissionais de bom nível, se os houvesse na comunidade. Enfim, os pais encontravam sempre um marido conveniente para a filha, como era tradicional e de sua obrigação.
“O caixeiro é um bom rapaz”, eles diziam “Mas sem condições de constituir família. É ainda muito novo. E é meio malandro. Gosta de jogar bola e tocar violão. Isso não ajuda a criar família e nem leva ninguém pra frente. São coisas de quem não tem vontade de vencer na vida”.
Criava-se uma situação de muito choro e sofrimento para a moça e de frustração para o rapaz. Mas os pais sempre tinham razão. E o casamento se fazia a seu gosto. E dava certo. Para aqueles tempos. Alguns de nós, em muito menor número, descendemos desses casamentos.
E o rapaz?
O rapaz ficava de asas caídas, por algum tempo. Era nessa fase traumática que nasciam as modinhas apaixonadas. Poemas de dor, de inconformismo. Mensagens de amargura endereçadas ao coração da pessoa amada.
Muitas dessas desditosas mensagens conquistaram o agrado público e chegaram até nós pelo restolhar do tempo. Algumas não obrigatoriamente criadas pelos caixeiros, mas dentro da linha emocional das que eles próprios compunham.
Mais tarde o rapaz casava-se com uma jovem de seu meio. E a comunidade passava a ter mais uma família constituída. E o mundo mais um filósofo.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


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Por Luiz de Paula - 4/2/2009 12:06:27
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 74)

CANÇÃO DO CENTENÁRIO

A canção Montes Claros Centenária foi composta no início do ano de 1957, a pedido do Prefeito, Dr Geraldo Athayde e do Dr. Hermes de Paula, Presidente da Comissão de Comemoração do Centenário.
Eles queriam que eu fizesse um hino. Eu lhes disse que poderia tentar uma canção. Fiz a canção. Todos gostaram. A Prefeitura mandou fazer a gravação nos então modernos discos de 78 rotações.
Não havia ainda os discos de vinil.
Com o passar do tempo tomou corpo a idéia de regravar a canção em discos de vinil, de 33 rotações, inquebráveis. Amigos meus sugeriram alguns nomes de cantores. Passei então a aceitar a idéia de lançar o novo disco nos 125 anos da cidade.
Mas quem teve realmente ação decisiva no caso foi o presidente da SICAM, uma sociedade de direitos autorais de São Paulo.
Conheci-o por intermédio de um cantor, que posteriormente chegou a ser diretor da SICAM. Era natural de Janaúba e chamava-se Neurisvan. Falei com ele que era bom mudar o nome.
– Seu nome parece nome de remédio – eu disse.
Sentamos numa mesa, com o Afrânio Temponi, Alencar Cearense, Benedito Maciel e outros. Conversa daqui, conversa dali, mudamos o nome para Eddy Franco. Ele ficou muito feliz de nome novo. Com esse nome ingressou no meio artístico da capital paulista. Foi por intermédio do Eddy Franco que conheci o Adilson Godoy, diretor da SICAM.
Inicialmente o Adilson propôs que a mulher dele, excelente cantora de São Paulo, fizesse a gravação. Mas eu, lembrando o analista de Bagé, bradei:
– Que é isso, índio velho! Para gravar Montes Claros Centenária tem de ser cantor macho! É canção pra homem. Ele então sugeriu o Carlos Galhardo e a coisa deu certo.
Conhecer pessoalmente o Carlos Galhardo foi para mim uma grata surpresa. Ele era um “gentleman”. De trato ameno, civilizado, muito ligado à família, empenhado em bem educar a filha. Tinha consciência de seu lugar na música brasileira mas não se envaidecia com isso. Combinamos a gravação das duas músicas, marcando uma apresentação em Montes Claros, para relançamento da Canção do Centenário no Automóvel Clube.
Entreguei a ele as partituras e ele escolheu o arranjador e os músicos, todos da orquestra do Teatro Municipal. Do melhor nível que havia.
Assisti à gravação. É um trabalho cansativo. Em primeiro lugar foi gravado o acompanhamento, sob a batuta do maestro arranjador. E os músicos foram dispensados. Só então o Carlos Galhardo assumiu o microfone, em frente ao maestro, ambos com fones no ouvido, para ouvirem a orquestra e encaixar a voz.
Por sugestão do Carlos Galhardo o Quarteto em Si foi convidado para fazer a introdução da música e cantar o refrão.
Após duas ou três experiências o trabalho foi dado por encerrado e a gravação foi repassada para se ouvir o resultado. Todo mundo gostou.
Na ocasião ocorreu um episódio anedótico.
O Carlos Galhardo estava cantando o lado B, quando chegou ao estúdio um cidadão nordestino, vestido espalhafatosamente, com um terno cor de abóbora, camisa roxa, gravata amarela, sapato de duas cores. Ao chegar disse que era advogado e amigo do cantor.
Quando o Galhardo deixou o microfone, o camarada abraçou-o efusivamente:
- Galhardo, você está com o mesmo gogó de ouro que sempre teve. Se você quiser eu vou processar a Odeon por não estar lançando novos discos seus. Você não pode parar. Você está cantando bem demais. Eu ouvi bem o samba que você acabou de cantar. Já havia lido a letra, aqui, sobre a mesa. Uma merda. Mas na sua voz virou um sambão bonito pra caramba. Esse outro, o Monte Claro, esse já nasceu bom.

(Para ouvir a música Montes Claros Centenária, clique aqui)


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Por Luiz de Paula - 31/1/2009 08:31:31
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 73)

FÁBRICAS DE TECIDOS EM MOC

PIONEIROS - Em 1882 foi criada a empresa “Rodrigues, Soares, Bittencourt, Veloso & Cia”, para implantação de uma fábrica de tecidos de algodão, à margem direita do Córrego do Cedro, distante 6 quilômetros da cidade. Compunham a sociedade o Sr. Ângelo de Quadros Bittencourt, Barão do Gorutuba; o Cel. Gregório José Veloso, pai do desembargador Veloso; o Sr. Antônio Narciso Soares, os dois últimos naturais de Montes Claros, e o Sr. Rodrigues, de Grão Mogol.
Com o capital de 150.000$000 (cento e cinqüenta contos de réis), a fábrica possuía 72 teares e produzia 30.000 metros de pano por mês, com 127 operários.
O equipamento, importado dos EE.UU., veio por via fluvial até Guaicuí, e dai para Montes Claros, em carros de boi.
Começou a produzir em 1882 e foi destruída em incêndio 7 anos mais tarde, em 1889, tendo sido reconstruída e posteriormente paralisada. Seu equipamento foi transferido em 1914 para a firma “Costa & Cia”, composta pelos senhores Joaquim José da Costa, José Antônio da Costa Júnior, Camilo Prates, João Catoni e João Rodrigues da Silva.
Essa fábrica funcionou até os anos 80, quando encerrou suas atividades, sendo seu último proprietário o Engº. Simeão Ribeiro Pires.

POLO TÊXTIL DO NORTE DE MINAS

Teve início com a implantação da Coteminas, que começou a funcionar em 1975. Uma fábrica balanceada, com fiação, tecelagem e acabamento, com 25.000 fusos e teares importados da Suíça, da marca Sulzer, de projétil, considerada na época da sua implantação a mais moderna e automatizada do país.
O exemplo da Coteminas ensejou o surgimento de outras fábricas que hoje são 6 em Montes Claros: sendo 5 da COTEMINAS, incluindo a Santanense, e a Têxtil Paculdino S/A. E outras tantas em Pirapora: Cedro do Nordeste, Santo Antônio, Velonorte e Têxtil Pirapora. E ainda dois projetos e duas cartas-consulta em tramitação na SUDENE.


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Por Luiz de Paula - 28/1/2009 15:27:02
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 72)

DE ONDE VEM O EXEMPLO

Lembro-me do petiz vivaz que fui e de quem a desnutrição, os vermes e o impaludismo fizeram o adolescente magro, pálido, enfermiço e introvertido em que me tornei.
Felizmente meu pai era pobre. Ao ser lançado ao mundo, aos 18 anos, para fazer meu lugar na vida, com aquele ar enfermiço, distante e sonhador, que me custou vencer, compreendi que meu caminho era de pedra.
Sem libertar-me, de todo, da esperança daquele sucesso sonhado, as solicitações do dia-a-dia foram me ensinando a preparar-me para merecer uma boa luta. E enquanto morria aquela esperança crescia esta outra, de fazer meu próprio caminho, anônimo e sem glória, embora, mas real, humano, desfrutável.
A partir dos 25 anos, eu, que já lera Emile Coué e Marden, aproximei-me da psicanálise. Li Freud e Jung, cuidei do físico, alimentei-me racionalmente, renovei a mente, adquiri melhor aparência, enquanto, paralelamente, os negócios prosperavam. Aos 40 anos tornara-me a pessoa mais abastada da família. Fiz o curso jurídico, com que sonhara na juventude. E assediado por partidos políticos, elegi-me vice-prefeito de Montes Claros e, posteriormente, deputado federal.
Fui o idealizador e co-fundador do hoje maior grupo têxtil do Brasil, do qual fui presidente por 15 anos, passando a vice-presidente a partir dos 70 anos de idade.
Minha atuação na área têxtil fez-me Industrial do Ano, de Minas Gerais, em 1979, com diploma e comenda da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais. Valorizada, anos mais tarde, por diploma de âmbito nacional, outorgado pela Confederação Nacional da Indústria.
O que a vida me tem dado não chegou a mim por força do acaso. Eu fui buscar. Não com obsessão, não com desespero, nem pisando em quem quer que seja. Mas com trabalho sério, programado, sempre atento às oportunidades, acreditando em Deus e confiando em que chegaria onde eu queria.
Isso não se consegue de um dia para o outro. Nem sem canseiras, desânimos e sofrimentos, durante anos e anos, vivendo dias às vezes pesados e lerdos. Sofre-se muito, chora-se até.
Devo o homem ajustado, de mente arejada, que hoje sou, a ter-me lançado à vida, aos 18 anos, para trabalhar e estudar.
Estas lembranças levam meu pensamento a um passado mais distante. Levam-me a meu pai, chegando aqui, aos 18 anos, vindo da roça, pobre, analfabeto e desconhecido, trazendo por fortuna a calça e a camisa que vestia e sobre o ombro a perna de calça rasgada que trouxera seu farnel de viagem – uma banda de rapadura com que se alimentara na jornada de 4 dias, a pé, do arraial das Contendas à cidade desejada de Montes Claros. Onde, a princípio, trabalhou roçando pastos a foice, a 500 réis por dia. Trabalhando cresceu, ganhou dinheiro, tornou-se conhecido, aprendeu a ler e a escrever sozinho, casou-se em boa família, montou loja, criou uma grande família e deixou para os filhos seu exemplo de honradez e trabalho. Considerando a estaca zero de onde partiu e o trajeto percorrido, ele foi o grande lutador de nossa família.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


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Por Luiz de Paula - 24/1/2009 09:01:56
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 71)

NO ARRASTÃO DA VIDA

Agradeço veementemente a Deus haver me ajudado a realizar alguns dos sonhos que povoaram minha juventude.
Com igual ou maior veemência agradeço a Deus haver me protegido contra a realização de muitos outros sonhos que por falta de opções e por inexperiência alimentei na fase que o poeta chamou de “azul da adolescência”. É que, avaliados mais tarde, com serenidade, à luz da experiência que o passar do tempo nos confere, aqueles sonhos nada mais eram do que grandes equívocos e extravios nos caminhos da minha vida.
1) COLOCAÇÃO NA ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO BRASIL.
Em dezembro de 1933 passei para o 4o ano ginasial, em Montes Claros, em 1o lugar, mas tive meus estudos interrompidos, por falta de recursos para pagar as três parcelas de 200,00 cobradas anualmente pelo Ginásio Municipal de Montes Claros, correspondentes, hoje, a mais ou menos 2 salários mínimos. Ainda pagando dívidas remanescentes da crise de 1929, meu pai não se achava em condições de assumir o compromisso de pagar as três parcelas de duzentos mil reis, equivalentes a 4 salários mínimos, que era o valor da anuidade cobrada pelo colégio.
Não voltei das férias. Fiquei em Várzea.
Entre o final de 1934 e início de 1935, meu pai obteve do sr. Francisco Vieira Machado, agente da estação da Estrada de Ferro, permissão para meu ingresso, como “praticante”, no quadro do pessoal da agência, sem salário.
Era essa uma das formas de se ingressar na carreira que levaria a Guarda-Armazém, Conferente e finalmente Agente de Estação de 1a, 2a e 3a classe.
A Estrada (era assim que se referia à empregadora) não estava nomeando novos funcionários, mas a expansão das atividades dos trens cargueiros abrira oportunidade para a admissão de novos “Guarda-Armazéns”, na categoria de extra-numerários.
Era esse o cargo a que eu poderia ter acesso, nessa primeira fase. A classificação era realizada em Corinto.
Em 1935 eu completara 18 anos, em junho, e o próprio agente de Várzea, que era natural de Corinto e pertencia a família influente no lugar, trabalhava para minha admissão como acompanhante dos trens cargueiros até alcançar o posto de Conferente de Estação, início da carreira de agentes.
Trabalhei com afinco, aprendi a manipular o aparelho Morse e me comunicava com as estações de Porto Faria, Buritis e Pirapora, com razoável desembaraço, sabendo utilizar as diferentes siglas que representavam os diferentes trens que circulavam no ramal, os códigos das estações e as fórmulas consagradas para anunciar chegadas, partidas e atrasos dos trens expressos, noturnos, mistos, cargueiros, boiadeiros, lastros e composições especiais.
Da mesma forma aprendera a preencher os diversos e diferentes BTs (formulários) utilizados no dia-a-dia dos serviços de uma agência da ferrovia, bem como a calcular fretes de mercadorias em geral.
No final de 1935 ou início de 1936, uma deliberação do Governo Federal exigindo a quitação para com o serviço militar para a admissão no serviço público, frustrou minhas esperanças de emprego.
Meu pai e eu não tínhamos todas as informações. Não sabíamos que vivendo na zona rural eu poderia obter um certificado de isenção da prestação do serviço militar.
Se falhasse por esse meio, eu poderia ser dispensado em razão de ser portador de um problema no joelho direito e assim receber certificado de reservista da 3a categoria.
Felizmente não tínhamos conhecimento dessas opções.
Foi quando recebi o convite, por intermédio do Lauro, a quem o convite fora feito em primeira mão, para ir trabalhar em um lugarejo modesto, o então povoado de Juramento Velho, em casa comercial tipo “tem-tudo”, ganhando o que representaria hoje o salário mínimo. Um trabalhador braçal ganhava na ocasião cinco mil reis por dia de serviço, cativo, ou seja com alimentação por sua conta. Sem qualquer outra opção, aceitei o convite, para receber cento e cinqüenta mil reis por mês. Desse ordenado eu retirava setenta mil reis para pagamento de pensão.
2) SOCIEDADE NA CASA COMERCIAL DE JURAMENTO
No ano seguinte, 1937, com a abertura de uma filial em Glaucilândia (estação da ferrovia) e a transferência para a nova unidade do sócio-gerente de Juramento, fui escolhido para assumir a gerência do estabelecimento de Juramento, alcançando a firma, no fim do exercício, o lucro de 80 contos de reis.
A abertura de uma filial em Glaucilândia e a transferência da matriz para Montes Claros, faziam parte do plano de expansão da firma, no qual se incluía a venda da unidade de Juramento para aumentar os negócios em Glaucilândia e Montes Claros.
Nessa ocasião fui procurado por um fazendeiro da localidade que me propôs comprar o estabelecimento e deixá-lo sob minha gerência, como sócio com participação de 50% dos lucros que se apurassem nos balanços anuais.
Eu estava certo de que repetiria no ano seguinte os resultados do ano vencido.
Mas a aceitação da proposta contrariava minha aspiração de transferir-me para Montes Claros a fim de estudar contabilidade à noite.
Agradeci e recusei a proposta daquele bom cidadão de Juramento.
Felizmente.
3) LOJA NA PRAÇA DA ESTAÇÃO
Foi uma oferta de sociedade em loja de tecidos na Praça da Estação, por volta do ano de 1946, que felizmente não vingou.
Até hoje, 60 anos depois, o local não serve para o comércio de tecidos.
4) 1952 - RENOVA-SE O SONHO DA ADOLESCÊNCIA
Permanecendo na firma, fui transferido para Montes Claros onde me matriculei em curso noturno de Contabilidade, no 3o ano propedêutico.
No final de 1942 recebi o meu diploma e no ano seguinte assumi a contabilidade da empresa, que a essa altura já se transformara em usina beneficiadora de algodão.
Em 1951, já possuindo algumas economias, acertei com a empresa tirar um ano de licença para tratamento de dentes, em Belo Horizonte, e para passar alguns meses no Rio, preparando-me para tentar o vestibular na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, em Niterói. A moeda de então era o cruzeiro e eu já possuía um patrimônio de 250 contos, ou 250 mil cruzeiros.
Se a empresa não acatasse o meu pedido de licença, sem vencimentos, eu estaria disposto a deixar o emprego.
Na ocasião eu já era rotariano e professor no Instituto Norte Mineiro de Educação e no Colégio Imaculada Conceição (cursos noturnos) e já desfrutava, graças a Deus, de bom conceito na cidade.
Meu propósito era obter cartas de apresentação do Prefeito, do Juiz de Direito, do Presidente da Associação Comercial, do Rotary Club e da própria empresa e com esses documentos procurar uma grande editora no Rio (pensava na José Olympio Editora) ou uma grande Drogaria e oferecer-me como sócio e para trabalhar como contador de meio expediente, a fim de poder freqüentar a faculdade.
Felizmente a empresa concordou com a licença e em agosto um dos sócios se retirou e vendeu-me a parte dele.
Aliás, e é importante que se registre: os dois sócios se desentenderam e cada um deles concordou em comprar a parte do outro desde que eu concordasse em comprar a parte do que saísse.
É bom que se registre também que algum tempo depois a Editora José Olympio faliu e a Drogaria em que eu havia pensado teve igual destino.
Em 1960 comprei a parte do outro sócio, na empresa e em 1968 vendi a empresa para criar a Coteminas.
Comparando-se o emprego da Estrada de Ferro com o de Juramento, o primeiro era muitíssimo mais importante e convidativo. Mas para felicidade minha não o alcancei.
Fui trabalhar em Juramento porque não tive outra escolha. No entanto foi naquele modesto emprego e na evolução que nele alcancei que pude voltar a estudar, em curso noturno, formar-me em contabilidade e depois em direito e a tornar-me sócio fundador de empresas comerciais e de oito fábricas de tecidos. E ser eleito em 1979 Industrial do Ano do Estado de Minas Gerais.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


42782
Por Luiz de Paula - 21/1/2009 12:49:50
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 70)

ARREDORES DE VÁRZEA - 2
PALAVRAS A ISABEL

Em nossa próxima visita à minha terra, se quiseres caminhar comigo pelas velhas trilhas em que andei na infância, me darás muita alegria. Na caminhada, se a qualquer altura me sentires desatento, como se esquecido estivesse da tua companhia, por favor, se tal acontecer, ainda que por breves momentos, não tomes isso como desapreço à tua pessoa. És minha esposa. A terna e querida companheira que escolhi para toda minha vida. Muito do que rabisco nestes pobres cadernos é para ti.
Poderá acontecer que minha atenção seja momentaneamente desviada É que as velhas trilhas costumam às vezes falar-me de um menino que por elas andou, de bodoque e anzol, a pescar ariscas matrinxãs e a caçar passarinhos - pés descalços e braços nus, como disse o poeta. A compartilhar manhãs de ouro e crepúsculos inesquecíveis com a velha Serra do Cabral, com os arroios, matas e campinas. A trilhar caminhos de graciosas curvas, cujas margens estavam quase sempre enfeitadas de cipós e flores. Em um tempo em que o mundo era todo dele. E em que o futuro era uma promessa mágica e colorida de sucesso e venturas que jamais teriam fim. Num tempo em que havia em volta dele um universo humano do qual compartilhavam todas as pessoas do seu amor. Muitas das quais só existem hoje no altar de suas saudades.
Mas esse desvio de atenção, se vier a ocorrer, não durará mais que um breve instante. E digo mais. Se andares comigo mais vezes, pelas velhas trilhas, estou certo de que elas serão capazes de um dia conversar também contigo.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


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Por Luiz de Paula - 17/1/2009 08:42:22
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 69)

Perenes Momentos

Jornalista Manoel Hygino dos Santos
Jornal “Hoje em Dia” 9/1/2007

Luiz de Paula Ferreira é singular no que faz. E bem. Na bela idade que ostenta, moureja projetos, com cuidado, prazer e conhecimento, que o tornam digno de admiração. Nele se poderá encontrar aquele sertanejo, que Euclides identificou, de fato, um forte.
Pelo Armazém de Idéias, lançou, no último quadrimestre de 2006, um volume raro, pelo conteúdo e iconografia. Naquele se achará o texto escorreito, conciso, simples, contando casos, evocando episódios históricos, tecendo considerações e filosofando, porque, afinal, seus 89 anos o permitem.
Há poesia, que o autor a extrai das cousas singelas que vêm da infância e perpassam a vida de realizações. Menino acostumado à venda do pai em Várzea da Palma, convivendo com personagens simples, começou ali a construir-se como ser humano, alicerçado na boa formação herdada dos pais e rebocada com exemplos dignos. Assim se fez empresário, advogado, escritor, jornalista, líder no setor econômico, sem se desligar das raízes. Estas se alimentavam na boa água da região revitalizante e fortalecedora, bacia do São Francisco.
Mauro Santayana, uma das expressões da imprensa brasileira, redator fulgurante, faz apresentação, e sua opinião coincide com a minha: Luiz de Paula é um singular ser humano. Ivana Ferrante Rabello comenta o sentido de “Momentos”, ao confirmar a forte inclinação do autor para as letras, com “fiat” próximo à estação ferroviária de Várzea da Palma. Reafirma-se o conceito que de Luiz de Paula tenho e, com alegria, porque o ano findo foi próprio a lembrar e admirar Rosa, como os pastores adoraram o menino nascido em Belém de Judá, há mais de 2 mil anos.
Não há muito a falar de “Momentos”, além do já dito. É algo para se ler, mas do que sobre ele opinar. O projeto gráfico é de excelente qualidade, por sinal do próprio escritor, que também deixa a marca de sua produção fotográfica em páginas inesquecíveis.
Os escritores Giselle Fagundes e Nahilson Martins, com textos e fotos engalanam a primorosa edição, que também deve a Edgar Antunes Pereira, Paulo Narciso, Anderson de Vasconcelos Chaves, Joelmar Santa Rosa, Antônio de Ló, Ulisses Mendes, Dimas Fulgêncio, que possibilitaram, pela disponibilização de material, que o livro atingisse seu alto nível.
Se a iconografia é riquíssima, não menos precioso é o texto, que o autor redigiu ou selecionou, e fez constar, com cuidado para oferecer um retrato verdadeiro do norte-mineiro. Sobre o homem, tendo ao lado uma fantástica visão do antigo distrito de São João das Missões, no município de Januária, o autor afirma: “O homem é a melhor prova da existência de Deus. Porque o homem é o seu maior milagre”.
Depois, o texto “a Casa de Deus”:
“Meu filho, de 5 anos, perguntou-me se a igreja era a casa de Deus. Eu respondi:
- É, sim, filho. A igreja é casa de Deus.
E acrescentei:
- A igreja é uma casa de oração. Na igreja as pessoas se reúnem para orar. Não só nas igrejas de nossa religião mas também nas de outras crenças, em todo o mundo.
Olhando para meu filho e vendo a atenção com que me ouvia, conclui:
- A casa de Deus, meu filho, é o mundo”.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


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Por Luiz de Paula - 14/1/2009 12:35:21
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 68)

Outro problema inquietante é o impacto do crescimento populacional. A partir das descobertas de PASTEUR, vêm sendo vencidas as chamadas doenças de massa, mediante o combate eficaz às bactérias, vírus, protozoários, macro-parasitos e insetos, e a humanidade passou a crescer a passos de gigante. Calcula-se que o homem habita a terra há 2 bilhões de anos. Desde então até o nascimento de Cristo a população mundial atingira 250 milhões de habitantes. Em 1.830 alcançou 1 bilhão. E hoje, menos de 150 anos decorridos, abeira-se de 4 bilhões, devendo alcançar 6 bilhões ou quase isso no ano 2.000. O Sudoeste da Ásia, o continente africano e a América latina estão duplicando a sua população a cada 25 anos e só essas áreas, se continuarem a crescer na mesma proporção, deverão conter 40 bilhões de habitantes dentro de um século.
As nações industrializadas possuem cerca de 1,3 bilhão de habitantes e as subdesenvolvidas 2,6 bilhões, na proporção de 2 subdesenvolvidos para 1 desenvolvido. Dentro de um século essa proporção será de 20 para 1. Pode-se fazer uma idéia a que níveis chegarão os antagonismos raciais e as tensões sociais se a explosão demográfica não for contida.
Falávamos, no início, na generalização da violência, sem falarmos nas guerras. Lançando o olhar ao passado, verifica-se que não houve redução de confrontos bélicos nos últimos 200 anos. Além das duas grandes guerras, têm ocorrido lutas praticamente em todo o mundo: na Grécia, Coréia, Nigéria, Paquistão, Indonésia, Espanha, Egito, Israel, Islândia, Irlanda, Líbano, Portugal, China, Rússia, América Latina e África.
Outro sério problema é a inevitável proliferação das armas nucleares, que em mãos de cada vez maior número de nações, passará a construir um risco crescente e quiçá incontrolável para o futuro da humanidade.
Se analisarmos estas e outras perspectivas sombrias que os pesquisadores nos apontam, chegaremos à conclusão de que todos eles se subordinam ao comportamento do homem. Mudando-se o comportamento, mudar-se-ão as perspectivas. Já Bacon o afirmava que as idéias governam o mundo. Compreende-se assim como é vasto o campo de trabalho que o mundo de hoje e do futuro oferece aos intelectuais, aos homens de pensamento, aos formadores de opinião. E não se diga que nós, na nossa modéstia de pessoas singelas do interior, nada temos a ver com isso. Temos, por que não, e muito. Primeiramente porque somos parte do problema, estamos dentro dele até o pescoço, nós e nossos filhos e os filhos de nossos filhos. O alheiamento em tais circunstâncias seria demonstração de covardia. Em segundo lugar, pelo senso de responsabilidade. Todos somos responsáveis. Cada um na medida da força ou do poder que detenha. Da influência, menor ou maior, que possa exercer.
O poder da pena revela-se às vezes maior do que a da espada. Vimos, ainda há pouco, em Portugal, um General, com a sua pena, derrubar uma ditadura de 40 anos. E ao assumir o Governo, não foi capaz de o manter com a sua espada.
Vimos esse escritor russo, prêmio Nobel de literatura, Soljénitzen, autor de “Arquipélago Gulag”, abalar o mundo com o seu depoimento sobre as torturas do regime comunista. E mais recentemente, com entrevistas à televisão na França e na Inglaterra, apressar a revisão da política de distensão dos EE.UU. para com a Rússia.
Não há dúvida de que o intelectual tem muito o que oferecer. Caberá cada vez maior importância ao que encara os problemas em sua globalidade, com sensibilidade e espírito humanístico. Para influir, nos limites da responsabilidade de cada um, neste limiar de um novo século que nos conduzirá ao terceiro milênio, na construção de um mundo novo. Um mundo que começa em nosso lar, em nossa rua, em nossa cidade, em nosso País. Um mundo que desejamos traga a vitória sobre a violência, sobre a escravidão, sobre a pobreza, sobre a ignorância, sobre as doenças, sobre a injustiça. Um mundo de trabalho fecundo, de ordem, de alegria e de Paz.
Sem esquecer e principalmente sem jamais desprezar o amor ao quotidiano, às coisas muitas vezes simples e aparentemente pequenas, mas que dão grandeza à vida.
Quero agradecer as palavras de apresentação, tão amáveis e honrosas que tive da parte da oradora oficial. A professora Ivone Silveira, ilustre presidente desta Academia, traçou o meu perfil com o pincel da amizade. Os seus olhos bondosos descobriram em mim, e multiplicaram, qualidades intelectuais que não possuo. À bondosa apresentadora meus sinceros agradecimentos.
Quero manifestar também o quanto me sinto honrado e jubiloso por compartilhar as emoções deste momento com dois excelentes amigos, autenticas vocações de intelectuais, os Professores Wanderlino Arruda e Maria Luiza Silveira Teles, aos quais desde já apresento meu abraço de parabéns.
Indicado para falar antes deles, por uma deferência que devemos aos costumes dos romanos, do direito do mais velho, antecipei-me a eles nesta apresentação, mas o fiz na condição do soldado raso que desfila à frente, conduzindo o estandarte e abrindo caminho ao luzido cortejo dos oficiais que vêm em seguida.
A todos, muito obrigado.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


42344
Por Luiz de Paula - 7/1/2009 11:24:11
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 67)

“Dele disse o Professor Alberto Deodato: Foi alma que não se maculou. Foi coração que só amou. Foi caráter que nunca tisnou. Foi inteligência que não teve crepúsculo. Foi pena que nunca se corrompeu. E Rubem Braga, seu amigo de uma vida inteira: Monzeca era irremediavelmente bom. Editorialista correto, elegante, ágil, capaz de usar a malícia contra os fátuos, os impostores, mas incapaz de maldade contra quem quer que fosse”. E o Professor João Camilo de Oliveira Torres, que redigiu o Código de Ética para o Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, afirmou em artigo estampado na imprensa da capital, que o fizera inspirado na vida de Hermenegildo Chaves.
Era irmão de João Chaves, outra glória da inteligência montes-clarense.
É este o nobre patrono da cadeira-19.
O primeiro ocupante da cadeira 19 foi Geraldo Freire.
Nasceu em Montes Claros, aos 4 de julho de 1910, filho do comerciante Celso de Souza Freire e Da Firmina da Silva Freire.
Estudou na antiga Escola Normal, não chegando a terminar o curso.
Foi funcionário dos Correios e era hábil desenhista e tipógrafo, tendo lecionado Português e História durante 2 anos no Ginásio Municipal de Montes Claros.
Foi Diretor de dois jornais: “A Crítica” e “Jornal do Sertão”, mas a sua atuação marcante na imprensa foi no jornal “Gazeta do Norte”, onde durante longos anos fez de tudo, da tipografia à expedição, e ainda assinava uma crônica na primeira página, na qual comentava, com sensibilidade, inteligência e muito humor, os acontecimentos em evidência na cidade e no País.
Lembrando seu tempo de criança, falou-me um dia que a casa de comércio de seu pai, o seu Celso, era um dos locais de encontro dos jovens intelectuais da época - Monzeca, Carlos Felinto Prates, Ary de Oliveira e muitos outros, que ali iam falar de literatura, de pescarias, de caçadas, de namoradas e também para ler o jornal “Estado de São Paulo”, que seu Celso assinava e recebia com a demora de quase um mês de viagem. Geraldo, mais jovem, assistia a essas tertúlias e mais tarde haveria de referir-se à influência que elas tiveram em sua vida.
Há em Montes Claros algumas famílias de gente simpática e engraçada e que sabe ver, melhor dos que os outros, o lado engraçado da vida. Os Fernandes Amorim, por exemplo. Todos conhecemos os casos engraçados do seu Pedro Montes Claros e de seus filhos. E também do Nozinho, do Júlio e do Jáder Figueiredo. Do Cândido Canela. Do José Prudêncio de Macedo. Do João de Paula e tantos e tantos outros. O Geraldo Freire era desse naipe e seus irmãos e alguns de seus filhos também possuem essa virtude. Convivi muito com ele. Fomos amigos por longos anos, até seu falecimento. Amizade que alcancei como um privilégio, através de meus primos mais velhos, contemporâneos dele, e que conservei e da qual desfrutei, para alegria de meu espírito, durante toda a sua vida.
O convívio com Geraldo Freire era ameno, e instrutivo. Agradabilíssimo e espirituoso, tinha sempre algo de novo e inspirativo a contar ou um ângulo diferente a descobrir nas cousas corriqueiras.
Mas Geraldo Freire foi sobretudo um grande poeta.
Profundamente lírico, por temperamento, era um pre-modernista, com Ronald de Carvalho, Raul de Leoni, Guilherme de Almeida e os acompanhou e aos promotores da histórica Semana de 1922, Manoel Bandeira, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Carlos Drumond de Andrade e Menotti del Pichia e outros, na arrancada modernista da poesia brasileira.
Por ocasião das comemorações do Centenário de Montes Claros, publicou o seu livro de poesias, sob o título de FONTE DOS SUSPIROS, cuja capa ilustrou, ele mesmo. Embora tendo produzido muito, perderam-se os originais da maior parte de sua produção e o livro trouxe apenas aqueles poemas que o autor pôde recolher na memória dos amigos ou em páginas de jornais que as publicara.
Possuía Geraldo Freire inspirada concepção da arte. São palavras suas: “um traço espontâneo, ou uma cinzelada doida, a improvisação de um verso, traem um artista. Ao passo que uma existência inteira dedicada à arte, possivelmente nunca atinja a perfeição, por muita técnica que se adquira. Sem o toque do gênio é impossível comunicar a emoção artística, razão por que não existe meia-arte. Às vezes existe talento, porém nem sempre existe arte. Esta é confundível e até esquiva; aquele é encontradiço. Não se é artista pelo simples fato de querer; é preciso que a arte também nos queira. A arte é mulher e como tal tem os seus eleitos.”
“Tenho como certo”, é ainda Geraldo Freire, “que não adianta lambuzar telas, colecionar rimas, desbastar mármores com cinzéis de ouro, dar murros em teclas de marfim, se não se é artista”. E arremata com esta frase que dá a medida de sua compreensão: “arte é o pensamento de Deus impresso na obra pelo gênio”.
Este é o conterrâneo nosso que faleceu há 7 anos passados. Foi casado com Da. Geralda Teixeira Freire e deixou 6 filhos: Carlos Eduardo Teixeira Freira, Ronald de Carvalho Freire, Rubens de Carvalho Freire, Eglantine Teixeira Freire, Iracema de Alencar Freire Pereira e Maria de Fátima Freire de Oliveira.
Gostaria de mostrar dois poemas de Geraldo Freire.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


42202
Por Luiz de Paula - 3/1/2009 09:10:42
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 66)

POSSE NA ACADEMIA MONTES-CLARENSE
DE LETRAS

Quando recebi o vosso convite para participar desta Academia, na emoção da surpresa e do contentamento que no momento me assaltaram, veio-me à lembrança o dia distante em que cheguei a esta tão sonhada, tão querida e tão prometida cidade de Montes Claros. Eu vinha da roça e tinha 9 anos.
Montes Claros, terra de meus pais, me acolheu com generosidade e me proporcionou oportunidades de estudo e trabalho.
E hoje me premia admitindo-me em sua Academia de Letras. Desde já quero expressar que me sinto sumamente grato e honrado por esta alta distinção.
Caber-me-á ocupar a cadeira que tem como patrono uma das inteligências mais sensíveis e brilhantes que Montes Claros já produziu. O poeta, escritor e jornalista Hermenegildo Chaves. E que teve como primeiro ocupante, uma outra mentalidade de escol, artista emérito na prosa, na poesia e na pintura, o também montes-clarense Geraldo Freire.
A menção desses dois nomes nos leva à Montes Claros do primeiro quartel do século. A população andava em torno de 25.000 almas. Não havia rádio, nem televisão. O gramofone e o cinema mudo eram o toque moderno de então. O correio, a cavalo, trazia os jornais de Belo Horizonte e do Rio, com uma semana e mais de atraso. A energia elétrica, inaugurada em 1917, era escassa e ligada apenas à noite, para iluminação. A estrada de ferro chegaria em 1926. E começavam a aparecer os primeiros caminhões e automóveis, porém ainda sem estradas adequadas. As atividades econômicas giravam em torno dos produtos do campo. Mas Montes Claros já era uma cidade culta, sede de comarca e de bispado. Como matriz da cultura destacava-se a Escola Normal, fundada em 1879, fechada em 1905 e reaberta em 1915.
Na Escola Normal de Montes Claros estudaram, cada um a seu tempo, Hermenegildo Chaves e Geraldo Freire.
Hermenegildo Chaves, o patrono da cadeira 19, nasceu em Montes Claros a 7 de janeiro de 1898, filho do Professor João Antônio Gonçalves Chaves e Da Júlia Prates e Chaves.
Aos 16 anos chefiava o Posto Meteorológico de Montes Claros e dois anos mais tarde, a 30 de julho de 1916, demonstrando desde cedo os seus pendores para o jornalismo, fundou com seus amigos Carlos Felinto Prates e José Figueiredo, um jornal quinzenário, literário e noticioso, intitulado O BISTURI.
Algum tempo depois transferiu-se para Brasília de Minas, como escrivão da Coletoria Federal, exercendo ali a advocacia criminal.
Em 1920, com 22 anos de idade, Hermenegildo Chaves deixa o sertão em demanda da capital do Estado, para seguir a carreira jornalística, à qual haveria de dedicar toda a sua vida.
Em Belo Horizonte foi Diretor do Departamento Estadual de Informação, Diretor da “Folha de Minas”, Redator-Chefe do “Diário de Minas” e Diretor da Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais.
Mas foi como Redator-Secretário do jornal “Estado de Minas”, e seu principal editorialista, que Monzeca, como era chamado entre os amigos, revelou-se o grande luminar da imprensa. Foi no “Estado de Minas”, principal órgão da imprensa mineira e dos “Diários Associados”, que Monzeca pôde exercer na plenitude a sua vocação, atingindo o ápice de sua brilhante carreira.
Trazia consigo um lastro imenso de conhecimentos que o tornavam capaz de versar com facilidade e clareza os mais variados temas.
Comentarista político dos mais lúcidos, traçou rumos e orientou atitudes de grandes homens públicos que se projetaram no cenário político de Minas e do Brasil.
Ao lado de tudo isso, ou acima de tudo isso, Monzeca tinha um coração de ouro.
“O prazer que dava a sua companhia era tão grande quanto o que proporcionava a leitura de seus editoriais, de seus sueltos, das páginas que deixou sem assinatura, perdidas na efêmera existência de uma edição de jornal ou de revista. Jamais alguém o viu defender uma tese menos nobre, uma idéia que não fosse marcada pelo desprendimento. Tinha inata em si a nobreza que faz os grandes homens, os que se salientam não apenas pela riqueza de bens materiais ou pelas falsas glórias da precariedade do poder exercido sem grandeza.”
“A bondade e a pureza que punha em suas atitudes marcavam igualmente os seus escritos, os seus conselhos, as suas conversas informais. O lugar comum, o termo chulo, a expressão menos nobre, o vocábulo de gíria nele não encontravam guarida”.
“Jornalista genuíno, tinha sempre uma nova idéia, uma sugestão diferente para o assunto que constituísse a preocupação jornalística do dia”.


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42094
Por Luiz de Paula - 31/12/2008 10:27:06
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 65)
XIII
LITERATURA
Tenho 90 anos de idade.
Ao longo da vida conheci pessoas, lugares e situações diversas. Vivenciei costumes, escutei e contei histórias, mas não passava por minha cabeça a idéia de escrever um livro.
Com a chegada e difusão do uso dos computadores, ocorreu-me reunir algumas lembranças e anotações a fim de oferecê-las aos filhos para dar a eles uma visão das mudanças pelas quais o mundo vem passando nos últimos tempos.
Desse trabalho acabou nascendo este relato destinado a meus filhos e um volume de memórias sob o título de NA VENDA DE MEU PAI.
LIVROS PUBLICADOS
ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO DE MONTES CLAROS
(Palestra em comemoração do Jubileu de Prata da Associação Comercial e Industrial de Montes Claros)
Imprensa Oficial – Belo Horizonte – 1975
NA VENDA DE MEU PAI
Armazém de Idéias – Belo Horizonte – 2001
Reeditado pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES que o adotou para o concurso vestibular de 2006
MOMENTOS
Armazém de Idéias – Belo Horizonte – 2006
A PUBLICAR (Edições fora de comércio)
* POR CIMA DOS TELHADOS, POR BAIXO DOS ARVOREDOS
* NOSSA FAMÍLIA
* A VIAGEM ( Poesias )
NA VENDA DE MEU PAI
Começando a ler “Na Venda de Meu Pai”, não pude evitar de me perguntar sobre o significado de tudo aquilo. A curiosidade foi tanta que acabei tentando me colocar no lugar do autor. Certamente, parte deste impulso se deveu ao material de qualidade que estava lendo. A outra parte deste arroubo, quero crer, ficou por conta das semelhanças que nos aproximam. O resultado foram estes versos em forma de soneto.

Na Venda de Meu Pai, grata lembrança
que me chega nas asas do momento,
há memórias trazidas pelo vento,
que, de um sopro, do passado me alcança.

O povo do lugar, o dia lento,
minha Várzea da Palma de criança,
tudo vem participar da mesma dança
que revive minha vida em pensamento.

Vejo, então, pelos olhos do menino:
“ nesta venda nasceu o meu destino,
tudo quanto eu vivi até agora!”

E a saudade, braço-guia da emoção,
de repente me segura pela mão
e me leva venda adentro... vida afora.

Luís de Paula Filho
(Neto do dono da venda).

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


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Por Luiz de Paula - 27/12/2008 08:33:39
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 64)

CICLOS EVOLUTIVOS

A ocupação e o desenvolvimento do Norte de Minas ocorreram paulatinamente, bem marcados por ciclos históricos.
O primeiro foi a criação dos Currais de Gado, nos séculos XVII e XVIII, quando a pecuária do nordeste teve de ceder espaço, no litoral, para os engenhos de cana e migrou para o Vale do São Francisco e de seus afluentes Rio das Velhas, Verde Grande, Jequitaí e outros mais, na região norte-mineira.
O ciclo seguinte, de importância histórica, veio a partir dos anos 70, do século recém-findo, com o desenvolvimento industrial estimulado pela legislação incentivadora da Sudene.
Agora começa novo ciclo.
Está marcada para o final deste mês a licitação, que a Agência Nacional do Petróleo fará, para a pesquisa e exploração do gás natural e do petróleo, no médio São Francisco, nos municípios de Buritizeiro, Pirapora, São Romão, Santa Fé de Minas, Januária, Manga e Montalvânea, em locais onde são observadas fortes emanações de gás natural.
Trata-se do atendimento a antigo pleito da região.
A GASMIG – Companhia de Gás de Minas Gerais, a DELF Engenharia e a Brain Engenharia e Construções, empresas do ramo, já se habilitaram, perante a Agência Nacional do Petróleo, para a realização do trabalho de pesquisa e exploração.
Geólogos, conhecedores da região, afirmam que o gás e o petróleo existentes na bacia do São Francisco, entre Buritizeiro e a divisa com a Bahia, poderão transformar o Norte de Minas em uma Califórnia brasileira.
Faço este relato para conhecimento do Instituto e para convidar seus ilustres membros para serem parceiros nossos na vigilância, a fim de que as pesquisas não fiquem apenas no papel. Para que não se repita o velho círculo vicioso da penúria: não se faz a pesquisa porque o custo é alto. E não se descobrem o gás e o petróleo porque não se faz a pesquisa.

VOLTANDO À PRINCESA ISABEL

O povo brasileiro guardou com amor e respeito a imagem da princesa.
Expatriada, após a proclamação da república, ela ficou no coração do povo. E virou cantiga de roda, nos folguedos das crianças, em todo o Brasil.
Quantas e quantas vezes ouvi, no pequeno e longínquo povoado onde nasci, no alto sertão de Minas, as meninas de meu tempo, de mãos dadas, tão bonitas ao clarão da lua, em suas alvas vestes, a cantar os versos que diziam assim:

Princesa Dona Isabel,
mamãe disse que a senhora
perdeu o seu lindo trono
mas tem um mais bonito agora.

No céu está esse trono
que agora a senhora tem
além de muito mais lindo,
ninguém a toma, ninguém.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


41822
Por Luiz de Paula - 21/12/2008 09:44:44
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 63)

CONSEQUÊNCIAS DA ABOLIÇÃO

É da crônica da época a resposta dada por Cotegipe à Princesa Isabel logo após a abolição.
Perguntou-lhe a filha de D. Pedro II:
- Então, Barão, ganhei ou não ganhei a partida?
- Ganhou, retorquiu o estadista baiano. Mas perdeu a coroa.
Evidentemente não se pode deixar de reconhecer que os grandes proprietários de escravos, sobretudo os menos esclarecidos, retiraram o apoio que vinham dando à monarquia, fortalecendo-se assim os republicanos. Porém não houve a grande crise de que tanto falavam e temiam os escravocratas. Abolida a escravidão, praticamente não houve mudança na organização da produção e na distribuição da renda. Degradando o trabalho manual, a escravatura afugentava o braço livre de que tanto precisávamos. A partir de 1865, somente os proprietários de escravos ainda eram a favor da escravidão. As demais forças políticas e sociais colocavam-se frontalmente contra a antiga e desumana instituição.
Com a proclamação da república toda a família imperial foi exilada.
Passando a residir no Castelo d’Eu, a partir de 1905, a princesa Isabel veio a falecer em 1921, já revogada a lei do banimento da família imperial.
Seu corpo foi trazido para o Brasil em 1953, juntamente com o do marido, permanecendo na catedral metropolitana do Rio de Janeiro, de onde foram removidos em 13 de maio de 1971 para a capela imperial da catedral de São Pedro de Alcântara, em Petrópolis.
Senhoras, senhores,
Guimarães Rosa, que sabia falar sobre Minas, disse que há muitas Minas Gerais. “Minas são muitas”, foi assim que ele disse.
No que me respeita, há pelo menos duas. A Minas Gerais das montanhas de minérios, das matas férteis, das chuvas fartas do sul, do café, do ouro, das pedras preciosas, dos bancos, dos banqueiros, dos políticos de renome, fazedores da história.
E a outra Minas. A Minas de onde venho. A Minas do Norte. Do Polígono das Secas. Do semi-árido. Dos cantadores de feira. Da paçoca de carne seca. A Minas que já foi chão da Bahia e de Pernambuco. A mais atrasada e mais desprezada pelos governos.
Na capital do estado era voz corrente que ao norte do paralelo 18 o progresso era inviável. De Lassance a Buenópolis para cima.
A viagem de trem, de Montes Claros a Belo Horizonte, durava 18 horas. Era a única via de acesso à capital do Estado, de que dispúnhamos.
Quando pleiteamos a extensão da energia de Três Marias até o Norte de Minas, o pleito foi negado sob a alegação de que não havia demanda que justificasse as altas inversões requeridas. Quando pedimos uma rodovia, para o sertão norte-mineiro, recebemos a mesma resposta.
De nossa parte entendíamos que sem a energia instalada e sem o asfalto não haveria incentivo à criação de demanda.
Estava criado o chamado círculo vicioso da penúria.
E assim permanecemos até o advento da Sudene.
Foi a Sudene que chegando ao Norte de Minas desfez o impasse e deu início ao processo de desenvolvimento nos moldes que hoje conhecemos. Com o apoio da Sudene veio a sonhada rede de alta tensão de Três Marias, de 138.000 volts, a qual, em pouco tempo se tornou insuficiente para atender à demanda despertada. Veio então a segunda, também de 138.000 volts, que igualmente teve sua capacidade de transmissão absorvida. E veio a terceira, essa de 345.000 volts. E veio a estrada asfaltada tão reclamada.
Como sabemos, a colonização do País se fez do litoral para o interior e cedo se evidenciou o desequilíbrio do desenvolvimento da Nação, com o interior, de um modo geral, e o Nordeste, em especial, perdendo o compasso do crescimento, agravada a situação do Nordeste pelo fenômeno das secas.
Tornara-se página comum a pobreza do Nordeste e o nomadismo do nordestino. Grande parte da força de trabalho nordestino havia se transformado em uma massa humana nômade, a vaguear entre o Nordeste e o Sul, atrelada a um destino de padecimentos que ensejou o surgimento do personagem chapliniano pitorescamente chamado de “pau-de-arara”. Tudo isso a refletir-se tragicamente no contexto econômico e social do País.
Os governos, desde o Império, tiveram suas atenções voltadas para a problemática nordestina. E a partir da seca de 1877 o Nordeste passou a receber verbas federais, mal aplicadas muitas vezes, ou não aplicadas. Criara-se a chamada “indústria das secas”.
Felizmente, com a evolução dos conceitos e idéias de planejamento econômico, alargou-se a visão dos círculos oficiais e profissionais brasileiros. Passaram a ser condenadas as medidas de emergência, de caráter assistencialista, que em nada modificavam os dados fundamentais do problema. Já era tempo de imprimir-se ao estudo e solução dos problemas nordestinos uma definida diretriz econômico-social.
Foi dessa nova posição que nasceu a Sudene. Para promover o desenvolvimento econômico e social do Nordeste.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)
Cidade: Montes Claros/MG


41754
Por Luiz de Paula - 18/12/2008 14:34:07
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 62)

ESCRAVIDÃO

O processo de libertação dos escravos, no Brasil, percorreu um longo trajeto. Como sabemos, a escravidão humana, vem de tempos imemoriais. Nas lutas tribais, o lutador derrotado era morto ou escravizado. A ferocidade do vencedor, exercida sobre o vencido, foi a causa inicial da escravidão do homem, desde a mais remota antigüidade. Os assírios, os egípcios, os romanos e outros povos da antigüidade adotaram a escravidão e legislaram sobre ela. Na Grécia e em Roma a maior parte dos escravos provinha da guerra e da pirataria, mas os prisioneiros feitos em batalhas podiam ser libertados mediante resgate. A partir do final do século XVI, os portugueses, voltando seu interesse para a África, dominaram por meio século o comércio de escravos africanos. Daí por diante Portugal e Holanda comandaram o tráfico negreiro, seguidos pela Espanha, Inglaterra, França, Dinamarca e Países Baixos. No Brasil, o regime da escravidão constituiu o alicerce de toda a economia. Em 1870 havia cerca de 3.000.000 de escravos para uma população de 10.000.000 de habitantes.
A INGLATERRA E A ABOLIÇÃO
O abolicionismo na Inglaterra fora iniciado por reformadores imbuídos de sentimentos de solidariedade humana. A extinção do tráfico trouxe, porém, um imprevisto alarmante: escassez de braços nas plantações de cana das colônias. A concorrência entre as duas colônias produtoras de açúcar, Jamaica (pertencente à Inglaterra) e o Brasil (colônia de Portugal) era renhida. Extinguindo-se a exploração do braço escravo na Jamaica, seria fatal o aumento da produção brasileira e o oferecimento do açúcar, nos mercados internacionais, a um preço com o qual os produtores e comerciantes ingleses jamais poderiam concorrer. Em face dessa situação os grandes grupos financeiros ingleses passaram a trabalhar ativamente pela abolição da escravidão nas regiões que lhes faziam concorrência.
PRESSÕES INGLESAS
Quando se processavam as demarches diplomáticas visando ao reconhecimento de nossa Independência por parte da Inglaterra, o ministro inglês Canning aproveitou a ocasião para condicioná-la à abolição do tráfico. D. Pedro e José Bonifácio pessoalmente se declararam “convencidos da inconveniência do tráfico”, porém ponderavam que a abolição deveria ser feita quando fosse aumentada a população branca no país e a agricultura não mais corresse perigo de um colapso econômico com a supressão do braço escravo. Com esse entendimento, o processo prosperou através da legislação que veio a seguir. A 14 de outubro de 1850 foi promulgada a lei que proibiu o tráfico de escravos. A 28 de setembro de 1871, foi aprovada a Lei do Ventre Livre, que declarava livres os filhos de escrava nascidos a partir daquela data. A 28 de setembro de 1885 foi promulgada a Lei dos Sexagenários, que libertava o escravo ao atingir 60 anos de idade.
A LEI ÁUREA
Em 1887, novamente Pedro II embarcou para a Europa, onde se demoraria um ano tratando da saúde seriamente abalada. Pela terceira vez sua filha, a Princesa D. Isabel assumia a regência do Império. O gabinete então dominante era conservador, dirigido pelo Barão de Cotegipe, homem inteligente, porém radicalmente contrário à abolição total da escravatura, alegando que a agricultura brasileira entraria em crise e caminharia para um grande colapso se fosse privada repentinamente do braço servil. Mas a princesa já abraçara a causa da abolição. A 7 de março de 1888, Cotegipe demitiu-se e a Princesa Isabel convidou João Alfredo Carreira de Oliveira para organizar o novo ministério, que se instalou no dia 10 e dois meses depois apresentou à Câmara dos Deputados o projeto visando abolir definitivamente a escravidão no Brasil.
O projeto foi aprovado por grande maioria da Câmara e do Senado.
No dia 13 de maio de 1888 a Princesa Isabel referendou, com uma caneta de ouro e pedras preciosas, que os abolicionistas ofereceram a ela, a lei que libertou os escravos.
A nova lei, que tomou o número 3.355, foi assinada à tarde, no Paço da cidade. Era curta e incisiva, possuindo apenas dois artigos:
- “Art. 1º - É declarada extinta a escravidão no Brasil.
- Art. 2º - Revogam-se as disposições em contrário”.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


41631
Por Luiz de Paula - 15/12/2008 11:42:51
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 61)

POSSE NO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MINAS GERAIS EM 06-10-2005

Senhor presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, dr. Marco Aurélio Baggio
Senhor Vice-Presidente da República e Ministro de Estado da Defesa, dr. José Alencar Gomes da Silva
Senhor representante do Governador Aécio Neves
Senhor Presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, cordial amigo, dr. Robson Andrade
Senhor Presidente da Federação das Associações Comerciais do Estado de Minas Gerais, prezado amigo e conterrâneo barranqueiro do São Francisco, dr. Arthur Lopes Filho
Ilustre amigo e conterrâneo norte-mineiro, Daniel Antunes Júnior, a quem devo a lembrança de meu nome para estar aqui hoje assumindo uma cadeira de sócio efetivo. Muito obrigado, Daniel. Agradeço também a você a saudação que acaba de fazer-me, generosa em extremo, inspirada em nossa amizade.
Desembargador Delmival de Almeida Campos, cordial e antiga amizade, em cujo nome saúdo as demais ilustres autoridades aqui presentes.
Senhores sócios do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.
Caros amigos e companheiros da Federação das Indústrias
Caros amigos e companheiros da COTEMINAS
Minhas senhoras, meus senhores.
É com grande satisfação e sumamente honrado que aqui me encontro assumindo uma cadeira de sócio efetivo deste renomado Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.
Como já disse, devo a lembrança de meu nome ao amigo e conterrâneo Daniel Antunes Júnior, a quem renovo meu sincero agradecimento, pela lembrança e pela saudação, com palavras generosas, ditadas por nossa velha amizade.
Agradeço, igualmente, aos ilustres componentes do quadro social do Instituto pela unanimidade com que acolheram o meu nome. De minha parte, espero tudo fazer para merecê-la.
Sou um velho admirador deste Instituto, cuja presença na defesa dos legítimos interesses de Minas Gerais e de sua memória tem sido constante desde sua fundação em 1907.
Essa admiração, essa velha amizade, faz-me sentir, neste momento, não como um calouro, mas quase como um filho que chega à casa paterna.
Cabe-me a honra de ocupar a cadeira que tem como patrono a Princesa Isabel, historicamente denominada a Redentora.
Filha do imperador Pedro II e de Dona Teresa Cristina, terceira imperatriz do Brasil, tornou-se herdeira do trono após o precoce falecimento de seus irmãos Afonso e Pedro. Na condição de princesa imperial, título que cabia aos herdeiros do trono, a Princesa Isabel cresceu em um lar saudável, onde imperavam a cultura e o amor e o respeito mútuo entre os pais.
Aos 14 anos de idade prestou juramento à Constituição Política do Império, como herdeira presuntiva do trono.
A 15 de outubro de 1864 casou-se com o príncipe Gastão de Orleans, conde D’Eu, instalando-se o casal na sua casa das Laranjeiras, o atual palácio Guanabara. Em Petrópolis, ocupou o chalé da rua D. Afonso, que passou a ser conhecido como Palácio da Princesa.
O casal teve três filhos: Pedro de Alcântara, príncipe do Grão-Pará, Luís e Antônio.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


41371
Por Luiz de Paula - 6/12/2008 07:13:43

(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 60)

INAUGURAÇÃO DA COTEMINAS
Palavras do Diretor Presidente, LUIZ DE PAULA, no almoço
oferecido às autoridades.

Senhor Governador Rondon Pacheco, Senhor Superintendente da SUDENE, Engenheiro José Lins de Albuquerque, Excelentíssimas Autoridades, Senhoras, Senhores,
Participamos, ainda há pouco, das solenidades de inauguração de uma nova fábrica. Uma nova unidade fabril, com o apoio da SUDENE e do Governo do Estado, alinha-se no esforço que se realiza em toda Minas Gerais para o incremento da produção. Felizmente, acontecimentos como o de hoje tornaram-se freqüentes entre nós. Minas Gerais retomou o fulcro de seu destino de Estado componente da vanguarda progressista do País.
V. Exa., Sr. Governador Rondon Pacheco, falando aos estagiários da Escola Superior de Guerra, definiu em poucas palavras um momento cruciante da vida do Estado. “Minas, declarou V. Exa., pairava num impasse, entre partir para um processo agressivo de crescimento econômico e de transformação de sua estrutura social, ou persistir em sua política de aguardar as definições externas. Minas Gerais optou pelo desenvolvimento”.
Com efeito, após a opção corajosa, está se transformando o panorama econômico e social das alterosas.
A indústria siderúrgica expande-se com a ampliação das empresas já existentes e com o surgimento de novas empresas, como a Açominas e a Mendes Júnior.
Cresce a mecânica pesada com a Krupp, a Usimec, a Demag, a Mangels. Nasce a indústria automotiva com a Terex, a Fiat, a Fiat-Allis Chalmers e a Poclain.
A Arafértil e a Titansa surgem para produzir os fertilizantes necessários ao grande projeto de recuperação dos cerrados. Crescem os cafezais, com 300 milhões de novas árvores, representando 28% dos novos cafezais do País. A produção de açúcar aumentou 62% nos últimos 4 anos e 350 milhões de cruzeiros foram aplicados em novos projetos para a pecuária de corte. Áreas esquecidas, como a do Jequitinhonha, recebem infra-estrutura básica para se integrarem na nova política de produção do Estado.
Hoje ainda V. Exa. visitará a Jaíba, onde quase 400.000 hectares de terras de cultura jaziam improdutivas e se transformando em região problema. O que ali vem realizando o Governo do Estado, através do trabalho admirável da Ruralminas, é motivo de júbilo e de justificado orgulho para todos nós. A terra agreste da Jaíba se transforma. Além do que ali constrói diretamente o Governo, em infra estrutura de serviços básicos, já conta a Jaíba com mais de duas dezenas de projetos particulares em implantação, representando investimentos da ordem de dois bilhões de cruzeiros, para a produção, principalmente, de alimentos.
No setor têxtil também Minas se atualiza. A vocação de tecelões, dos mineiros, encontrou no Governo de V. Exa. o indispensável apoio para expandir-se. As fábricas antigas estão renovando seus equipamentos e aprimorando as técnicas de administração. E dois empreendimentos, de alto significado para o desenvolvimento do parque têxtil mineiro e nacional, alcançam no momento o estágio de produção. A DAYWA, uma fiação moderna, com equipamento japonês, que V. Exa. deverá inaugurar nestes próximos dias, na cidade de Uberlândia, para industrializar a crescente produção algodoeira do Triângulo. E a COTEMINAS, uma fábrica integrada de fiação, tecelagem e acabamento, com maquinário importado da Alemanha e da Suíça, cujo setor de fiação hoje se inaugurou com a honrosa presença de todos que aqui se encontram.
Senhores,
Minas Gerais, em pleno e vigoroso processo de transformação, tem o privilégio de possuir parte de seu território sob a jurisdição da legislação da SUDENE.
É tão importante esse fato, e tão decisivamente marcante a presença da SUDENE neste pedaço mais seco das terras de Minas Gerais, que em qualquer avaliação que se faça do desenvolvimento social e econômico da região, há que se reconhecerem duas fases distintas: antes e depois da SUDENE.
Todos conhecemos e orgulhosamente admiramos o que vem realizando a SUDENE em seu extraordinário trabalho para corrigir o desnivelamento secular entre o Nordeste e o Centro-Sul.
A partir da infra-estrutura, a SUDENE coordena o desenvolvimento do Nordeste. A região se industrializa. Projetos de colonização, de desenvolvimento do cooperativismo, de irrigação, de expansão das fronteiras agrícolas e de reorganização da economia rural, vêm sendo executados com o fim de estabelecer melhores padrões de vida no campo e aumentar a oferta de alimentos nas cidades.
Apoiando a iniciativa privada, a SUDENE já aprovou para a área acima de 1.600 projetos, com a criação de cerca de 250.000 novos empregos diretos.
O crescimento do produto interno bruto foi da ordem de 10% nos últimos 4 anos, e a meta da SUDENE, ambiciosa, é verdade, para os tempos correntes, mas não impossível, tendo-se em vista o valor e a disposição de trabalho daqueles que a dirigem e de suas equipes técnicas, é fazer com que o Nordeste cresça até 1980 a uma taxa superior a 10%, para reduzir o desequilíbrio econômico em relação ao Centro-Sul.
Não tem sido menor a dedicação da SUDENE por esta área mineira em que atua. Distanciado dos centros de decisão do Estado e mal servido de meios de comunicação, tornara-se o Norte de Minas, com o correr do tempo, a região menos conhecida e quiçá a mais atrasada do Estado. Há 10 anos passados , a força de trabalho aplicada à indústria não alcançava duas mil pessoas nesta área, incluindo pessoal empregado em engenhos de fabrico de aguardente, cerâmica de tijolos comuns e outras atividades semelhantes que constituíam sua modesta indústria de transformação.
Esse quadro tão pouco expressivo haveria de modificar-se extraordinariamente de então para cá.
A SUDENE e a estrutura de apoio montada pelo Governo do Estado estão operando o milagre de impulsionar a região em um vigoroso salto para o futuro.
Nos últimos anos, a SUDENE aprovou 119 projetos para a área, com a criação de 13.841 novos empregos diretos e inversões totais acima de 2,5 bilhões de cruzeiros, a preços atuais.
O Governador Rondon Pacheco e o Sr. Superintendente da SUDENE, engenheiro José Lins de Albuquerque, devem sentir-se felizes pela estupenda contribuição que o Estado de Minas Gerais e a SUDENE vêm dando em favor do desenvolvimento do País.
Os diretores da Coteminas, aqui presentes com suas famílias, também se sentem gratificados, por estarem participando, através do empreendimento hoje inaugurado, desse consciente esfôrço em prol do desenvolvimento.
A Sua Excelência o Sr. Governador do Estado, a Sua Excelência o Sr. Superintendente da SUDENE e sua Excelentíssima esposa, ao ilustre Prefeito de Montes Claros, aos nobres deputados, aos senhores Secretários do Estado, às demais autoridades, aos acionistas e a todos os demais que aqui se encontram, os diretores da Coteminas agradecem, penhoradamente, a satisfação e a honra de tê-los aqui presentes.
Muito Obrigado.

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41268
Por Luiz de Paula - 3/12/2008 13:00:55
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 59)

CRONOLOGIA DA COTEMINAS

1962 – Visita do diretor da Sudene, Juarez Faria, acompanhado do Prof. Spreafico, a Montes Claros. Eu era vice-prefeito e fui solicitado a recebê-los, em nome da Prefeitura, e hospedá-los.
Eles vieram conhecer a área mineira sob legislação da Sudene. Deles recebi as primeiras informações sobre o papel da Sudene no desenvolvimento social e econômico da região.
06.fev.1963: Viagem a Recife e Fortaleza, para contatos na Sudene e no BNB, com o dr. Aristófanes e o dr. Raul Barbosa, respectivamente. Fotos.
Viajaram comigo os seguintes convidados:
Dr. Simeão Ribeiro Pires – Prefeito até 31.12.62.
Hélio de Moraes – Gerente do BNB
Dr. Geraldo Magalhães – Cunhado Dr. Simeão
Edilson Bernardes Carneiro – Comerciante e diretor ACIMC
Antônio Aquino – Proprietário de Oficina Mecânica
Walter Ramos – Motorista.
Diretores que nos receberam na Sudene:
Dr. José Aristóphanes Pereira, no exercício da Superintendência
Presidente do BNB : Dr. Raul Barbosa
Diretor do atual DIN : Dr. Juarez Faria
São dessa ocasião os meus contatos com o BDMG, para conhecimento do projeto do Banco, para implantação de uma Fábrica de Tecidos no Norte de Minas, e com o Dep. José Aparecido de Oliveira, Dep. Raul Belém e Sete Barros, para obtenção do projeto, que na ocasião tinha a sigla de COTOMINAS, a qual, posteriormente, mudei para COTEMINAS.
Março de 1963
O Dr. Simeão prefere a reforma de sua fábrica antiga, com teares Platt, de 1914. Eu o liberei do compromisso de associação e me ofereci para ajudá-lo na reforma de sua fábrica, vendendo-lhe algodão com 1 ano de prazo, sem acréscimo. Assim foi feito.
1963/1964: Diretoria do Frigonorte.
1965: Casamento em janeiro.
Viagem aos EE.UU em maio, na assembléia e convenção de Rotary International. Início da Governadoria de Rotary, (Distrito 458) em julho. Confecção de material para divulgação da Área Mineira da Sudene. Início de visitas como Governador de Rotary e para divulgação da Sudene, com ênfase para os projetos viáveis na Área Mineira, destacadamente o da Fábrica de Tecidos.
Fev.1966 - Visita a Ubá: Programa rotineiro de visita a pontos pitorescos e estabelecimentos industriais da cidade, inclusive à recém-inaugurada fábrica de confecções da WEMBLEY, onde fiz exposição a seu presidente, rotariano José Alencar Gomes da Silva, sobre a Sudene e sobre a Fábrica de Tecidos. E convidei-o a visitar Montes Claros. Reencontro na Conferência de Caxambu e em BH, onde voltamos a falar sobre o assunto. Renovei o convite para a visita
1967 - Visita do José Alencar a Montes Claros, com o então Vice-Governador, Dr. Pio Canedo, após troca de correspondência e encontro em Belo Horizonte. Constituição da empresa piloto em 4.12.1967.
1968 - Minha indicação da empresa Nordeste Projetos, para confecção do projeto, minha apresentação ao José Alencar dos drs. Ruy Albuquerque e Adalberto Arruda e contratação do projeto, com financiamento no BDMG, na linha de crédito denominada FINEPOL.
Junho de 1969 – Eleito deputado federal em 1967, verifiquei que havia resistência na Sudene para análise e aprovação do Projeto. Consegui com o Governador do Estado que convidasse o Superintendente da Sudene, General Tácito Theófilo Gaspar de Oliveira para vir a Minas. Aqui, no Palácio, presente o então Secretário Dr. Victor Andrade Brito, solicitamos o empenho do General Superintendente para a aprovação do Projeto da Coteminas naquele ano, de vez que a partir do ano seguinte estava suspensa a análise de novos projetos. Obtivemos o compromisso do Superintendente, renovado horas mais tarde, na Associação Comercial de Minas, ante solicitação igual formulada a meu pedido pelo então presidente Dr. Adolfo Neves da Costa. Tudo isso em junho de 1969.
Por telefone e telex, de Brasília, e também pessoalmente, mantive contato nos meses seguintes com o General Tácito Theófilo Gaspar de Oliveira, que cumpriu o seu compromisso na última reunião do ano, aprovando o projeto Coteminas, em .....12.1969.
1970/71 – Reformulação do Projeto.
Maio de 1971 – Início de implantação.
1975 – Inauguração da Fábrica de Fiação, com a presença do Governador Rondon Pacheco – discurso anexo e artigo publicado no DIÁRIO DE MONTES CLAROS.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


41168
Por Luiz de Paula - 29/11/2008 11:13:52
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 58)

UM PATRIMÔNIO DA COMUNIDADE

Luiz de Paula Ferreira

(Publicado no DIÁRIO DE MONTES CLAROS, por ocasião da inauguração
da COTEMINAS, em maio de 1975)

Duas atividades se revelaram básicas para a formação da economia do Norte de Minas - a pecuária e a cotonicultura. Uma e outra vieram do Nordeste, mais especialmente da Bahia. O boi, trazido pelo Capitão Antônio Guedes de Brito (1626/1695), em meados do século XVII. E o algodão na esteira do boi, para vestir o vaqueiro e suplementar a alimentação dos rebanhos. Não faz muito tempo, comprava-se nas feiras de Montes Claros, como talvez ainda hoje se encontre em localidades mais ao norte, o pano grosso de algodão, fiado e tecido nos fusos e rocas de madeira das velhas fazendas do sertão norte-mineiro.
O boi era vendido em pé, a princípio para a Bahia e para as zonas de garimpos, e depois para as charqueadas e frigoríficos de Minas, do Rio e São Paulo. O algodão era transportado “in natura”, nos primeiros tempos para Minas Novas e posteriormente para Santa Luzia e Curvelo, passando depois a ser descaroçado na própria região para fornecimento às fábricas de tecidos do centro-sul.
Há 10 anos passados, era ainda essa a situação que predominava. A idéia do aproveitamento industrial do boi e do algodão, na própria área de produção, só pôde encontrar condições de viabilizar-se após o surgimento da Sudene e da chegada da energia da Cemig.
Para abater o boi e industrializar a carne foi organizado o Frigonorte, o primeiro projeto de Minas a ser aprovado na Sudene. Representou o cometimento um admirável esforço de toda a região, que soube compreender o alto significado da implantação do frigorífico para o desenvolvimento da pecuária no setentrião mineiro.
A idéia da fábrica de tecidos também criara corpo. Um grupo de empresários locais foi a Recife e Fortaleza estudar a viabilidade do projeto junto à Sudene e ao Banco do Nordeste, sendo-nos assegurado, desde logo, tanto da parte do Banco quanto da Sudene, total apoio.
Todavia, ao ser aprovado, em seguida, o projeto do frigorífico, somaram-se os esforços das lideranças regionais em torno do empreendimento pioneiro e eu próprio assumi uma de suas diretorias até o final da implantação.
Àquela altura a Sudene era ainda pouco conhecida em Minas Gerais. Grande parte dos mineiros não se dava conta de que cerca de 1/5 do território do Estado estava inserido na área de atuação da Sudene. Havia a necessidade de um amplo trabalho de esclarecimento e se aguardava que o Governo tomasse a iniciativa. Foi quando se ofereceu a oportunidade para que a própria região beneficiada desse sua participação. Durante um ano, de 1965 a 1966, coube-me percorrer quase todo o Estado de Minas Gerais, na qualidade de Governador de Rotary. Mandei imprimir material informativo, e em todas as cidades que visitava e cujas lideranças reunia, por força do cargo, divulguei o que era a Sudene e o quanto representava para Minas Gerais a importante agência de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, explicava a legislação de incentivos fiscais e oferecia informações sobre o potencial da área mineira da Sudene e sobre os empreendimentos mais viáveis. O interesse despertado por essa divulgação, não obstante suas deficiências compreensíveis, foi recompensador. Muitos empresários vieram a empreender, mais tarde, na região, ou passaram a encaminhar seus recursos para projetos mineiros.
Nessas viagens foram também estabelecidos os primeiros contatos com aqueles que seriam mais tarde meus companheiros no projeto da Coteminas. O industrial José Alencar Gomes da Silva e o engenheiro Ivan Muller Botelho. Ambos mineiros e do interior, como eu próprio, e ambos igualmente empolgados pelo setor têxtil. Sem eles e sem o apoio dos quase 15.000 acionistas que confiaram em nós, o empreendimento não teria sido possível.
Optamos por uma fábrica integrada (fiação, tecelagem e acabamento), de concepção ultra-moderna, para produzir tecidos de alta qualidade, muito embora essa escolha representasse sacrifícios muito maiores em sua implantação. Mas assim fizemos porque tínhamos a atenção especialmente voltada para o mercado interno e externo. Daí nos definirmos por equipamentos mais custosos porém tecnologicamente avançados, capazes de produzir tecidos com qualidade de padrão internacional, ao mais baixo custo de produção possível no País. Para poder competir em qualidade e preço. Enfim uma fábrica que mais facilmente pudesse encontrar mercado para seus produtos aqui e no exterior. E, portanto, capaz de operar lucrativamente mesmo em ocasiões de crise no setor.
Ai está a Coteminas inaugurando o seu setor de fiação. Os outros estágios de sua implantação agora se sucederão em curto prazo.
Nós, os construtores da Coteminas, estamos realmente muito satisfeitos. Sua implantação está abrindo um grande campo de trabalho na região. Esperamos que ela represente o primeiro passo para a formação de um pólo têxtil nesta parte do Estado. Onde é farta a matéria prima e a mão-de-obra é abundante e facilmente adaptável à indústria. Com incentivos especiais da Sudene, do Governo do Estado e do Município.
Em torno da Coteminas se agruparão atividades afins e em razão de seu funcionamento e por sua atuação direta, com projetos próprios, se caminhará para a melhoria da qualidade do algodão produzido na região.
Alguém já disse que não somos donos de nada. Tomamos conta de alguma cousa, durante algum tempo. Em realidade, constrói-se para a comunidade.
Ai está a Coteminas. Uma conquista de Montes Claros. Um patrimônio irreversível da área de atuação da Sudene em Minas Gerais.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


41057
Por Luiz de Paula - 26/11/2008 11:30:35
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 57)

Houve, em determinada fase da tramitação do projeto, um certo esforço para que a fábrica se localizasse no Nordeste do País. Todavia, fiéis à tradição de tecelões, em que sempre se afirmaram os mineiros, através dos tempos, logramos ser vitoriosos em nosso empenho de trazê-la para Minas.
Procuramos e encontramos o que há de mais atual e de mais conveniente para Minas. E quando assim dizemos é porque a fábrica, a par de oferecer produto para o qual existe mercado interno amplo e em crescimento, poderá sair também para o mercado exterior com custos baixos e boa qualidade do produto acabado, tendo a mais os incentivos fiscais municipais (10 anos de isenção), estaduais (redução em um percentual do ICM que tende a nivelar-se em 60%) e federais (isenção do imposto de renda por 15 anos e outros), a que se somam os incentivos de ordem creditícia na forma de financiamentos diretos e avais bancários.
Com linha de produção diversa da existente em Minas e trabalhando mais para o ramo de confecções, a Coteminas não irá, já o dissemos, concorrer com as fábricas de nosso Estado. Ao contrário, ocupando faixa própria e que se encontrava disponível, pretende somar-se, embora com números modestos, ao grande parque têxtil de Minas Gerais, oferecendo sua contribuição para que Minas acelere a retomada de seu lugar na vanguarda do progresso e da solidez econômica do País.
A rentabilidade real prevista no projeto, tomando-se por base os preços vigentes no mercado nacional, é de 37,6%, já considerada a margem para a correção monetária. O projeto oferece, portanto, a rentabilidade incomum de 37,6%, devidamente protegida contra o desgaste inflacionário.
Com esta apresentação, embora ligeira, de dados, quisemos significar que a Coteminas não é um empreendimento qualquer, ou um negócio de ocasião, e tampouco a sua implantação poderá ser tomada como uma aventura ou um salto no escuro. A Coteminas é um empreendimento sério, amadurecido no tempo, no estudo e na pesquisa.
Esperamos, assim, merecer a confiança de nossos conterrâneos para que venham conosco produzir mais para Minas, para somarmos nossos esforços e recursos em um empreendimento recomendável por sua lucratividade e também por sua contribuição ao aperfeiçoamento da mão-de-obra especializada, ao avanço tecnológico e ao crescimento do parque fabril do Estado.

Ilustres autoridades,
eminentes colegas do comércio e da indústria,
senhoras, senhores,

Na fábrica da Coteminas, que será a mais moderna e avançada do País, e que bem traduzirá a mentalidade nova e progressista que se implanta no Polígono das Secas em nosso Estado, há um local reservado para reverência à vocação têxtil de Minas Gerais. Ali se erguerá um monumento, de autoria de artista mineiro, que testemunhará, de par com nossa homenagem e admiração, o profundo respeito da mais nova área industrial do Estado, aos pioneiros da indústria têxtil em Minas Gerais, e a seus continuadores até os dias presentes. Ao mesmo tempo em que nele se afirmará nossa inabalável confiança nos que vierem depois de nós, capitaneando instalações cada vez mais aperfeiçoadas, e fortalecendo a imagem do passado, na confirmação de uma Minas Gerais realizada em seus destinos de centro de equilíbrio da Pátria, e fonte inexaurível de recursos materiais e humanos para o progresso e grandeza do Brasil.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


40955
Por Luiz de Paula - 22/11/2008 10:41:52
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 56)

APRESENTAÇÃO DO PROJETO COTEMINAS EM SOLENIDADE NA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE MINAS, EM BELO HORIZONTE

Dep. Luiz de Paula

Queremos, em ligeiras palavras, oferecer alguns dados a mais sobre a Coteminas.
De início desejamos manifestar o quanto nos sentimos honrados e agradecidos por vossa presença, que tanto prestigia esta solenidade, ao mesmo tempo nos estimulando e nos encorajando em nosso trabalho.
A fábrica da Coteminas nasceu de estudos e planificações que se cristalizaram em 7 anos de trabalho, abrangendo todos os enfoques vitais para um cometimento de tal natureza. Nas pesquisas realizadas, demoramo-nos no reconhecimento do mercado de demanda, onde a exigência do cliente passou a ser lei soberana e em que a elevação do padrão de vida muda o gosto do consumidor, que passa a reclamar mais elevado grau de qualidade. Com igual critério avaliamos as fontes de matéria prima, as possibilidades de mão-de-obra, o estímulo dos incentivos fiscais e creditícios da Sudene, a vantagem locacional da área mineira do Polígono, tendo em vista as disponibilidades de recursos do centro-sul, e assim por diante. Na definição do tecido a ser produzido, evitamos colidir com os interesses da indústria têxtil mineira. Na escolha das máquinas, procuramos a orientação mais segura e atualizada. Nesse trabalho tivemos acesso a dados levantados pela CEPAL, que realizou pesquisas na indústria têxtil da América Latina, e encontrando bons padrões de produtividade apenas na Venezuela, na Colômbia e no Peru. Os demais países, segundo concluiu aquele órgão técnico das Nações Unidas, necessitam reequipar-se, salientando que outros países estão passando à frente do Brasil em seus programas de reequipamento. Dados colhidos em 850 fábricas de tecidos do País informam que o rendimento das fiações representa apenas 58% do rendimento padrão para a América Latina, e o da tecelagem fica em torno de 54 por cento do que se pode alcançar com maquinaria moderna. A mesma fonte acrescenta que podem ser considerados obsoletos ou caminhando para a obsolescência 80% os fusos e 70% dos teares instalados.
Sabemos que as fábricas mineiras, em sua maior parte, encontram-se na faixa sadia da exceção, devidamente aparelhadas, mas a realidade gritante, na maioria das outras fábricas, está a reclamar renovação das instalações e implantação de novas fábricas como a da Coteminas.
Existe hoje um tipo de tear, avançado tecnologicamente, que produz tecido de modo contínuo e em várias larguras, sem lançadeiras e outros acessórios e com reduzida mão-de-obra, produzindo por 6 teares comuns. Em dois anos (1967/68) a Argentina adquiriu 350 desses teares; o México adquiriu 300; a Colômbia, 90; o Chile, 50. O Brasil precisaria de 600 desses teares modernos para reequipar-se convenientemente. Todavia, no período citado, adquiriu apenas 36 unidades, o que demonstra com quanta velocidade temos de nos encaminhar para renovação de nosso parque têxtil.
Esses teares, que estão revolucionando a nobre indústria dos tecidos, são fabricados em vários países, sendo melhor referidos os de procedência suíça, da marca SULZER.
Foram esses, exatamente esses, os preferidos pela Coteminas.
A fábrica surge assim adequadamente dimensionada desde os mínimos detalhes e está sendo construída como um todo, sem pontos de estrangulamento e a salvo de setores ociosos ou do reclamo de acréscimos improvisados que pesam negativamente na estrutura econômica de estabelecimentos implantados sem o devido critério técnico-econômico. O projeto original foi elaborado por categorizada equipe de técnicos brasileiros e japoneses e posteriormente remetido à Europa, a uma firma de consultores especializados, de renome internacional, que o revisou de ponta a ponta, resultando desse trabalho conjugado um projeto da mais alta qualificação, com um fluxo de produção racional e simples, sendo seus edifícios implantados em módulos que permitirão acréscimos em qualquer dos setores - seja na preparação, na fiação, na tecelagem ou no acabamento, ou, ainda, na administração - de acordo com o comportamento do mercado no futuro, sem quebra da harmonia do conjunto e mantendo-se inalterado o fluxograma original em toda sua simplicidade e racionalidade.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


40702
Por Luiz de Paula - 13/11/2008 14:40:10
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 55)

OLHA A COTEMINAS

Uma fábrica começa sendo apenas um sonho, como a Coteminas começou em minha concepção, nos idos de 1962.
Em 1971 demos início à implantação. No terreno da manga velha que eu adquirira no início dos anos 60, já pensando na fábrica.
Demarramos pelas obras civis.
Começaram os trabalhos de abertura das cavas, construção de tubulões, alicerces e levantamento de paredes, rodeadas de andaimes, com distribuição de lâmpadas em fiação provisória, por toda a área em construção. A obra, com toda aquela iluminação, oferecia à noite um belo espetáculo para quem passava pela então estrada de terra que levava ao aeroporto. A mostrar que ali se estava a construir uma fábrica.
Aquele pouco, representado pela obra em andamento inicial, com sua iluminação noturna, já era muito para minha alegria, que contagiava toda a família.
É desse tempo a imagem mágica que ficou da Coteminas. Representa uma fase. De início de jornada. De grandes esperanças.
Passou a ser rotina, todas as noites, após a labuta do dia, o passeio com a família, em uma camioneta Rural Willys, que eu dirigia, com a esposa ao lado e os filhos no banco traseiro. Para vermos a Coteminas começando a nascer.
Eram apenas escavações, alicerces, andaimes, paredes sendo erguidas. Mas nossos corações vibravam, cheios de alegria e confiança no que estava por vir.
Eu me lembro. E muito. Recordo-me da estrada, erma naquele tempo. E dos sapinhos, quando a noite era chuvosa, coaxando nas margens encharcadas da estrada ou atravessando, à nossa frente, a saltar, uns atrás dos outros, com as barriguinhas brancas a reluzir ao clarão dos faróis do carro.
E me lembro da cantiga que fiz e que cantávamos juntos, quando nos avizinhávamos do local das obras:

Olha a Coteminas
toda iluminada
na beira da estrada,
olha a Coteminas.

Outras fases vieram.
De penoso trabalho. De compromissos assumidos. De escassez de recursos. De dificuldades financeiras. De se contar e recontar cada tostão. Da venda da Algodoeira Luiz de Paula e de 11 propriedades imobiliárias e participações acionárias em agências de representação da Ford e da Wolksvagem. E de contrair um empréstimo de 43 milhões de cruzeiros, com aval e hipoteca dos imóveis que restaram, inclusive da própria casa de residência, onde os avaliadores do banco puseram em dúvida a origem européia dos lustres. E eu lhes falei que deixassem os lustres de fora...
Foram tempos difíceis. Às vezes desencorajadores.
Após a trabalhosa posta em marcha, começaram a surgir, pouco a pouco, os primeiros resultados positivos. Escassos, mas valendo como sinais animadores. E os anos foram passando. Bons resultados foram aparecendo, os orçamentos se equilibravam, frutos da boa luta, da competência e da dedicação da equipe.
Fui presidente da empresa nos primeiros 19 anos de sua existência. Aos 70 anos de idade passei a ocupar a vice-presidência.
É isso aí. O sonho realizou-se. E ao realizar-se, aquela imagem mágica transformou-se em trabalho organizado, competente e competitivo.
Aquelas paredes e andaimes iluminados à beira da estrada são hoje 11 fábricas de tecidos e confecções faturando 1 bilhão de reais por ano. Boa parte em dólares.
Para edificar este complexo têxtil que é a COTEMINAS de hoje, a empresa foi buscar acionistas no exterior, conquistando lá fora capitais de risco para desenvolvimento do país.
Sou hoje um pequeno acionista. E sei que não somos donos de nada. Tomamos conta de alguma cousa por algum tempo. Em verdade, trabalhamos para a comunidade.

A Coteminas será sempre em minha lembrança uma paisagem iluminada no meio da noite. Mas não somente isso. Tendo essa visão mágica, que vem do passado, como moldura romântica e luminosa, ela é e será também a presença majestosa e real de um sonho realizado em plenitude.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


40540
Por Luiz de Paula - 8/11/2008 07:20:32
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 54)

PÓLO TÊXTIL

No dia do lançamento da pedra fundamental eu anunciei que a COTEMINAS seria a fábrica de tecidos mais moderna do país. E que representava uma semente, um exemplo, para a criação de um pólo têxtil no Norte de Minas.
Houve quem dissesse que eu estava querendo muito para a região.
Mas aconteceu tal como anunciei.
A Coteminas construiu não apenas uma mas quatro fábricas modernas em Montes Claros. As quais, somadas a mais duas das empresas Paculdino e Santanense e quatro implantadas em Pirapora, formam o POLO TÊXTIL DO NORTE DE MINAS.

O TERRENO

Quando comecei a pensar na Fábrica de Tecidos, no início dos anos 60, apareceu um terreno a venda, na estrada de acesso ao Aeroporto.
Fui lá ver. Era uma manga velha, encapoeirada, com cerca de 150 mil metros quadrados, fechada por cerca de arame farpado, em mau estado.
Comprei, mandei consertar as cercas e roçar a manga velha.
Foi esse terreno que escolhi para construir a fábrica da Coteminas.
A estrada de terra é hoje a avenida Magalhães Pinto.

TEMPOS HERÓICOS

Após a posta em marcha, em 1975, a Coteminas passou a viver talvez a fase mais crucial de sua história.
Encontrava-me, certa tarde, em Belo Horizonte, de saída para Montes Claros quando chegou um pedido de peças de reposição para veículos da empresa.
O então contador da empresa, Dr. João Batista Bonfim, fez a pesquisa de preços e optou pela compra na EKIPAR, firma que não conhecíamos. E me informou que a conta bancária da Coteminas estava sem saldo.
– E a conta da ECONORTE? - Perguntei.
O João consultou suas anotações e respondeu:
– Deve ter entrado um depósito hoje.
Eu então falei: - Faça o cheque da ECONORTE.
Recebi o cheque, informei-me sobre o endereço da vendedora e me despedi.
Na EKIPAR fui atendido pelo proprietário, a quem fornecei os elementos para extrair a nota fiscal, entreguei o cheque e pedi que embalasse a encomenda para viagem.
Após pequena demora, um empregado trouxe os volumes e os entregou ao nosso motorista.
Fui até o dono da loja, para despedir-me e aproveitei a ocasião para dizer:
– O senhor pode consultar o banco. O cheque tem fundos.
– Já consultei - o homem disse. - Não tem fundos não...
Foi um choque. Eu, que já ia saindo, voltei-me e fitei-o, espantado.
O homem sorriu.
– Eu conheço o senhor. Lá de Montes Claros. Sou casado com uma filha do Tonico Teixeira. Sua prima...O Senhor tem aqui o crédito que quiser.
Tempos heróicos.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


40297
Por Luiz de Paula - 1/11/2008 09:37:13
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 53)

BARGANHA SANTA

Antes, confiado na aprovação, eu havia encaminhado ofício à Comissão de Justiça da Câmara consultando se eu poderia continuar na presidência da empresa a partir de quando a Coteminas passasse a receber incentivos fiscais e outros benefícios do Governo Federal, via Sudene.
A resposta foi que em minha condição de deputado eu não poderia presidir empresa subsidiada pelo Governo Federal.
Optei pela empresa e me preparei para deixar a vida pública.
Procurei por em dia todos os compromissos assumidos e com a vida em ordem marquei audiência com o Presidente da República e me despedi dele.
Em seguida fui ao gabinete do Ministro da Casa Civil, meu amigo e conterrâneo Rondon Pacheco, para despedir-me.
Quando declarei o motivo de minha visita ele se emocionou e me disse que eu não poderia fazer isso. Que nosso partido estava com problemas, visto que 19 deputados, contando comigo, estavam desistindo de concorrer às eleições. E que se tal acontecesse o partido seria altamente prejudicado na votação da legenda.
Eu contei para ele a consulta que fizera à Comissão de Justiça e passei às suas mãos um folheto de apresentação do projeto Coteminas, que eu já havia mostrado ao Presidente Médici.
Mas o Rondon sempre foi um obstinado. E me propôs:
– Deixe o seu nome na legenda da Arena, ainda que não queira ser eleito. Eu já estou escolhido para o Governo de Minas. No Governo darei a você todo o apoio que você precisar.
Com essa proposta eu concordei.
Deixei meu nome na legenda. Fiz uma divulgação discreta do meu nome, mesmo porque eu já havia dispensado a votação de três municípios que eram votação em massa em meu nome - Francisco Sá, Capitão Enéas e Montalvânia.
No caso de Montalvânia, recebi a visita do Antônio Montalvão, fundador da cidade, que veio espontaneamente oferecer-me o apoio de seu município. Agradeci a ele e informei a razão pela qual sentia não poder aceitar o honroso oferecimento que me fazia.
Cumpri minha parte e o Governador Rondon Pacheco cumpriu seu compromisso, apoiando a Coteminas em tudo que a empresa precisou do Governo do Estado. E quando pusemos a fiação em marcha ele veio a Montes Claros e fez emocionante discurso.
Não perdi a eleição. Fiz um compromisso, uma barganha honesta, altamente importante para a implantação da então mais moderna fábrica de tecidos do Brasil, que gerou recursos para a formação do Grupo Coteminas, que hoje possui 12 fábricas com faturamento acima de 1 bilhão de reais por ano, exportando mais de metade de sua produção.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


40238
Por Luiz de Paula - 29/10/2008 15:40:25
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 52)

Estávamos em abril ou maio de 1969. Pensei muito na conversa do João Agripino. E tomei uma decisão. No dia seguinte vim a Belo Horizonte, procurei o Governador Israel Pinheiro, contei-lhe o acontecido e acrescentei:
“Se o João Agripino pode aprovar o projeto, o senhor também pode. Meu desejo é que o projeto seja implantado em Minas. E só não será se o Governo não nos apoiar.”
O Governador Israel Pinheiro poderia ser um homem de respostas duras, mas era um estadista. Perguntou-me qual era minha idéia. Eu respondi que o prestígio do Governador João Agripino era muito grande. Seria bom que montássemos uma estratégia para obtermos um compromisso irreversível do superintendente da Sudene, o General Tácito Theóphilo Gaspar de Oliveira, fora da Sudene. Para tanto eu propunha que o Governador fizesse um convite ao General para visitar Belo Horizonte, a fim de conhecer as potencialidades do Estado e falar aos empresários mineiros sobre a Sudene.
Estávamos em maio de 1969. O convite foi feito. O General aceitou e marcou a data para junho. No dia e hora marcados, eu e o Presidente do Conselho Econômico do Estado, Dr. Victor Andrade Brito, estávamos NO MEIO DA PISTA, na Pampulha, aguardando-o.
Recebemo-lo, ao pé da escada do avião, levamo-lo ao Hotel Del-Rey e mais tarde ao Palácio, onde nos reunimos com ele e o Governador em mesa redonda.
O Governador agradeceu a presença do Superintendente e falou bastante sobre Minas e sobre o que o Estado esperava da Sudene. Ao final, disse:
– De momento, Minas tem uma única pretensão de curto prazo. É a aprovação do projeto de uma fábrica de tecidos para Montes Claros. O Deputado Luiz de Paula, que é o presidente da empresa, vai dar ao senhor os detalhes. E me passou a palavra. Coube a mim expor ao Superintendente o que era a Coteminas, o que o projeto representava para Minas e para a Sudene, o número de empregos previstos, o consumo de algodão e poliéster do Nordeste, as vantagens da instalação de uma fábrica nova, com equipamento ultra-moderno, como exemplo para a renovação do parque têxtil do Nordeste e do País. E fui por ai afora, para no final revelar nossa grande preocupação com o propósito da Sudene de suspender em dezembro o exame de projetos têxteis. Dai a necessidade de o nosso projeto ser analisado e aprovado com a máxima urgência, para não ser alcançado pela suspensão. Além do mais, a Coteminas seria um exemplo e uma referência para a renovação pretendida pela Sudene.
Ao final, o Governador reafirmou a pretensão do Estado, com respeito a aprovação do projeto, e o Dr. Victor Andrade Brito, como Presidente do Conselho de Desenvolvimento, órgão que representava o Estado junto à Sudene, fez dele as minhas palavras e manifestou a confiança do Governo no apoio da Sudene ao projeto.
O Superintendente mostrou-se sensibilizado e se comprometeu com o Governador a atender ao pedido de Minas.
Do Palácio fomos para a reunião com empresários, na Associação Comercial, onde o então Presidente, Dr. Adolfo Martins da Costa, com quem eu me havia entendido, fez o mesmo pedido, agora em nome das classes produtoras, tendo o Superintendente acrescentado às anotações que fizera em sua caderneta de bolso, no Palácio, o pedido da Associação Comercial.
Daí por diante, mantive, de Brasília, constante contato com a Sudene, acompanhando o andamento do projeto nos setores de análise. O projeto começou a andar, mas não no ritmo que eu desejava.
O Superintendente vinha freqüentemente a Brasília e eu tive ocasião de transmitir a ele, de viva voz, em Brasília, e por telex, da Câmara dos Deputados, a minha apreensão com relação ao andamento da análise, tendo em vista o passar do tempo. Até que certo dia, em novembro de 1969, em uma das vindas do General Tácito a Brasília, procurei-o, novamente. E ele, ao ver-me, antes mesmo que o cumprimentasse, foi-me dizendo, em palavras textuais:
– Olha, deputado, a SUA COTEMINAS vai ser aprovada na reunião de dezembro. Desde o mês de junho eu vinha acompanhando os trabalhos da equipe técnica da Sudene, que por ordem do Superintendente, o retirara da “prateleira”.
Pessoalmente, em Recife, onde compareci, nesse acompanhamento, e de Brasília, por telefone e em contato pessoal com o Superintendente, que em suas idas a Brasília hospedava-se no Hotel Nacional, onde eu residia.
Atento ao andamento do projeto em sua tramitação na Sudene, eu mantinha contatos com a empresa que nos assessorava, a Nordeste Projetos, para pronto atendimento das “exigências” que a equipe de analistas da Sudene apresentasse.
E assim o projeto foi tramitando, não com a presteza que se desejava, porque não havia boa vontade. Compreende-se. Os funcionários eram nordestinos. Conheciam o obsoletismo do parque têxtil do Nordeste e priorizavam sua renovação. Para muitos, nós, da Coteminas, éramos forasteiros, sediados num estado rico. Não precisávamos da Sudene.
Mas eu estava vigilante.
Vencendo os empecilhos, um a um, chegamos à véspera do dia em que seria realizada a última reunião do Conselho Deliberativo, naquele ano. Seria também a última reunião em que seriam apreciados projetos da área têxtil, até serem atendidos os projetos de renovação do parque têxtil do Nordeste.
Às 9 horas da manhã, falando de Brasília, telefonei à Secretaria da Sudene para confirmar se o projeto estava na pauta da reunião do dia seguinte.
Em resposta à minha pergunta, o Secretário confirmou que o projeto fôra incluído na pauta.
Antes de agradecer a informação perguntei se estava tudo em ordem, para a aprovação.
– Está sim, senhor deputado. Vossa excelência pode ficar tranqüilo. O projeto do senhor é de prioridade B, não é?
– Não é não! – Eu falei, de Brasília.
– Pois aqui na pauta está registrado como prioridade B... É assim que ele vai ser apresentado.
Minha decisão foi imediata. Peguei minha pasta de viagem, fui para o aeroporto e apanhei o primeiro avião que saía para o Nordeste.
Se fosse aprovado em prioridade B, com contrapartida de dois por um em vez de três por um, o projeto ficaria inferiorizado no mercado de opções e jamais seria implantado.
Para deputados há reserva de lugares nos aviões. Obtive uma dessas reservas e no início da tarde cheguei a Recife. Do aeroporto segui diretamente para a Sudene.
Valeu-me muito a condição de deputado. Para mim não houve espera. Imediatamente a equipe de analistas largou o que estava fazendo e atendeu-me. Com a cópia do projeto em mãos eu quis saber a razão pela qual o projeto fora rebaixado para a prioridade B.
Percebendo o desconforto da equipe, ao ser colocada naquela posição, pedi a cópia dos critérios adotados para contagem dos pontos que definiam as faixas de prioridade.
As prioridades A, B e C correspondem à participação acionária da Sudene na proporção de três por um, dois por um e um por um, em contrapartida à participação do empreendedor.
Com o documento em mãos e informado de que faltara um ponto para que o projeto alcançasse a prioridade A, percorri a relação de alto a baixo, localizei um dos pontos positivos e perguntei se aquele havia sido considerado.
– Não, não foi – responderam.
– Pois incluam. Como presidente da empresa eu assumo o compromisso de que a Coteminas será uma empresa de capital aberto, com ações negociadas na Bolsa de Valores.
O documento foi feito, eu assinei e o compromisso foi incorporado ao projeto e bem assim a classificação em prioridade A.
Eu viajara com o propósito de regressar no mesmo dia a Brasília. Mas resolvi tomar hotel e comparecer à reunião do Conselho na tarde do dia seguinte.
Acompanhou-me o Professor Adalberto Arruda, diretor da “Nordeste Projetos”, empresa que nos assessorava na capital pernambucana. Chegamos antes do início da reunião e pudemos verificar que o projeto constava da pauta em prioridade A
Assisti à apresentação e aprovação do projeto e regressei a Brasília, onde cheguei às duas horas da manhã. No dia seguinte comuniquei ao Alencar: Coteminas aprovada. Em prioridade A.

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40046
Por Luiz de Paula - 25/10/2008 08:21:35
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 51)

O PROJETO

Ao criarmos a empresa piloto, aqui em Montes Claros, em dezembro de 1967, sugeri que entregássemos a elaboração do projeto à empresa NORDESTE PROJETOS, cuja competência eu ficara conhecendo por ter sido essa empresa que fizera o projeto do FRIGONORTE.
A escolha foi tão acertada que após a aprovação do projeto contratamos a empresa para continuar como nossa representante junto à SUDENE.
Na decisão de implantação da Coteminas levamos em conta a vantagem locacional, as fontes de matéria prima, as possibilidades de mão-de-obra, o reconhecimento do mercado de demanda e o estímulo através dos incentivos fiscais e creditícios da Sudene.
Na definição do tecido a ser produzido evitamos colidir com os interesses da indústria têxtil mineira.
Na escolha das máquinas orientamo-nos por pesquisa realizada pelo CEPAL, na indústria têxtil do Brasil. Dados colhidos em 850 fábricas do País, apresentavam o rendimento das fiações em apenas 58% do rendimento padrão e o das tecelagens em torno de 54% do que se podia alcançar com maquinaria moderna.
A mesma fonte acrescentou que estavam obsoletos 80% dos fusos e 70% dos teares instalados.
Era este o quadro da indústria têxtil nacional.
Cresceu a nossa disposição de optar pelo que de mais moderno existia no mundo.
Prosseguindo na pesquisa, verificamos que estavam saindo das pranchetas da engenharia européia um tipo de tear avançado tecnologicamente para produzir tecido de modo contínuo e em várias larguras, sem lançadeiras e outros acessórios, produzindo por 6 teares comuns. Foram esses os teares que compramos para a Coteminas.
Em 1968 o projeto ficou terminado e foi entregue à Sudene. Esperávamos que fosse aprovado naquele mesmo ano.

IMPASSE NA SUDENE

O projeto Coteminas, apresentado em 1968, encontrou resistências em seu trâmite. E caiu num impasse. As notícias não eram animadoras. Dizia-se que o projeto não seria sequer analisado, isso porque os estados nordestinos queriam que a Sudene primeiro cuidasse da renovação do parque têxtil do Nordeste, que estava envelhecido.
Certo dia, em Brasília, sendo eu deputado, fui procurado pelo Governador João Agripino, que me disse o seguinte:
Estou informado de que o nobre deputado é presidente da Companhia de Tecidos Norte de Minas - Coteminas, com projeto na Sudene, para implantação de uma moderna fábrica de tecidos.
– É verdade, Governador. Estamos com esse projeto na Sudene.
– O projeto de vocês - disse ele - dificilmente será aprovado. A Sudene está voltada para a recuperação do parque têxtil nordestino, em via de tornar-se obsoleto. Só depois disso irá acolher projetos novos.
A conversa do Governador me preocupou. Eu tinha conhecimento desta preferência da Sudene pela recuperação das fábricas do Nordeste e sabia que se propalava em Recife que a partir de dezembro a Sudene não iria mais receber cartas-consulta de projetos têxteis. Por um período de 2 a 3 anos.
A uma outra pergunta dele eu informei que era nosso propósito implantar a fábrica em Montes Claros, na Área Mineira da Sudene.
O Governador João Agripino era figura respeitável no Congresso. Por sua experiência parlamentar e pela liderança que exercia, eu sempre o admirei.
No prosseguimento de nosso diálogo, a certa altura ele disse ao que viera.
– Vocês deviam pensar numa solução. De minha parte, posso ajudar. Se vocês levarem o projeto para João Pessoa, eu garanto a aprovação e ainda faço a doação do terreno e ofereço o aval do Banco do Estado. Podem contar com o Governo da Paraíba para o que vocês precisarem.
– Eu fico muito grato, Governador, mas pelo menos até o momento o nosso propósito é fazer a implantação do projeto em Minas.
– Vocês planejaram para Minas, mas isso pode mudar. Eu garanto a concordância da Sudene. Além do mais, prosseguiu, por que Minas? Minas não tem algodão de fibra média e longa. Nós temos. No futuro vocês terão de exportar. Minas não tem mar. A fábrica de vocês fica bem é na Paraíba. Pense nisso, deputado, e conte comigo.
O Governador João Agripino lutava bravamente pelo seu estado.
A conversa me preocupou por que o Governador João Agripino desfrutava do mais alto conceito na Sudene. Numa disputa, a Sudene se posicionaria em favor da Paraíba, pois era voz corrente, na Sudene, que Minas era rica e não merecia os incentivos da autarquia. Além disso, o Governador João Agripino era da UDN e nós do PSD. A UDN era íntima da revolução. Magalhães Pinto, presidente da UDN, fora o chefe civil da Revolução. Nós, do PSD, éramos tratados sob suspeita, por causa do Juscelino. Por isso tudo, fiquei preocupado com a conversa do Governador João Agripino.
Além do mais, sabia-se que a Sudene resolvera paralisar a aprovação de projetos têxteis a partir de Janeiro do ano seguinte, para reestudar a indústria têxtil do Nordeste e criar um programa voltado para a renovação de seu equipamento. Essa suspensão seria de 1 a 3 anos. Se a portaria suspensiva entrasse em vigor antes da aprovação da Coteminas, adeus fábrica de tecidos!

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


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Por Luiz de Paula - 22/10/2008 10:27:36
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 50)

Em 1964 fui eleito Governador do Distrito 458, de Rotary International, que na ocasião abrangia quase todo o Estado de Minas Gerais. E tomei posse em 1965, para um mandato de um ano.
Fazia parte de meus compromissos, como Governador de Rotary, visitar e manter contato, durante um ano inteiro, com 41 das principais cidades do Estado, inclusive Belo Horizonte, Juiz de Fora, Governador Valadares, Barbacena, Patos de Minas, Cataguazes, Leopoldina, Itaúna e muitas outras cidades prósperas de Minas Gerais, em muitas das quais havia importantes empresários da indústria têxtil.
Àquela altura a Sudene era pouco conhecida em Minas Gerais. A maioria dos mineiros não sabia que uma quinta parte do território do Estado encontrava-se inserida na área de atuação da Sudene. Fazia-se necessário um amplo trabalho de esclarecimento, mas todos aguardavam que o próprio governo se encarregasse disso.
Ao ser escolhido para assumir a governadoria de Rotary compreendi que se abria para mim a oportunidade de tornar a Sudene conhecida dos mineiros. Para isso elaborei um plano de trabalho inédito e corajoso. Ouvi as áreas técnicas da Sudene e resumi e mandei imprimir, por conta própria, folhetos com a legislação incentivadora da Sudene e um levantamento do potencial econômico da Área Mineira da Sudene. Enchi com esse material uma mala e organizei um grupo folclórico, de artistas amadores, amigos meus – tocadores de viola, cantores, sapateadores, improvisadores e contadores de casos e me pus a caminho, em veículos próprios, a divulgar de cidade em cidade, a começar por Belo Horizonte, o que era a Sudene e o quanto a Sudene era importante para Minas Gerais, como agência propulsora do desenvolvimento econômico e social.
E criei uma frase que a partir daí passou a ser divulgada nos meios de comunicação e tornou-se comum : A SUDENE COMEÇA EM MINAS.
De fato, para nós mineiros, que a víamos do Sul, a Sudene começava em Minas.
Pela primeira e única vez viu-se um Governador de Rotary percorrer seu estado na dupla condição de administrador de Rotary International e caixeiro viajante do desenvolvimento econômico e social de uma região.
Eu estava vendendo um sonho. Um grande sonho.
A primeira visita foi aos Rotary Clubes de Belo Horizonte.
Tanto na reunião administrativa, com as diretorias e os componentes das Grandes Avenidas dos clubes visitados, como também na reunião social, que se fazia em jantar festivo, de conclusão das visitas, na qual compareciam altas autoridades locais, eu reservava espaço, em meio à mensagem rotária que me cabia transmitir, para vender o meu sonho. E informava que havia no Norte de Minas uma área maior do que o estado de Pernambuco e maior também do que a soma das áreas dos estados de Alagoas, Sergipe e Rio Grande do Norte, na qual uma legislação federal, especialmente criada para fomentar o desenvolvimento, oferecia a quem quisesse empreender na referida área, além de outros incentivos, a participação acionária da Sudene, na proporção de 3 vezes o valor do capital do empreendedor, e isenção de imposto de renda para o empreendimento durante 15 anos. E acrescentava que o principal produto agrícola da região era o algodão e que a região estava aberta para a implantação de uma ou mais fábricas de tecidos.
E me oferecia, no final, para maiores detalhes a quem se interessasse.
O interesse despertado por essa divulgação foi compensador. Muitos empresários vieram a empreender, mais tarde, na região, ou passaram a aplicar seus recursos do FINOR em projetos norte-mineiros.
É de praxe o Governador de Rotary ser levado a visitar autoridades locais – o Prefeito, o Bispo, o Fórum – e pelo menos a uma empresa representativa do progresso da cidade visitada.
Ubá foi uma das últimas cidades que visitei.
Em Ubá levaram-me a visitar a WEMBLEY, uma fábrica de confecções recém inaugurada, cujo proprietário, José Alencar, interessou-se muito pela exposição que lhe fiz sobre os incentivos da SUDENE e o potencial econômico do Norte do Estado. E sobre a possibilidade de aprovação de projetos de fábricas de tecidos e confecções, aceitando, de pronto, meu convite para visitar Montes Claros.
Isso foi em fevereiro de 1966. A visita foi feita e o assunto prosperou. E em dezembro de 1967 nos associamos para o empreendimento que seria a grande meta profissional de nossas vidas de empresários. Sem ele e sem o apoio dos acionistas que confiaram em nós, o empreendimento não teria sido possível nas proporções em que foi realizado. O encontro em Ubá, entre os dois empresários que seriam os fundadores da empresa, constituiu-se, portanto, um marco fundamental para a existência da Coteminas.
Optamos por uma fábrica integrada (fiação, tecelagem e acabamento), de concepção ultra-moderna, para produzir tecidos de alta qualidade ao mais baixo custo de produção possível no País.
A Coteminas não nasceu por acaso. Sua consecução requereu planejamento, organização, muito trabalho, muitos sacrifícios, muita confiança no projeto e muita obstinação.
Mas houve um momento em que o acaso teve presença marcante.
Se não encontrasse um sócio, não iria deixar morrer meu sonho. Partiria para realizá-lo. Mas meu encontro com o Alencar, em Ubá, sendo eu usineiro de algodão e ele fundador de uma fábrica de confecções, foi decisivo.
O acaso começou a manifestar-se na escolha da empresa a ser visitada. A Wembley era uma das empresas relacionadas pela secretaria do clube. A escolha poderia ter sido outra. E continua o acaso. Se o Alencar não estivesse em Ubá no dia em que visitei a fábrica de roupas da Wembley, ou estivesse com um simples resfriado que o impedisse de estar presente, nós não nos teríamos conhecido. Bastava isso ou qualquer outro motivo que impedisse naquele dia o nosso encontro para que não acontecesse entre nós o diálogo do qual resultou meu convite e sua vinda a Montes Claros.
Eu nunca, antes, ouvira falar do Alencar nem ele de mim. Éramos dois desconhecidos. Ubá estava tão distante de meu giro de negócios como Montes Claros estava do dele. O acaso foi peça importante para acontecer aquele encontro, na recem-inaugurada fábrica de roupas da Wembley.
E o acaso costuma ser o pseudônimo de Deus, quando Deus não quer assinar seu próprio nome...

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


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Por Luiz de Paula - 18/10/2008 08:54:58
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 49)

A CHEGADA DA SUDENE

A colonização do Brasil se fez do litoral para o interior e cedo se evidenciou o desequilíbrio no desenvolvimento do país, com o interior, de um modo geral, e o Nordeste, em especial, perdendo o compasso do crescimento, situação que foi se agravando no Nordeste com o fenômeno das secas.
Historicamente aqui onde vivemos já pertenceu à Bahia, até a margem direita do Rio das Velhas. A região pagava tributos à Bahia e as igrejas eram providas de vigários pelo bispo de Salvador.
A partir do século XIX o Nordeste passou a ser um sorvedouro de verbas federais, no geral mal aplicadas ou não aplicadas. Criara-se a chamada “indústria das secas”.
Mas o crescente interesse mundial pelo desenvolvimento econômico e pelos conceitos e idéias de planejamento econômico começou a penetrar nos círculos oficiais e profissionais brasileiros.
Dentro dessas novas perspectivas, em dezembro de 1959 foi criada a Sudene, que passou a coordenar o desenvolvimento regional do Nordeste, a partir da formação de infra-estrutura material e humana, mediante a construção de rodovias, geração e distribuição de energia elétrica, saneamento básico, programas de pesquisas, de educação e outros. E ofereceu incentivos fiscais e creditícios ao empresariado, convocando-o para participar do processo mediante a implantação de indústrias para a transformação da matéria prima regional em produto acabado, com emprego da mão-de-obra da região.
Nunca se louvará bastante o quanto a SUDENE foi importante para o desenvolvimento econômico e social desta região.
Foi tão decisivamente marcante a presença da Sudene, que em qualquer avaliação que se faça do desenvolvimento do Norte de Minas há de se reconhecerem duas fases distintas: antes e depois da Sudene.

Em 1962 o Governador Magalhães Pinto, por intermédio do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, liderou um projeto para implantação do Frigorífico Norte de Minas – Frigonorte, para abater o boi e industrializar a carne bovina, beneficiando-se dos incentivos da Sudene. E convidou-me para integrar a diretoria desse primeiro projeto de Minas Gerais a dar entrada na Sudene.
É oportuno esclarecer que a diretoria não era remunerada. Era um múnus público, como o exercício da vereança. Bons tempos, aqueles. O Brasil era uma nação séria.
Não fui remunerado com honorários. Mas fiquei conhecendo a legislação incentivadora da Sudene e aprendi como elaborar e implantar um projeto. Em meu entendimento chegara a hora de se pensar numa fábrica de tecidos para a região.
Havia na cidade uma pequena e antiga fábrica de tecidos grossos, com equipamento de 50 anos atrás, totalmente ultrapassada. Era seu proprietário o Dr. Simeão Ribeiro Pires, na ocasião Prefeito Municipal, líder político altamente conceituado.
Procurei-o para fazermos uma fábrica nova. E convidei-o para irmos a Recife e Fortaleza, a fim de nos entendermos com o Superintendente da Sudene e com o presidente do Banco do Nordeste.
Tendo ele aceitado o convite, fiz contatos com Recife e Fortaleza e convidei para irem conosco o gerente local do Banco do Nordeste, Hélio de Moraes, o comerciante de tecidos, Edílson Carneiro, o mecânico Antônio Aquino e o motorista Walter Ramos. O dr. Simeão convidou o dr. Geraldo Gomes, seu cunhado.
Fomos por terra. Saímos daqui no dia 6 de fevereiro de 1963. A viagem durou duas semanas.
Naquele tempo a Sudene dispunha de recursos abundantes e estava à cata de bons investidores. Fomos muito bem acolhidos e incentivados na Sudene. O mesmo aconteceu no Banco do Nordeste, cujo presidente, o saudoso Dr. Raul Barbosa, colocou o BNB à nossa disposição para financiar o empreendimento com juros diferenciados, a longo prazo.
Minha iniciativa foi matéria de primeira página na imprensa local.
Em nossa estada na Sudene, em Recife, o Superintendente em exercício, Dr. José Aristóphanes Pereira, deixou escapar que a Sudene estava igualmente interessada na recuperação de fábricas antigas.
Ao chegar a Montes Claros, o Dr. Simeão Ribeiro demonstrou maior interesse na recuperação de sua fábrica ao invés de se implantar uma fábrica nova.
Agradeci a ele a proposta para acompanhá-lo e ofereci-lhe algodão com um ano de prazo para ajudá-lo em seu projeto de melhoria da fábrica. E fiquei com o meu sonho de construir uma fábrica moderna para Montes Claros.
O Frigorífico era um grande projeto. Mas eu sonhava mais alto. Em minha condição de usineiro de algodão o passo à frente, em minha atividade industrial, era a fábrica de tecidos.
Mas o investimento situava-se acima de minhas possibilidades. Era preciso encontrar um sócio.
Foi disso que passei a cuidar.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


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Por Luiz de Paula - 15/10/2008 10:31:08
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 48)

COMO NASCEU A COTEMINAS

Minha história pessoal é simples. Sou personagem do êxodo rural. Nasci na roça e aos 8 anos e meio de idade vim para Montes Claros, para aprender a ler, escrever e contar, como se dizia naquele tempo.
Meu pai era pequeno comprador de algodão no povoado e dispunha de galpão com tulhas de algodão. Meu convívio com o algodão começou brincando nessas tulhas. Dessa época ficou o cheiro de algodão que até hoje carrego na memória.
Meu primeiro emprego foi em uma firma compradora de algodão, aos 18 anos. Três anos depois essa firma associou-se a uma empresa beneficiadora de algodão e se instalou em Montes Claros, então a maior praça algodoeira do Estado.
Nessa ocasião eu estudava contabilidade à noite e fui transferido, como escriturário, para a nova empresa, da qual assumi a contabilidade três anos depois, com participação nos lucros.
Nove anos após, durante os quais trabalhei como contador e gerente, um dos sócios resolveu mudar de atividade e me vendeu 35% do capital da empresa. Passados mais oito anos, adquiri os restantes 65% e mudei o nome da empresa para Algodoeira Luiz de Paula S.A.
Estávamos em 1960.
O que era naquele tempo o Norte de Minas?
Não era a potência que hoje conhecemos.
Longe dos centros de decisão do Estado e mal servido de meios de comunicação, o Norte de Minas era a região menos conhecida e mais atrasada do Estado. A decantada prosperidade de Minas encontrava no setentrião mineiro, uma área de exceção. Outras regiões do Estado, situadas mais próximas da Capital ou do Rio e São Paulo prosperavam e constituíam a Minas Gerais conhecida. A Minas Gerais dos grandes políticos, dos banqueiros, das riquezas minerais, da propalada prosperidade. O Norte de Minas era chamado de terra dos “baianos cansados”, numa referência aos colonizadores da região e aos milhares de bons nordestinos que vieram depois em demanda de São Paulo e Paraná e se deixaram ficar nestas plagas que tanto se identificavam com sua terra de origem.

Em 1960 a população da cidade era de 46.531 habitantes, segundo dados do IBGE. Hoje, como sabemos, é de 320.000.
No setor primário, destacavam-se a pecuária e a cotonicultura como atividades principais.
No secundário, a posição de Montes Claros, no ano de 1960, era bastante modesta. A força de trabalho aplicada à indústria não alcançava, àquela época, 1.000 empregos diretos, sendo estimada em 2.000 para todo o Norte de Minas.
Dois produtos se revelaram da maior importância para a colonização e desenvolvimento do Norte de Minas, por sua adaptação às condições regionais de clima e solo – o boi e o algodão.
Por longos anos o boi era vendido “em pé”, para as charqueadas e frigoríficos de Minas, São Paulo e Rio. E o algodão era vendido bruto e só mais tarde passou a ser descaroçado na região e remetido em fardos para as fábricas de tecidos também de Minas, São Paulo e Rio.
O Norte de Minas produzia apenas matéria prima.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


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Por Luiz de Paula - 11/10/2008 08:54:53
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 47)

COMO NASCEU A CASA DO ROTARIANO

Foi na presidência do companheiro Edmilson Cordeiro que a idéia da Casa do Rotariano nasceu e ganhou fôlego.
Estávamos em 1982.
As nossas reuniões eram realizadas no Automóvel Clube. O ambiente era muito agradável, mas o clube queria algo mais. E o presidente Edmilson saiu a campo e nós o acompanhamos.
A meta era a sede própria. Tão ampla que pudesse abrigar todos os Rotary Clubs de Montes Claros, no presente e no futuro.
Mas onde buscar o dinheiro para realizar esse sonho tão bonito e tão rotário, que emocionava o nosso presidente Edmilson e contaminava todos nós?
Está escrito no Talmude que todo sonho tem algo profético.
E o mestre Abgar Ranaut dizia: “Só o impossível é digno de ser sonhado”.
O sonho do presidente Edmilson parecia impossível. E seria realmente impossível. Se não existissem os imponderáveis.
Foi o que aconteceu.
Quem trouxe a novidade foi o companheiro João Henrique Ribeiro, que em sua profissão de engenheiro prestava serviços à Prefeitura Municipal como Coordenador de Projetos Especiais. Ele informou ao clube que a Prefeitura assinara com a União e o Estado de Minas Gerais convênio para construção de um Conjunto Habitacional destinado à relocação de favelados. Havia na cidade 1.523 famílias cadastradas em 16 áreas invadidas. Informou ainda que pesquisa realizada pela Prefeitura apontava o terreno onde haviam funcionado as Escolas Reunidas, do Rotary Club de Montes Claros, como o mais adequado à finalidade. O clube se movimentou e após os necessários entendimentos a Prefeitura desapropriou o terreno. O pagamento foi feito, parte em dinheiro e parte com o lote de 5.650m2, no Setor Administrativo do Bairro Ibituruna, para a construção da sede de nosso clube.
O companheiro João Henrique Ribeiro elaborou o projeto.
Os companheiros Alciliano Ribeiro, Hélio Brandão e Afrânio Nogueira tiveram participação importante, na condução dos empreendimentos e organização de documentos.
O dinheiro recebido da Prefeitura foi aplicado em Caderneta de Poupança na Caixa Econômica do Estado. Ao iniciar-se a construção da Casa do Rotariano o valor aplicado já alcançava a soma de 60 milhões de cruzeiros da época.
Foi com esse dinheiro que esses nossos companheiros valorosos, enfrentando embora os azares de uma inflação galopante, puseram a casa de pé. Nessa altura sobreveio a crise dos anos 80, com todas as suas sequelas, quando muitos bons projetos foram paralisados no país. Inclusive a CASA DO ROTARIANO.
Foi o companheiro Edmilson Cordeiro quem teve a idéia da construção da sede própria e foi ele quem aprovou projeto em memorável reunião realizada no dia 2 de setembro de 1982.
Nada mais justo, pois, que ao companheiro Edmilson, agora na presidência da Avenida de Serviços Internos, coubesse o comando das solenidades de inauguração da CASA DO ROTARIANO.
Foi ele, com a voz forte que Deus lhe deu, quem anunciou, na tarde feliz de 20 de abril deste ano da graça de 1996, à multidão que se reuniu no pátio de entrada, logo após a execução do hino nacional: “Senhoras e Senhores, companheiros de Rotary. Estamos aqui reunidos - a família rotária do Distrito 4760 - com a honrosa e grata presença de autoridades civis, religiosas e militares, de representantes de classes e amigos convidados, para a Sessão Magna de Comemoração do Cinqüentenário do Rotary Club de Montes Claros e da chegada de Rotary ao Norte de Minas.
Para dar início à cerimônia, temos o prazer de convidar o Governador Elmon Dinelli e o Presidente Luiz de Paula para desatarem a fita e descerrarem a placa de inauguração da CASA DO ROTARIANO”.
Parabéns, Edmilson.
Parabéns, companheiros Alciliano Ribeiro, Hélio Brandão, Afrânio Nogueira, João Henrique.
Os sonhos se realizam. Quando os que sonharam não esmorecem na luta para realizá-los.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


39309
Por Luiz de Paula - 4/10/2008 08:27:04
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 46)

ANO DO CINQUENTENÁRIO

CASA DO ROTARIANO

Estava eu no bem bom, comendo minhas goiabinhas, com 80 anos de idade e 50 de Rotary, a usufruir do meu direito de participar das reuniões sempre que o reumatismo me permitisse, sem prejudicar a frequência do meu clube.
Foi nessa altura que o clube entendeu de me convidar para ser o presidente no Ano do Cinqüentenário.
Ao fazer o convite o clube estava quebrando uma praxe de 50 anos, jamais desrespeitada, de não permitir que um membro do clube exercesse a presidência por mais de uma vez.
A novidade caminhou no tempo e nas ruas e chegou aos clubes irmãos, que são sete, em nossa cidade. Os comentários eram de que eu não aceitaria. E se aceitasse não daria presença às reuniões.
Ao lado, assistindo a tudo isso, impávida, silenciosa como a velha esfinge grega (decifra-me ou te devoro!), estava a Casa do Rotariano, cuja construção iniciada pelo clube em 1982, encontrava-se paralisada havia 8 anos. O que lhe granjeara entre os companheiros dos clubes irmãos o apelido nada lisonjeiro de Elefante Branco. Sobrando para nosso clube, por sermos o pioneiro, o não menos pejorativo cognome de MUSEU. E para nós o pouco elegante epíteto de dinossauros. Tudo isso com muita gozação.
No meu grande otimismo de inocente, como disse o poeta, aceitei o convite. Tomei posse, presidi o clube no ano de seu Jubileu de Ouro. Sem faltar a uma única reunião. E, o que é mais importante, terminei a construção da CASA DO ROTARIANO, com recursos próprios, e hoje temos a alegria de já termos, reunindo conosco, na mesma CASA, quatro dos sete clubes da cidade, com direitos de uso iguais aos de nosso próprio clube, sem qualquer custo adicional.
E o clube encerrou o ano com o maior quadro de sócios de todo o distrito: 50 sócios. Cumprindo mais um de nossos objetivos: comemorar os 50 anos com 50 sócios ativos.
O que tudo isso custou, não me perguntem...
Faltava elaborar o Estatuto e o Regimento Interno, para ordenar e disciplinar a utilização da CASA pelos clubes que aceitassem o nosso convite. O assunto ficou a cargo dos advogados do clube.
Ambos esses instrumentos jurídicos são da maior importância para prevenir a possibilidade de surgir no futuro qualquer tipo de desentendimento entre os ocupantes da CASA. Pois o objetivo de sua construção foi e continua sendo o de fortalecer a união e o companheirismo entre os clubes e entre os rotarianos e aperfeiçoar a administração interna dos clubes.
Permitir a utilização da CASA DO ROTARIANO sem definição dos direitos e deveres dos clubes ocupantes seria colocar todas as boas intenções, todo o trabalho desenvolvido até aqui e todo o patrimônio envolvido sob o risco de transformá-la em pomo de discórdia.
No final do ano passado – um ano após eu haver deixado a presidência - o companheiro Edmilson Cordeiro, presidente do Colégio de Presidentes, externou-me sua preocupação com a situação da CASA DO ROTARIANO, na qual já se reuniam 4 clubes, sem existir qualquer documento que especifique os direitos e deveres dos ocupantes.
Queixou-se de que ninguém estava cuidando disso. E acentuando que fora eu quem terminara a construção, à minha própria custa, solicitou-me, em nome dos bons rotarianos do clube, do qual eu era o único sócio fundador na ativa, que elaborasse o Estatuto e o Regimento Interno, para regularizar a situação.
Eu, que após a “guerra” que havia sido o Ano do Cinqüentenário, já me considerava mais do que aposentado, tive de assumir o novo encargo. Apenas ponderei que o meu tempo, no final do ano, já estava todo comprometido.
Na primeira quinzena de janeiro seguinte eu mergulhei em um mar de papéis antigos, desde minha primeira presidência no clube, em 1954/55, quando fundamos as Escolas Profissionais Reunidas. A fim de demonstrar que o terreno de 120.020 m², ocupado pelas Escolas Profissionais, não fôra doado a Rotary, mas comprado por nosso clube, por CR$450.000,00, em 1956, e posteriormente, em 1982, declarado de utilidade pública para fins de ordem social. E desapropriado por decreto da Prefeitura Municipal, que nos deu em permuta um terreno de 5.571 m², em área nobre, no setor administrativo, no Bairro do Ibituruna e mais a importância de CR$11.632.240,00, para iniciar a construção da sede social.
Foi mais de uma semana de trabalho para chegar a bom termo, atendendo aos interesses de Rotary. Finda a semana, entreguei ao clube o Estatuto e o Regimento Interno. Ambos foram devidamente registrados em cartório. Desde então a Casa do Rotariano funciona protegida por normas que garantem a sua sobrevivência em clima de companheirismo rotário.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


39036
Por Luiz de Paula - 27/9/2008 09:29:28
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 45)

50 ANOS VIVENDO ROTARY

Berço do primeiro clube de serviços implantado em Minas Gerais, terceiro criado no país, depois do Rio de Janeiro e São Paulo, Montes Claros oferece, em sua crônica histórica, edificante exemplo de vocação para a prática da solidariedade.
Em 1926, antecipando-se à própria capital do Estado, Montes Claros fundou o seu Rotary Club, que pouco viveu mas legou ao futuro semente generosa.
Com seus 50 anos bem vividos, o nosso clube absorveu a seiva do clube pioneiro e firmou suas raízes na vida da comunidade. E vem influenciando nos caminhos do desenvolvimento social e econômico que a cidade vem alargando em sua trajetória para o futuro.

O Rotary Club de Montes Claros, Minas Gerais, foi criado e começou a funcionar como clube provisório a partir de 31 de dezembro de 1945, tendo-lhe sido conferida a Carta de Admissão em Rotary International em 22 de abril de 1946.
Completa, portanto, este ano, 50 anos de existência.
Foi o primeiro clube a ser criado e a funcionar ininterruptamente no Norte de Minas Gerais.
Sua presença teve desde então influência marcante na vida comunitária.
Quando chegou a Montes Claros, há 50 anos, Rotary encontrou uma elite de coronéis e doutores pouco permeável às gerações emergentes.
Exercendo seu poder de aglutinação, Rotary foi buscar elementos de representatividade onde quer que eles se encontrassem e reuniu 35 sócios fundadores, com base em suas qualidades de cidadãos e nas profissões úteis que exerciam e não em função de seus títulos universitários ou de sua expressão política, ou de seus cadastros bancários.
Eu era jovem, na ocasião, e conhecia as barreiras existentes na comunicação com as estruturas vigentes. E assim pude perceber como os espaços foram se abrindo naturalmente, sob a inspiração dos ideais e das práticas rotárias. No convívio que se estabeleceu no clube, o Juiz de Direito, o Prefeito, o Coronel, o Gerente de Banco, o Promotor de Justiça, o médico de renome, o advogado famoso ampliaram seu diálogo e nós outros tivemos a satisfação de verificar que eles eram pessoas como nós próprios. E estou certo de que eles também exultaram com a expansão de seu campo social.
O modelo simples e prático das reuniões foi um belo achado e ajudou a demolir velhos tabus.
O que hoje é rotina em nossas reuniões foi grata novidade naqueles tempos.
Aboliram-se os tratamentos rebuscados e novas normas de convivência floresceram na comunidade.
Os oradores passaram a usar a linguagem coloquial, deixando a pomposidade dos discursos para ocasiões muito especiais.
A duração das reuniões e o uso da palavra de cada orador tiveram o seu tempo limitado. Antes não se poderia prever quanto duraria uma reunião. E limitar o tempo de qualquer orador seria considerado grave ofensa.
A prática de se servir o jantar ao mesmo tempo em que falavam os oradores foi outra inovação para economizar tempo que se transformou em rotina por todos aplaudida.
A expressão “companheiro” tornou-se corrente e o tratamento de “você” solapou as barreiras criadas pelas diferenças de fortuna, de idade, de cultura e de títulos e ressoou afetuosamente no coração de todos.
Havia um vazio, na vida da comunidade, a ser preenchido. E aconteceu que logo após sua instalação o Rotary Club de Montes Claros passou a assumir a posição de fórum de reivindicações de interesse comunitário. Ao mesmo tempo em que a convivência dos sócios estabelecia o companheirismo e este se transformava em força que o clube utilizou como oportunidade de servir.
Rotary passou a ser o interlocutor lúcido e bem informado para quantos visitavam a região com algo útil a oferecer. E suas reuniões proporcionavam a todos uma tribuna privilegiada para a apresentação de idéias e programas de interesse da cidade e da região, constituindo, além disso, fonte pródiga de notícias e informações para a imprensa local e regional.
Muito grande foi naqueles tempos, e continua sendo, a contribuição de Rotary para a comunidade. O Clube foi impelido pela própria sociedade a assumir o papel de defensor das boas causas. Desde problemas menores, mas também importantes, como a proibição, em 21 de março de 1946, do trânsito de boiadas pelas ruas da cidade, ou o socorro a famílias de retirantes das secas, até causas da maior importância para a coletividade, como as que são mostradas a seguir.

- A Associação Comercial de Montes Claros tinha existido antes, mas fechara suas portas havia muitos anos. Por iniciativa de Rotary foi reativada e teve como seu primeiro presidente o presidente do clube. E prossegue, até hoje, pujante, a prestar bons serviços.

- A Escola Normal é um caso semelhante. Fechada em 1938, pelo Governador Benedito Valadares, foi reaberta 15 anos depois, por iniciativa de Rotary, sob a direção de um rotariano, o Professor Plínio Ribeiro dos Santos, que doou o terreno onde a escola hoje funciona, constituindo na atualidade um dos estabelecimentos de ensino de maior matrícula em uma única unidade, em todo o Estado.

- A Cia. Telefônica de Montes Claros também nasceu no clube e seu fundador, primeiro presidente e maior acionista foi o rotariano Hildebrando Mendes.

- Da mesma forma foi criado o Centro Cultural Brasil-EE.UU, primeira escola do gênero, na cidade, para ensino da língua inglesa.

- Quando os pais de família montes-clarenses clamaram contra a inexistência de uma escola de 2º grau na cidade e na região, foi em Rotary que esse clamor encontrou ressonância. O clube criou a “Associação dos Amigos do Progresso”, que entre outras realizações fundou o Colégio São José e o entregou, sem ônus, aos Irmãos Maristas: amplo terreno, com paredes erguidas e doações asseguradas.

- Outra realização importante foi o Conjunto Habitacional Rotary. O clube possuía um terreno de 125.000m2, na periferia da cidade, e surgiu a oportunidade de se fazer um conjunto habitacional para famílias carentes em convênio com a Prefeitura e o ministério do Interior. A obra foi realizada e atende a 208 famílias.

- Encontra-se em fase final de acabamento a CASA DO ROTARIANO, com área construída de 750 m2, em terreno de 5.650 m2. O prédio possui dois salões principais, um de 120 m2 e outro de 240 m2, e salas para secretariam, biblioteca, sede para a Casa da Amizade e dependências de apoio para restaurante.

- A cidade conta hoje com sete Rotary Clubs e a nossa expectativa é de que todos os clubes existentes e os que vieram a ser criados no futuro venham a reunir-se na CASA DO ROTARIANO.

- Foi no Rotary Club de Montes Claros que nasceu a lei federal que confere utilidade pública a todos os Rotary Clubs, Lion’s Clubes e Casas da Amizade do país. O autor da lei é rotariano do nosso clube.

O Rotary Club de Montes Claros notabilizou-se também como clube criador de clubes. E os clubes que criou passaram, por sua vez, a criar novos clubes. Hoje são 28 clubes rotários na região.

Em 1987 a Prefeitura Municipal construiu a PRAÇA ROTARY, um dos logradouros públicos mais bem freqüentados da cidade. Com jardins, quadras de esporte, “play-ground”. Uma placa informa aos freqüentadores: HOMENAGEM DA MUNICIPALIDADE AOS ROTARY CLUBS DE MONTES CLAROS.
Em verdade, Rotary trouxe para a região um novo modo de conviver, mais natural, e ampliou o círculo de convivência das pessoas, em cada comunidade.
O Rotary Club de Montes Claros proíbe ao rotariano que tenha exercido a presidência, em qualquer tempo, exercê-la uma segunda vez. É uma tradição rigorosamente respeitada desde que o clube foi criado, há 50 anos.
Mas neste Ano do Cinqüentenário o clube decidiu abrir uma exceção. Para o único sócio fundador que permaneceu no clube durante 50 anos, presente e ativo, tendo exercido a presidência no ano rotário de 1954/1955.
Fizeram-no presidente do Ano do Cinqüentenário.
Na esperança, talvez, de que a esta altura já tenha aprendido, finalmente, como dirigir um Rotary Club.
Comovido, agradeço.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


38964
Por Luiz de Paula - 24/9/2008 12:57:18
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 44)

Na Carta Mensal nº 12, de julho de 1966, despedi-me assim:

Prezados companheiros,

Todos os anos Rotary renova os corpos diretivos da organização, em um procedimento salutar e de grande alcance, pois assim fazendo está continuamente treinando novos líderes e proporcionando a um número cada vez maior de seus membros a oportunidade de prestar serviços em posições de responsabilidade. A limitação da duração dos mandatos é ainda prática louvável para evitar que a prestação de serviços por tempo muito longo, em um mesmo setor, conduza ao cansaço e ao desestímulo.
Dessa forma, anualmente ocorre a renovação de titulares e um sopro novo e vigoroso de entusiasmo sacode Rotary em todos os escalões.
Estamos vivendo um desses importantes momentos. Em todos os clubes empossam-se os novos Conselhos Diretores e compõem-se as novas Comissões de serviços. Surgem novas idéias, novas programações, sempre dentro do mesmo e nobre espírito de servir.
De minha parte, tendo cumprido minha tarefa sem brilho, embora, mas tendo-a cumprido, chegou a ocasião de passar a Governadoria ao novo Governador, ao nosso querido companheiro Jaime Pardini, do Rotary Club Belo Horizonte Oeste.
O exercício das funções de Governador do Rotary confere àquele que para tão alto mister teve a honra de ser escolhido a oportunidade de viver Rotary com intensidade durante todo um ano, de viver Rotary dia após dia, aperfeiçoando seus próprios conhecimentos, aprendendo, muitas vezes, mais do que ensinando, e, acima de tudo, convivendo com todos os companheiros do Distrito.
Essa convivência continuada de um ano com os rotarianos do distrito – convívio de trabalho em conjunto, de tarefas executadas em comum, convívio nas alegrias e nas dificuldades – esse convívio, no que me respeita, marcou-me emocionalmente para toda vida e de maneira profunda, pois “não sou feito de carvalho e nem de pedra” e assim passei a ver e sentir com um novo interesse, com uma nova e profunda sensibilidade, cada cidade, cada clube, cada companheiro.
Foi o companheirismo que se estabeleceu pela convivência, aperfeiçoou-se pelas afinidades e se transformou em amizade.
Terminado este ano de Governadoria tenho pelo distrito 458 um afeto especial, tenho pelos clubes e pelos companheiros uma profunda, terna e sincera amizade.
E é com tranqüilidade e confiança que transferirei o Distrito às mãos firmes e experientes de meu sucessor.
O novo Governador é um excelente rotariano e um grande cidadão. Desde sua infância revelou-se um apaixonado da disciplina e ao mesmo tempo uma criatura marcada pela honestidade e por invulgar amor ao trabalho. Essas características jamais o abandonaram, antes foram se afirmando e se aperfeiçoando com o passar do tempo, e o menino de ontem, que todos estimavam e admiravam em sua querida terra de Divinópolis, correspondeu a todas as esperanças e se tornou o cidadão responsável que todos conhecemos, o cidadão vitorioso não somente em suas atividades profissionais, mas também em sua convivência geral, na conceituação de seu nome, no alto padrão moral de sua conduta profissional e particular.
Pardini é um rotariano nato cuja presença em Rotary engrandece a instituição. Homem disciplinado e presente, sabe que a ordem é a beleza moral das coisas e não desconhece, com Goethe, que uma vida inútil equivale a uma morte prematura.
Agora irá ele ter a oportunidade de governar o distrito, um ótimo distrito, com um elenco de clubes formados por rotarianos amáveis e operosos, que trabalham com denodo por suas comunidades e por Rotary. Estou certo de que os bons companheiros do distrito 458 terão no novo Governador um grande orientador e um excelente e dedicado amigo.
O ano rotário que passou – o nosso ano rotário – foi, graças a Deus, m bom ano para Rotary. Novos clubes foram criados, o número de sócios cresceu e houve bom trabalho em todas as avenidas de serviço. O distrito realizou uma Conferência inolvidável – a Conferência do Companheirismo, no mês de abril, e dois meses após, em junho, alcançou um novo “record” com a Assembléia Distrital.
Tivemos ainda a felicidade de fazer uma acertada escolha para a Governadoria do Distrito no ano rotário de 1967/68, com a indicação de nosso caríssimo companheiro Zoroastro Ferreira de Andrade, o notável rotariano de Divinópolis que sucederá a Pardini dentro de um ano. Foi, pois, um ano abençoado, esse que vimos de terminar.
É evidente que o mérito de todos esses sucessos pertence especialmente aos presidentes e secretários de clubes e também a cada membro de comissão, a cada companheiro que liderou em qualquer momento um setor de trabalhos ou um movimento de apoio e idéias ou empreendimentos do ano. Foram esses os que realizaram, pois o esforço isolado nada constrói. Rotary atua através da conjugação de esforços, através do entusiasmo compartilhado por todos. Rotary é companheirismo se desdobrando em serviços.
Nesta, que é a minha última Carta Mensal, quero enviar um abraço de profundo e renovado agradecimento a cada um dos companheiros do distrito. A todos minha admiração, minha amizade, minha gratidão. Não é uma despedida, pois deixo o cargo e não o serviço de Rotary. Como disse, ao finalizar as visitas ao distrito, espero que daqui por diante não só os caminhos de Rotary mas também as estradas comuns da vida nos façam sempre encontrar. Perto ou longe sempre os terei na lembrança. Na rememoração emocionada de lugares, de nomes e fisionomias. Na perene admiração de seus gestos de bondade e de grandeza.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


38847
Por Luiz de Paula - 20/9/2008 08:20:49
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 43)

Aos rotarianos do Distrito, dirigi, nessa primeira Carta Mensal, as palavras abaixo :

Caros companheiros do Distrito 458.

Esta minha primeira Carta Mensal é dirigida a todo o Distrito, é dirigida a cada um de Vocês. É assim como uma apresentação. Ou melhor, como um abraço de quem chega, como o abraço do amigo que chega.
Em primeiro lugar quero agradecer a todos os companheiros a confiança com que me honraram escolhendo-me Governador do Distrito. Espero merecer essa confiança. Pertenço a um clube do interior, o qual ajudei a fundar há 20 anos. Meu clube está situado no extremo norte do território do Distrito, justamente no extremo mais desabitado e atrasado. Isto é “handcap” para qualquer um. Mas, com a compreensão e colaboração de todos, espero cumprir minha tarefa. Os companheiros hão de encontrar-me todos os dias esforçando-me por cumpri-la bem.

O outro assunto é o seguinte.

Nos contatos que tenho tido a ventura de manter com muito companheiros, e nos conselhos que tenho buscado junto aos ex governadores e a outros líderes do Distrito, as sugestões que tenho colhido oferecem uma nota comum, um só pensamento, o de se dinamizar Rotary, de se sacudir Rotary, para que a instituição possa ter o seu passo acertado na cadência de um mundo que evolui quase em ritmo de violência.
A minha opinião é que para se realizar trabalho dessa natureza é necessária uma convocação ampla. Não alcançaríamos os resultados pretendidos apenas com o esforço das cúpulas executivas. É necessária uma consciência generalizada do que se pretende e um esforço comum para conseguí-lo.

É este, pois, o segundo tema desta mensagem.
Podemos resumi-lo nestas duas sentenças:

1 – Precisamos dar mais dinâmica a nossos clubes

2 – Todos os companheiros estão convocados para esse trabalho.

É indispensável que cada companheiro, pertença ou não ao Conselho Diretor, se interesse bastante pela vida do clube. De início é recomendável que se elaborem planos para que todos colaborem como melhor puderem fazê-lo. A realização de uma Assembléia do Clube para tal fim será uma boa providência.
Aos que tenham sugestões, peço que não as deixem perder-se. Ofereçam-nas a seus clubes e ofereçam-nas também ao Governador do Distrito, pois acho aconselhável que se estabeleça também essa linha direta entre o rotariano e a Governadoria.

Desde já apresento aos companheiros a minha sugestão. Para os primeiros passos. Que seja feito em cada clube um esforço pertinaz e inteligente, e do qual participem não somente os Conselhos Diretores mas cada rotariano, no sentido de se progredir a curto prazo tendo em vista inicialmente o seguinte:

1. Melhor informação e instrução rotária. (Todos os clubes da Ibero América padecem de carência crônica de instrução rotária).
2. Aumento do número de sócios. (Importantíssimo. É a expansão interna. Vamos repartir Rotary para que Rotary possa crescer mais. Comecem pela lista de classificações. Vejam as novas possibilidades para Veteranos e Adicionais).
3. Mais companheirismo. (Entre rotarianos e entre clubes. É fundamental. Está na essência de Rotary).
4. Prestação de serviços à comunidade. (O ideal de servir em ação na comunidade).
5. Melhor programação comum do clube. (Para que as reuniões sejam mais agradáveis e produtivas. Incentivo à frequência).
6. Realização de uma Assembléia do Clube para exame dos itens acima, levando as conclusões à reunião plenária seguinte, quando a todos os rotarianos serão pedidas sugestões. Daí por diante é executar.

Em dezembro daremos um primeiro balanço para medirmos a extensão do passo que tivermos dado. Mas antes disso, em minha visita, avaliaremos o avanço de nossa campanha.
É necessário que cada rotariano dê expressão tangível ao propósito de se dinamizar Rotary no Distrito. Muito apreciarei e espero receber continuamente notícias da aplicação e evolução dessas sugestões, para meu conhecimento e ainda para utilizá-las como exemplo e estímulo a outros clubes.
Estou, pois, convocando-os, neste início de jornada, para um ano de muita colaboração com os executivos do clube, para um ano de muitas atividades, para um ano de muita ação.
O progresso do clube, o progresso da comunidade e de Rotary, e sobretudo a viva satisfação do dever cumprido, serão nossos galardões.
Todos sabemos, prezados companheiros, que não há alegria mais legítima que a do trabalho. A caminhada poderá muitas vezes parecer longa e cansativa, mas o ideal rotário que conduzimos conosco será a canção que enfeitará e iluminará os caminhos.
Repito que desejo receber notícias e sugestões e de minha parte me coloco à disposição de todos a fim de atendermos ao que nos pede e aconselha a palavra amiga e experiente de nosso ex-governador Valladão e de seus companheiros, palavra que é geral em todo o Distrito e que tenho ouvido repetida em todos os contatos refletindo o desejo comum de ação e dinamismo.
Na Assembléia Distrital mencionei que eu próprio me perguntara se acaso não estaria pedindo muito a homens de atividades intensas, a homens que já têm seu tempo comprometido com seus labores e compromissos profissionais. Mas me lembrei do caso do soldado que na guerra conduzia às costas um robusto colega ferido. Ao passar pela sentinela esta lhe perguntou se não era demasiado o peso para suas forças, ao que o soldado respondeu: - não, não é pesado, é meu irmão!
Em verdade, aquilo que fazemos com gosto não pesa em nossas forças. Vamos, pois, trabalhar juntos e com gosto para dinamizarmos cada clube e através dos clubes todo o Distrito. Rotary confia no rotariano!

Post scriptum – Peço aos companheiros que sugiram “slogans” e idéias para esse nosso trabalho. Exporemos e debateremos as sugestões em nossas próximas cartas e nas visitas aos clubes. Companheiros! A hora é agora. Mãos à obra!.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


38759
Por Luiz de Paula - 17/9/2008 10:33:43
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 42)

É muito comum, agora que me encontro na vida pública, um colega ou outro amigo apresentar-me alguém em cuja lapela distingo de pronto a roda dentada de Rotary. Cumprimento o apresentado e passamos a palestrar, surgindo então tantos assuntos comuns e tanto interesse entre nós que o amigo autor da apresentação começa a sentir-se marginalizado e nós temos de socorrê-lo, inserindo-o na conversa.
Casos dessa natureza se repetem com freqüência.
Considero Rotary uma dádiva da inteligência e do coração do homem, oferecida ao mundo de hoje e de sempre. E é sobretudo no companheirismo que Rotary encontra sua finalidade maior. Retire-se de Rotary o companheirismo e, como dizia Cícero, referindo-se à amizade, é como se se retirasse o sol do mundo.
Eis aí alguns traços da instituição cujo aniversário hoje comemoramos. Eis aí, na impraticabilidade de bem descrevê-lo, rápidas pinceladas acerca de um elevado ideal que se expande no mundo, desde os idos de 1905, aproximando os homens e tornando-os mais amigos e mais úteis à coletividade, e acrescentando ao coração de cada um, uma parcela nova de felicidade.
Publicado na REVISTA ROTÁRIA em fevereiro/1971, com a seguinte nota de rodapé, incluindo foto do autor:
El autor de este artículo, Sr. Luiz de Paula, es uma destacada personalidad brasileña. Fue Gobernador del Distrito 458 de R.I., en 1965-66 y es actualmente Diputado Federal. Es autor de la recientemente promulgada ley que declara de utilidad pública, en el Brasil, todos los Rotary Clubs y clubs de Leones, actuales y futuros.
REVISTA ROTÁRIA é órgão oficial de ROTARY INTERNATIONAL (versão em espanhol), editada na sede da instituição, em EVANSTEN, Illinois. EUA.
Na primeira Carta Mensal, como Governador do Distrito, dirigi aos Presidente e Secretários de clubes a seguinte mensagem, em julho de 1965.
A muitos dos prezados companheiros – a quase todos – já tenho o privilégio de conhecer pessoalmente. E guardo boas recordações de nosso convívio, primeiramente na Conferência do Distrito, em Belo Horizonte, quando Vocês me escolheram Governador, e depois na Inter-Clubes de Teófilo Otoni e em seguida na Conferência Nacional do Rio de Janeiro. Nosso encontro seguinte foi na memorável Assembléia do Distrito, em Governador Valadares, e logo após aqui em nossa própria cidade, na Inter-clubes que realizamos nos dias 3 e 4 deste mês. Foram oportunidades maravilhosas de trabalho e companheirismo rotários, dos quais guardo a melhor lembrança.
Hoje venho renovar os cumprimentos que a todos já externei em correspondência comum, por motivos das novas funções que passaram a exercer em seus clubes. Que esta primeira Carta Mensal leve minha saudação afetiva e entusiástica a todos os companheiros.
Desejo que este seja um ano de grande sucesso para seu clube e para sua comunidade. E desejo que todos os companheiros de seu clube o ajudem com renovado entusiasmo. Com esse pensamento estou me dirigindo a todos os rotarianos do Distrito, em mensagem especial para a qual solicito todo o interesse dos companheiros Presidentes e Secretários.
Como conselheiro amigo e acima de tudo como seu companheiro, estarei sempre pronto para ajudá-lo e a seu clube no que for necessário a fim de que este que é o nosso ano seja profícuo e marque destacadamente a presença de nosso entusiasmo e de nossos esforços no exercício dos cargos para os quais fomos conduzidos pela confiança e amizade de nossos companheiros.
Este ano é o nosso ano. Do ponto de vista de nossas responsabilidades ele é entre todos o mais importante, porque a vida de Rotary no Distrito, durante este ano, estará em nossas mãos. O sucesso de Rotary ou o seu fracasso estarão fluindo de nossas atitudes e procedimentos.
Vamos, pois, imprimir a marca pessoal de nosso esforço e de nossa inspiração, aplicando com dinamismo o nosso entusiasmo e a nossa liderança para realizarmos a propósito do Presidente “Sput” Teenstra: CONSOLIDAÇÃO E CONTINUIDADE.
Queiram receber meu abraço e renovados votos de sucesso e felicidades.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


38603
Por Luiz de Paula - 13/9/2008 09:04:58
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 41)

ROTARY – UMA DÁDIVA OFERECIDA
AO MUNDO

Eles eram quatro, eram quatro homens modestos, falando uma linguagem nova para o mundo. E se reuniram certo dia para um encontro histórico. Seus primeiros passos, os primeiros passos que foram dados, perdidos ficaram na indevassabilidade dos tempos mais remotos. No princípio era o medo, era a desconfiança, a maldade feroz do homem primitivo. Eram os primitivos instintos de defesa e de luta indispensáveis à sobrevivência em um mundo inóspito, no qual o homem, desarmado pela natureza, enfrentava condições de vida terrivelmente hostis.
A partir, portanto, do homem primitivo e quase fera, do homem sozinho e nômade, que se apoiava na União tribal, evoluindo para o clã, através da união pelo sangue e pela adoração dos mesmos totens, a partir, pois, de quando a paisagem do mundo oferecia múltiplos arquipélagos humanos antagonizados pelo medo, pela desconfiança, e pela brutalidade, desde então, e sempre, o homem se sentia um ser a que faltava algo, e esse algo era a associação com seu semelhante, a qual pouco a pouco veio sendo alcançada, na longa caminhada de séculos e milênios, pela formação dos aglomerados e a seguir das nações, das urbes, dos Estados, das Federações, das Ligas e da ONU, na antevisão do sonho de Wendel Wilkie, na procura idealística de UM MUNDO SÓ.
Foi longo o itinerário através do tempo e do aprimoramento até que pudessem aqueles quatro homens se reunir na sala nº 711, de uma casa modesta, na cidade de Chicago. A casa, por um desses fenômenos que se creditam ao acaso, possuía o nome significativo de BUILDING UNITY, Edifício da União ou, em tradução também aceita, Edifício da Unidade ou da Universalidade. Singela era a sala, modestos os seus ocupantes: um vendedor de carvão (que ali tinha seu escritório), um alfaiate, um engenheiro de minas e um advogado que viera da província. Este último, de nome Paul Harris, fora o inspirador da reunião. A data: 23 de fevereiro de 1905.
Naquele dia tomou corpo um pensamento generoso e altruístico, que evoluiu através dos tempos e cuja cristalização, na forma de clube de serviço, haveria de revelar-se profundamente fecundo para a humanidade. Naquele dia nasceu o primeiro Rotary Club. Seus componentes, hoje nomes históricos, foram Silvestre Shiele, o carvoeiro; Hiram Shorey, o alfaiate; Gustavus Loher, o engenheiro; e Paul Harris, que modestamente recusou a presidência, em favor de Silvestre Shiele, que se tornou o primeiro presidente de um Rotary Club.
É certo, e o próprio Paul Harris o afirma em seu livro “The Rotarian Age”, que os seus fundadores, por mais que acreditassem em Rotary, não vislumbraram, naqueles primeiros tempos, o estupendo futuro de Rotary e a influência profunda que viria a exercer no mundo.
Em primeiro lugar, com Rotary nasceu o clube de serviço, um novo tipo de associação até então desconhecido e que a partir daí fez escola e em sua esteira surgiram dezenas de organizações da mesma família, devotadas, por diversas formas, à desinteressada prestação de serviços, como Lion’s, Orbis e outros.
Pelo convívio dos primeiros rotarianos e pelo conhecimento das atividades profissionais de cada um, alargou-se o campo de conhecimento de todos, ao mesmo tempo em que entre eles se consolidava o sentimento de companheirismo. Cedo verificaram que sua organização passara a representar uma força que não devia deter-se em si mesma, mas que requeria fosse canalizada no sentido da prestação de benefícios, nascendo assim, organizadamente, as quatro grandes avenidas através das quais Rotary atua na realização de seu ideal de desenvolver o companheirismo, de aproximar os profissionais de todo o mundo, de melhorar a comunidade e de reconhecer o mérito de toda a ocupação útil.
Ao comemorar-se mais um aniversário de Rotary, e ao bosquejar, de minha parte, em palavras ligeiras, as origens e finalidades de Rotary, sou possuído da convicção de que simples palavras não conseguem traduzir tudo o que é Rotary em sua explendente realidade. Rotary não pode ser descrito, por mais que se busquem e se rebusquem as palavras. Rotary estará sempre acima de nosso poder de expressão. Para bem conhecê-lo é necessário que se viva Rotary. É na vivência do dia-a-dia rotário, na participação constante da torrente de calor humano que flui através de Rotary – só assim se pode alcançar toda a sua grandiosidade, toda a sua magia. Há exemplos sem conta desse poder quase miraculoso de Rotary.
Certa vez, era eu Governador do Distrito 458, e visitava oficialmente um clube. Estávamos na assembléia de executivos e eu lançara a pergunta que costumava fazer para estimular a participação de todos.
“Como vai o clube?” Foi a minha pergunta.
As respostas vieram de vários lados e em dado momento, quando alguém punha em realce o companheirismo existente no clube, um dos presentes observou, prendendo a atenção geral:
“Rotary é engraçado. Às vezes conhecemos uma pessoa por longos e longos anos, sem nos simpatizarmos com ela, como no caso que vou contar-lhes. Eu sou escrivão da Coletoria, prosseguiu, e devo atender indistintamente a todos os contribuintes, mas aquele cidadão de tal forma me desagradava que sempre me esquivava de atendê-lo e por último chegava às vezes a escapulir-me da repartição, quando ele apontava ao longe, vindo em direção a Coletoria. Um dia esse cidadão foi proposto para sócio do clube. Tive um drama de consciência. Em verdade eu nada tinha de real para apontar contra ele, mas nossos anjos-da-guarda não se entendiam, como diz o povo. Afinal, para não ser injusto, votei a favor dele, rezando para que outros o recusassem. Mas ele foi aceito e veio para o clube. A princípio ficamos distanciados um do outro, depois passamos a trocar cumprimentos e mais adiante a conversar nos jantares, nos encontros de rua e em reuniões sociais. E assim fomos descobrindo nossas afinidades e nos tornamos amigos. Hoje, no dia em que ele não vem à Coletoria ou à minha casa, eu vou visitá-lo em seu trabalho ou na residência. O convívio e o espírito rotário destruíram a barreira que nos separava”.
Este caso é típico de Rotary. Espero um dia levá-lo a uma Conferência e ao acabar de contá-lo pedirei aos dois protagonistas que se levantem e o confirmem. E se abracem.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


38488
Por Luiz de Paula - 10/9/2008 15:32:29
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 40)

VIDA ROTÁRIA

O Rotary Club de Montes Claros foi criado em 31 de dezembro de 1945, por iniciativa dos médicos Hermes de Paula, Levy Lafetá e Antônio Moreira César, com 35 sócios fundadores.
Sou sócio fundador e o único que deu presença contínua, como sócio ativo, durante 50 anos.
Fui presidente do clube no ano rotário de 1955/1956 e Governador do Distrito em 1965/1966.
Minha primeira visita oficial, como Governador do Distrito, foi ao Rotary Club de Belo Horizonte, fundador do nosso clube, onde fiz o seguinte pronunciamento.

Prezados Companheiros,

É com imensa satisfação que visito hoje, em companhia de bons amigos, o Rotary Club de Belo Horizonte.
Considero um privilégio que só Rotary, em seu destino de aproximar as pessoas pode oferecer, estes momentos tão gratos que estamos vivendo com os companheiros rotarianos de Belo Horizonte e suas famílias, ao lado de ilustres convidados, na capital mineira.
Companheiros que me precederam na Governadoria sempre afirmam que este é um dos melhores anos de nossas vidas. Realmente, o convívio que venho tendo a felicidade de entreter com companheiros de dezenas de comunidades está acrescentando uma nota nova de alegria em minha vida, está enfeitando e iluminando a estrada de trabalho que é o meu caminho de Governador de Rotary.
A presença de nós rotarianos de Montes Claros em uma reunião rotária de Belo Horizonte tem para nós um significado especial que transcende de uma simples visita. É antes um pagamento de visita e tem sempre o sabor de um reencontro. Pois aqui em Belo Horizonte estão as raízes de nosso clube, daqui partiu há 20 anos a semente que então se plantou em um sertão virgem da idéia de clubes de serviço, em uma época em que a capital mineira possuía o clube mais ao norte do Estado de Minas Gerais.
Na distância que vai de Belo Horizonte a Salvador o vocábulo Rotary nunca fôra antes pronunciado.
Ainda me recordo das emoções e alegrias da entrega da Carta, levada pelas mãos amigas de Orville de Conti, Nilton Veloso, Júlio de Almeida, Ramon Taboada, Gentil Nascimento, Borges de Carvalho - que foi de trem pôr ter medo de viajar de avião - e de mais outros bons companheiros daqui.
E tão generosa foi a oferta e tão entusiásticas e nobres as emoções que a acompanharam, que pelo menos UMA das grandes virtudes do clube padrinho se transmitiu ao afilhado sertanejo, embora sem a pujança da origem. Refiro-me a esta marca de grandeza que têm os clubes de Belo Horizonte de serem clubes fundadores de clubes.
Com efeito, o Rotary Club de Montes Claros, um ponto minúsculo se sumindo em um mapa de desertos, uma ilha pequenina e perdida na imensidade de um sertão bruto de 500 léguas de largo, aquela ilha foi pouco a pouco se transformando em arquipélago, foi se formando em torno do clube pioneiro uma constelação de novos clubes, fundados todos pelo clube afilhado de Belo Horizonte e hoje lá estão viçosos e enriquecendo suas comunidades os Rotary Clubs de Francisco Sá, de Bocaiúva, de Pirapora, de Brasília de Minas e em formação o Rotary Club de Espinosa, cidade lindeira, de onde se enxerga, ali mesmo, a Bahia, a doce Bahia de Arquimedes Guimarães.
Caros Companheiros,
Trago-lhes de anteriores encontros rotários uma mensagem de “Sput” Teenstra, o notável médico holandês, condecorado em sua Pátria pôr seus trabalhos profissionais e que hoje é o Presidente de Rotary International.
Convida-nos o Presidente de R.I., agora que vimos de completar 60 anos de existência, com mais de meio milhão de rotarianos no mundo todo, convida-nos Teenstra a lançarmos um olhar de indagação ao passado e ao futuro e a nos perguntarmos onde estamos e para onde vamos.
E nos estimula a planejarmos atividades construtivas, e a considerarmos, de um lado, a experiência do passado, e do outro, o imperativo do progresso. E esse seu pensamento ele resume nestas duas palavras: Consolidação e Continuidade.
E nos pede AÇÃO, ação com letras maiúsculas, pois Rotary não é um simples estado mental. O ideal de servir exige AÇÃO. Esse realce em AÇÃO evidencia o que o Presidente espera seja a diretriz em cada clube. Ele pede a todos para elaborarem um programa de AÇÃO.
Prezados Amigos,
Nós que aqui estamos acreditamos em Rotary. Esse nosso Rotary não é apenas um nobre sentimento. É um companheirismo mundial. Não é se assim posso dizer, uma religião, mas espero que em sua sublimidade seja uma expressão vigorosa e honesta de valores, normas e ideais das crenças religiosas que muitos de nós professamos humildemente.
De modo que acreditamos em Rotary como uma força para a amizade, como uma avenida para o serviço social, um caminho para uma melhor compreensão internacional e um modo de vida que nos conduz a levar existências melhores e mais completas.
Há quem diga que o ideal de Rotary é inalcansável. Pois ainda que esse pensamento de aproximação e compreensão entre os homens, e da prestação de serviço, fosse uma utopia, essa utopia não seria de Rotary, ela nasceu de um sentimento que existe no mais íntimo da alma do homem e pertence ao patrimônio moral da humanidade, ela está na filosofia clássica, vamos encontrá-la no “amai-vos uns aos outros” do Cristianismo.
É vã a busca da felicidade que se baseia na satisfação pura e simples de nossos egoismos. O homem possui uma alma cujos anseios não se apaziguam com esse egoísmo e cria dentro de nós mesmos a necessidade de sermos úteis a outrem.
Ademais, já se disse, a felicidade não é uma estação a que se chega. Ela é a maneira de se fazer a viagem.
Ainda que acreditar na nobreza que existe na alma do homem fosse uma utopia, vale a pena viajar na estrada dessa utopia, pois essa estrada atravessa campos risonhos que a felicidade, em seu trono de flores, costuma percorrer, de quando em vez.
O que há de mais importante em Rotary, companheiros, é o rotariano.
A influência de Rotary como idéia é estupenda; a eficiência de Rotary como clube é altamente expressiva. Porém mais importante e de expressão maior, é a atuação do rotariano.
Em Lake Placid se fez uma indagação aos 278 Governadores de Rotary ali reunidos, aos quais se perguntou quantos líderes verdadeiros conheciam eles e poderiam nomear em seus países e no mundo, líderes respeitáveis na autenticidade de seus princípios e na sinceridade e na lealdade de sua conduta, aos quais se pudesse seguir até a morte.
A pergunta caiu em um silêncio grave. E a conclusão foi que, sem negar respeito e prestígio aos demais, buscássemos nossos líderes em nós mesmos, reforçando com os instrumentos de nossos princípios, nossos quadros de liderança.
Não que tenhamos opinião exagerada de nossa importância. Mas com um sentido apropriado de humildade, devemos ter consciência da medida de nosso valor.
Queiram ou não, os prezados companheiros terão de aceitar sua condição de líderes, reconhecida ao ingressarem em Rotary.
E cada um de nós tem o dever de cultivá-la e de aperfeiçoá-la, com plena consciência de sua importância, sem nos esquecermos de que é bom ser importante, porém é mais importante ser bom.
É Henry James quem nos diz, em um pensamento de grande expressão. O melhor que podemos fazer de nossas vidas é consumi-las em algo mais duradouro que a própria vida!
Estamos, pois, nós os rotarianos fazendo algo mais duradouro que a própria vida. Estamos a cada dia acrescentando algo de bom ao bem estar do mundo. E assim estamos nós escrevendo, a cada dia, uma mensagem de trabalho, de compreensão e de amizade, escrevendo-a e assinando-a a cada dia, para entregá-la ao futuro!

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


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Por Luiz de Paula - 5/9/2008 11:45:12
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 39)

Sessão da Câmara dos Deputados de 21-8-1968
PROJETO DE LEI Nº , DE 1.968

Estabelece normas para a prestação, pela União Federal, de assistência técnica e financeira para o desenvolvimento do ensino primário nos Estados, Municípios e no Distrito Federal, e dá outras providências.

Do Sr. LUIZ DE PAULA

O CONGRESSO NACIONAL DECRETA:

Art. 1º. É obrigatório e gratuito, dos sete aos quatorze anos, o ensino nos estabelecimentos primários oficiais.

Art. 2º. A União Federal, pelo Ministério da Educação e Cultura, contribuirá financeiramente com os Estados, Municípios e Distrito Federal na ampliação e melhoria do sistema escolar primário (Lei nº 59, de 11 de agosto de 1947), através de subvenções ou financiamentos para a compra, construção e reforma de prédios escolares e respectivas instalações e equipamentos (art. 95, “a” e “c”, da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1.961).

Art. 3º. Todos os recursos destinados ao desenvolvimento do ensino primário, inclusive aqueles mencionados no art. 4º, letra “b”, da Lei nº 4.440, de 27 de outubro de 1.962, constituirão o “FUNDO NACIONAL DE ENSINO PRIMÁRIO”, para aplicação em todo o território nacional, de acordo com os planos estabelecidos pelos Conselhos Estaduais de Educação e, nos Municípios, pelas respectivas administrações, obedecidos os critérios de distribuição fixados pelo Conselho Federal de Educação.

Parágrafo Único. O Conselho Federal de Educação, ao fixar o plano de distribuição do Fundo referido no artigo, levará em conta, sobretudo, a razão direta dos índices de analfabetismo.

Art. 4º. É permitido aos Estados, Municípios e Distrito Federal aplicar trinta por cento dos recursos recebidos na forma desta lei na melhoria do padrão de vencimentos dos seus professores primários em exercício.

Art. 5º. A concessão aos municípios dos recursos previstos nesta lei, dependerá da aprovação prévia, pelo respectivo Conselho Estadual de Educação, dos planos para aplicação das verbas solicitadas, nos quais serão previstas as percentagens dedicadas a:

a) compra, construção, ampliação ou reforma dos prédios de sua rede de ensino primário e respectivas instalações ou equipamentos;

b) melhoria do padrão de vencimentos dos professores em exercício;

c) fornecimento de material e da merenda para os alunos; e

d) criação ou ampliação dos cursos de alfabetização de adultos.

Art. 6º. Deverão os municípios apresentar, juntamente com o plano referido no artigo anterior, informações completas e autênticas sobre:

a) importância total anual das verbas orçamentárias atribuídas à educação primária nos cinco últimos anos e seu valor percentual calculado sobre cada orçamento;

b) número de escolas primárias mantidas pelo Município, especificando sua localização;

c) número de escolas primárias mantidas pelo Estado no Município, informando o total de alunos matriculados nas diversas séries;

d) número de alunos matriculados e aprovados nas diversas séries das escolas primárias municipais nos cinco últimos anos;

e) total da população municipal e do número de crianças em idade de escolarização primária;

f) previsão do aumento do número de crianças em idade de escolarização para os cinco anos seguintes;

g) total de professores primários em exercício, especificando seus respectivos vencimentos ou remuneração previsão percentual do aumento a ser dado a cada um;

h) número das salas de aula e de professores dedicados à alfabetização de adultos, incluindo o número de alunos matriculados.

Art.7º. Os projetos de construção, ampliação ou reforma dos prédios escolares deverão ser acompanhados pelo respectivo orçamento de custo, onde as despesas sejam especificadas detalhadamente.

Art. 8º. O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo de noventa dias, contados de sua publicação.

Art. 9º. Revogadas as disposições em contrário, esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.


JUSTIFICATIVA

Embora o Governo tenha, através de diversas leis, procurado pôr fim ao vergonhoso índice de analfabetismo da população brasileira, incentivando, de uma ou outra forma, as diversas campanhas de alfabetização, até hoje nenhum ou quase nenhum resultado positivo foi conseguido.

As disposições constitucionais existentes, a Lei de Diretrizes e Bases, a Lei nº 59, de 1.947, e outras, obrigando a União a dispensar a sua cooperação financeira ao ensino, principalmente ao primário, sob a forma de subvenções, dotações orçamentárias e financiamentos, tem sido, infelizmente, até hoje, letra morta, porque sempre inexistiu qualquer plano válido e objetivo que fosse posto em prática com seriedade. De longe em longe surge uma das famosas campanhas de alfabetização, com ampla publicidade e pomposas entrevistas, e que morre por inanição logo depois. Enquanto isso nossa população continua analfabeta.

Tenho por certo que só há um meio de se resolver seriamente o problema: entregar sua solução aos municípios principalmente, sob a supervisão da União, deixando aos Estados, somente uma parcela da responsabilidade. À União caberia, então, fornecer os recursos aos municípios, diretamente ou através dos governos estaduais, sem deixar, contudo, de exercer uma severa vigilância para que os famosos desvios de verbas e coisas assemelhadas não ocorram.

Os municípios vivem mais de perto o problema do analfabetismo e, se receberem socorro da União, poderão mais facilmente solucioná-lo. Mas precisam dos recursos que não têm para construir, reformar ou ampliar os prédios de sua rede escolar; necessitam oferecer melhores vencimentos aos seus professores e, ainda, elevar seu padrão de conhecimentos; devem fornecer aos alunos, principalmente aqueles das zonas rurais, o material escolar que não podem comprar e a merenda que não trazem de casa. Portanto, se receberem da União tais recursos, previstos na Constituição e nas diversas leis já existentes, os municípios poderão pôr fim a essa chaga maldita que aflige a Nação.

O Fundo Nacional do Ensino Primário já existe, criado que foi pelo Decreto-lei nº 4.958, de 14 de novembro de 1.942. A ele é destinado 50% da contribuição criada pela Lei nº 4.440, de 27 de outubro de 1.964 (Salário-Educação). A Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1.961 manda aplicar um terço dos recursos destinados à educação ao referido Fundo. Dinheiro não falta para que ele possa cumprir realmente seu destino. Só nos resta, assim, dar-lhe uma destinação certa, honesta, proveitosa e inteligente, distribuindo-o diretamente à célula da Nação, isto é, ao Município.

O presente projeto procura dar a solução aventada ao problema, cercando a União de garantias para que os recursos entregues aos Municípios sejam realmente empregados no desenvolvimento do ensino primário e, por conseqüência, na alfabetização de nosso povo.

SALA DE SESSÕES, em 21 de agosto de 1968

Deputado LUIZ DE PAULA



Sessão da Câmara dos Deputados de 28.08.1968

APRESENTA EMENDA A PROJETO DE SUA AUTORIA
SOBRE A DISCIPLINAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO

Luiz de Paula

Senhor Presidente,

Acabo de encaminhar ao Sr. Relator, na Comissão de Constituição e Justiça, do Projeto de minha autoria sobre a disciplinação do ensino primário, Emendas aditivas nos seguintes termos:

Art. -“As professoras e professores de ensino primário admitidos mediante concurso público, até a data de publicação da presente lei, e os que venham a sê-lo posteriormente, serão equiparados ao nível correspondente dos funcionários públicos federais, admitindo-se a contratação, por necessidade de serviço, aos níveis de funcionário estadual e municipal”.

Art. - “Aos primeiros cinqüenta municípios que em cada ano apresentarem maior índice de redução do analfabetismo em seu território, conceder-se-ão favores especiais no setor do ensino, na forma de incentivos financeiros para campanha, e diploma de Honra ao Mérito para o Chefe do Executivo, outorgado em solenidade pública.

Cumpre-nos, Sr. Presidente, estimular os professores e professoras primárias de concurso, remunerando-os condignamente. Face à 1ª emenda, pagando os estaduais e municipais nas mesmas bases dos federais. Mas como, em determinadas localidades do “hinterland” brasileiro, o concurso ainda não é viável, nessas serão lícitas as contratações, pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho, conforme prevê a Constituição do Brasil e sugere a proposição supra-referida.

No tocante à segunda emenda, o espírito que presidiu sua elaboração visou estabelecer emulação entre os Municípios, para mais cedo lograr-se a extirpação desse cancro nacional que é o analfabetismo.

Há 15 milhões de crianças sem escola no Brasil. É triste, é humilhante, é espantoso, mas é verdade irrecusável, que atesta a falência do atual sistema do ensino primário em nosso País.

Por que insistirmos nesse sistema, quando seu fracasso é proclamado por 15 milhões de vozes infantis a reclamar escolas?

Somente o Município, que permite o fracionamento do problema e o contato direto e sistemático com cada uma de suas partes, sob a fiscalização, estímulo e orientação do Estado e da União, dentro do espírito de emulação que desencadeará a porfia pelos melhores resultados, poderá, finalmente, vencer o analfabetismo.

Nessas condições, Sr. Presidente, procedido o registro que ora efetivamos, antecipadamente gratos pela acolhida às mencionadas emendas, confiamos venham elas, posteriormente, a merecer a aprovação final desta Casa, o que significará o reconhecimento, pela Câmara, dos esforços diuturnos dispendidos, Brasil adentro, pela sacrificada classe dos que se empenham em transmitir as primeiras luzes às crianças de nossa Pátria.

Luiz de Paula

POLÍTICA - Com o Governador magalhães Pinto e o Capitão Enéas Mineiro de Souza, fundador de Burarama.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


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Por Luiz de Paula - 30/8/2008 10:36:18
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 38)

ALGUMAS REALIZAÇÕES DO DEP. LUIZ DE PAULA
• Faculdade de Filosofia – A primeira Escola de nível superior do Norte de Minas, fundada pela Fundação Educacional Luiz de Paula, pioneira do ensino superior nesta parte do Estado.
• Fundação de 7 colégios e escolas normais na região; de 12 escolas rurais e de outras tantas bibliotecas na região.
• Doação de um quarteirão na Av. Dulce Sarmento (asfaltada), com 5.000m2, no valor de 60 mil contos, para construção da Escola do Ensino Profissional do SENAI.
• Criação da Associação de Pais e Amigos de Excepcionais – APAE – entidade mantenedora da Escola Cirandinha, para crianças excepcionais, em funcionamento na Rua Padre Teixeira, nº 153, gratuita para crianças pobres.
• Iniciativa da reunião de todos os deputados da região e de Curvelo e Sete Lagoas, da ARENA e do MDB, com o Ministro Andreazza e o Diretor do DNER, Engenheiro Elizeu Resende no Rio para obter a colocação da BR-135 na faixa de prioridade e autorização para o asfaltamento, o que foi conseguido, como é de conhecimento geral.
• Campanha vitoriosa sob o “slogan” CIDADE INDUSTRIAL AGORA, desfechada em março de 1968, mediante o aliciamento das classes produtoras, entidades de classe, lideranças locais, com cobertura dos jornais e da ZYD-7, obtendo em 24 horas a autorização das autoridades competentes para início das obras de implantação do Distrito Industrial, que havia caído em ponto morto. De então para cá não houve solução de continuidade e todas as verbas prometidas foram liberadas.
• Industrialização de Montes Claros e da região via Sudene. Pioneiro da divulgação das potencialidades da área poligonal mineira, fazendo palestras e divulgação de dados em 40 cidades de Minas Gerais acerca do Polígono das Secas e dos incentivos da Sudene, no ano de 1965, como Governador de Rotary International, distribuindo fartamente impressos confeccionados à própria custa para divulgação dos incentivos e das possibilidades do Norte de Minas para aplicação de recursos através de projetos aprovados pela Sudene.
• Participação efetiva na nova era de industrialização de Montes Claros: - Diretor para implantação do FRIGONORTE.
- Sócio fundador e presidente do maior empreendimento de Minas Gerais na Sudene, a COTEMINAS, em implantação.
• Proposta de criação de órgão de Governo com “status” de Secretaria de Governo em Montes Claros. Seu projeto para criação de órgão ao nível de Secretaria para orientar, incrementar e comandar a política desenvolvimentista do Polígono Mineiro e para dinamizar e consolidar nossas relações com a Sudene, teve seus estudos concluídos no Governo do Sr. Israel Pinheiro, para posterior implantação.
• Trabalho conjugado com a Associação dos Usineiros de Algodão obtendo perdão de multas e parcelamento em 72 meses dos débitos de ICM relativos a algodão e óleo de caroço de algodão, a partir de compromisso obtido do sr. Governador do Estado.
• Campanha contra a inclusão de Barreiro Grande. Seu pronunciamento na Câmara foi o único, de deputado de Minas, a ser transcrito na imprensa de Recife. Carta do Ministro do interior citando seu pronunciamento e exaltando sua atuação no caso, em defesa dos interesses do Polígono das Secas.
• Doação de verba para criação de um AMBULATÓRIO para consultas médicas, tratamentos e socorros de urgência gratuitos aos pobres, a ser instalado no novo prédio da Loja Maçônica.

• Doação de verba para criação de uma CANTINA para distribuir alimentação diariamente a crianças pobres não escolarizadas, a ser instalada juntamente com o AMBULATÓRIO.
• Verbas pessoais doadas para Montes Claros, somente este ano:
Centro Cultural Brasil-Estados Unidos 10.000,00
Diretório dos Estudantes de Montes Claros 5.000,00
União Operária e Patriótica 5.000,00
Associação dos Amigos do Bairro do Cintra 5.000,00
Associação dos Amigos do Bairro Santos Reis 5.000,00
Círculo Operário de Montes Claros 5.000,00
Asilo São Vicente de Paulo 2.000,00
Orfanato N.S. do Perpétuo Socorro 2.000,00
Conservatório de Música Lorenzo Fernandez 2.000,00
Colégio Imaculada Conceição 2.000,00
E muitos outros.

• Campanha do uniforme para o aluno pobre. Doação de 1.000 uniformes já distribuídos este ano, previstos 5.000 para o próximo ano. Critério: a distribuição foi feita pela Delegacia de Ensino com a recomendação de serem escolhidas as escolas mais pobres e nessas os alunos mais necessitados.
• Intermediação para compra de mais de uma dezena de tratores de esteiras destinados a Prefeituras para abertura e conservação de estradas na zona rural, bebedouros para gado etc.
• Solução de velha questão de limites do município de Varzelândia pela via administrativa. Comissão de peritos do Departamento Geográfico que veio há um mês a região, confirmou os direitos de Varzelândia, e não aceitou as pretensões da Ruralminas. Os mapas da região existentes no Departamento Geográfico estão sendo corrigidos a fim de se restabelecerem os limites tradicionais entre Varzelândia, Manga e Itacarambí.
• Providências em favor dos lavradores e do povo em geral de Espinosa durante e após as inundações de março de 1968.
• Projeto de lei isentando do ICM e do IPI os tratores, máquinas e implementos agrícolas em todo o território nacional, transformado em decreto-lei pelo Executivo.
• Instalação do IPSEMG em Montes Claros – Ambulatório médico- dentário para atendimento aos funcionários estaduais e suas famílias de toda a região.
• Sugestões ao Governo Federal, aproveitadas para a reformulação de ensino fundamental.
• Único deputado da região a ter projeto transformado em lei na atual legislatura. Utilidade pública para Rotary Clubes e Lion’s Clubes.
• Entre todos os demais, foi o deputado que deu mais presença em Montes Claros, onde veio todas as semanas, viajando de preferência a noite para melhor aproveitar o dia em contato com suas bases.
• Farta distribuição de verbas em toda a região.
• Abertura de estrada de terra São Francisco-Urucuia, para ligar a região a Brasília-DF.
• Presença em 3 reuniões do Conselho Deliberativo da Sudene, uma em Montes Claros e duas em Recife.
• Projeto de lei disciplinando as vendas a prestação, em defesa da bolsa do povo, em tramitação final na Câmara dos Deputados.
• Projeto de lei de criação da Grande Região Metropolitana de Montes Claros, em tramitação na Câmara. Este projeto já foi copiado por representantes de outros Estados da Federação e aplicado em suas regiões.
• Apresentação ao então Presidente Costa e Silva, em sua visita a Minas Gerais em outubro de 1967, de trabalho contendo todas as reivindicações do Norte de Minas, algumas das quais já foram atendidas. Uma dessas reivindicações que se encontra em estudos é a instalação em Montes Claros de um Batalhão do Exército.
• Empréstimo de $100.000,00 do Banco Hipotecário para a Prefeitura, inclusive supressão de cláusula que a Prefeitura considerava prejudicial aos interesses do Município.
• Autorização expressa do Diretor do DER para serviços de reparação em estradas municipais fora de Convênio.
• Abertura da estrada Tamborilzinho-Nova Esperança.
• Obtenção com o atual Diretor do DER de autorização para a Residência local do DER fornecer a Prefeitura trator para espalhar terra acumulada com a retificação do Rio Vieira.
• Representação efetiva dos interesses de Montes Claros e da região junto ao Governo do Estado e na área federal, e divulgação permanente das potencialidades regionais e dos benefícios e incentivos da Sudene.
• Verbas para manutenção das Escolas Profissionais Reunidas e para término das obras da Escola Rotary que ali funciona atendendo às crianças dos bairros vizinhos.
• Isenção e seriedade na indicação ao Governo dos nomes de juizes para a Comarca, optando invariavelmente pelos mais credenciados, sem indagar de suas preferências políticas. A Comarca está provida por três juizes íntegros e operosos, que honram a magistratura de qualquer País. Escolhidos com esse critério nas listas tríplices. Nenhum deles é do ex-PSD.
• Mesmo critério na escolha de Delegado de Polícia, nas poucas vezes em que, a pedido do titular ou por razões de serviço, vagou-se a Delegacia.
• Campanha para o asfaltamento Pirapora-Corinto.
• O que não fez. Tendo mando político em Montes Claros, como deputado federal mais votado, não mudou delegado de polícia, nem diretor de ginásios ou de Escola Normal, nem delegada ou inspetora de ensino, nem médico de Centro de Saúde, nem servente de grupo. Não perseguiu nem deixou que perseguissem. Foi onde mais produziu: confiança, tranqüilidade, sossego, bem-estar.
• Outros itens mais, não lembrados no momento, podem ser acrescidos.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


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Por Luiz de Paula - 26/8/2008 11:35:58
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 37)
REFORMULAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL
Sala de sessões da Câmara dos Deputados, 23.07.1970

Dep. LUIZ DE PAULA

Senhor Presidente,

Por decreto do Exmº. Sr. Presidente da República foi criado o GRUPO DE TRABALHO no Ministério da Educação e Cultura para estudar, planejar e propor medidas de atualização e expansão do Ensino Fundamental e do Colegial.
Como o Governo tem pressa, e a matéria está a impor, realmente, tratamento de desesperada urgência, o Grupo, que se constitui de 9 membros, conta com o prazo de 60 dias, após instalado, para conclusão dos trabalhos, e seus encargos, nos termos do decreto, são considerados “matéria prioritária de interesse nacional”.
Exige ainda o decreto que “os estudos devem incluir a previsão de dispositivos necessários à efetivação e ao acompanhamento das modificações decorrentes de suas conclusões”.
A instituição desse Grupo de Trabalho trouxe considerável alento ao País, e nos fez recordar dramático e corajoso apelo de colaboração, formulado pelo ilustre Ministro da Educação ao assumir a absorvente pasta. Em atendimento, e impelidos pelo dever de homem ligado ao ensino, a que se soma a responsabilidade de legislador, tomamos a liberdade de vir a esta tribuna para oferecer ao Senador Jarbas Passarinho e ao Grupo de Trabalho recém-criado, as sugestões que se seguem, inspiradas, em sua maior parte, em projeto-de-lei e emendas de nossa própria autoria, submetidos à apreciação da Casa, há cerca de dois anos. Nosso propósito não é outro senão o de prestar colaboração.
As disposições constitucionais existentes, a Lei de Diretrizes e Bases, a Lei nº 59, de 1.947, e outras, atribuindo à União a obrigatoriedade de dispensar cooperação financeira ao ensino, principalmente ao de nível primário, não alcançaram os resultados previstos, devido à falta de plano global objetivo e racional, ajustadamente compatibilizado com a realidade brasileira. Não somente a estruturação organizacional, mas também a técnica geral de ensino necessita de atualização. A existência de 15 milhões de crianças sem escola no Brasil e de quase 30 milhões de adultos analfabetos constitui espantoso, triste e humilhante atestado da falência do ensino primário vigente em nosso País.
Não há por que preservar esse sistema, quando seu fracasso é proclamado por 15 milhões de vozes infantis e ainda pelo cantochão de outras tantas em dobro, de irmãos brasileiros infelizmente cegos para o conhecimento mais elementar.
De outra parte, até quando o professorado primário do País deverá continuar pagando o pesado ônus a que se submete no exercício do nobre mister de educar?
Toda a Nação conhece o problema da professora primária. Ela é uma líder na comunidade. Precisa trajar-se bem e portar-se como exemplo para pais e alunos. É a segunda mãe de seus pupilos. Quer ministrando ensino, na regência de classe, ou em casa preparando lições, ou participando de outras atividades da vida comunitária, onde quer que esteja situa-se sempre a professora em sua condição de servidora da comunidade, sempre a ensinar e educar, pela palavra e pelo exemplo. Poucos profissionais terão vida tão devotada à profissão. No entanto, outra classe não há tão mal e desigualmente remunerada – em uns estados mais, em outros menos – e sofrendo, não raro, as agruras dos atrasos de pagamento de seus vencimentos. Já se disse que o ensino primário no País é ministrado à custa das humildes professoras. Se em alguma parte couber a tese da “mais valia”, será sem dúvida no caso das professoras. E na oportunidade em que o Governo Federal busca adequar o ensino fundamental à reais necessidades brasileiras, a professora, a eterna sacrificada, não poderá continuar esquecida.
Bem andaram, pois, Suas Excelências o Sr. Presidente da República e o Sr. Ministro da Educação, constituindo esse Grupo de Trabalho com tarefa tão urgente quão relevante a cumprir em benefício do País.
Ao formular nossas sugestões, expressamos em primeiro lugar nossa posição em favor da fusão dos cursos primário e secundário, dentro de uma programação exeqüível, dando lugar à criação do curso fundamental de 7 ou 8 anos, inovação que em pouco tempo começará a produzir profundos e benéficos resultados no conteúdo e na horizontalidade do aproveitamento do ensino em toda a Nação. Além de proporcionar aprendizado profissional, sumamente oportuno e necessário a uma população de nível econômico tão baixo quanto o da nossa terra, o prolongamento do curso, abrangendo o primeiro ciclo ginasial, dará seqüência uniforme ao currículo, ampliará as oportunidades e elevará a qualidade do ensino no primeiro ciclo do curso médio, justamente onde reside o chamado “ponto de estrangulamento” do ensino brasileiro. E sobretudo estaremos atendendo ao objetivo de toda sociedade que é a escolarização máxima, universal e gratuita.
O planejamento será feito ao nível de Ministério. Entretanto, a parte executiva, em meu entender, deverá ser confiada aos municípios, destinando-se ao Estado, adequada parcela de responsabilidades, sob o controle e supervisão da União. Sugerimos, pois, que à União caiba disciplinar a matéria e definir a quota de recursos da União, Estado e Município, e bem assim organizar seguro roteiro de orientação, acompanhamento e fiscalização da aplicação das normas do ensino e das verbas.
Nossa proposição se fundamenta no fato de que os municípios vivem mais intimamente o problema do ensino primário e do analfabetismo. Demais disso, os municípios são mais de perto e permanentemente alertados e fiscalizados pelos maiores interessados, pelos interessados diretos, que são os pais de alunos e, de modo geral, os contribuintes. Por isso, ganhará o ensino de escolares ainda no lar paterno, se colocado sob direta aplicação dos municípios. Aliás, a própria lei deverá disciplinar a organização das Associações de Pais de Alunos, definindo seus direitos e responsabilidades, a fim de participar mais, como é de seu dever, da tarefa que não deve ser somente do Governo, e designando os órgãos administrativos com os quais deve entender-se para informar-se de suas tarefas, apresentar denúncias, reclamações, sugestões etc.
Além do mais, cabendo a execução do programa ao Município, melhor será atendida a zona rural onde o percentual de crianças que não freqüentam escolas é muito mais alto do que na zona urbana, da ordem de 49%, enquanto que nas cidades alcança em média 19%, conforme estatística de 1.964. No que respeita ao analfabetismo, a desproporção revela-se ainda maior, contribuindo em mais elevada escala para que o Brasil ocupe, contristadoramente, o 13º lugar na América Latina, em número decrescente de analfabetismo.
Os recursos destinados ao desenvolvimento do ensino nessa fase poderão constituir o Fundo Nacional do Ensino Fundamental, para aplicação em todo o território nacional. O Conselho Nacional de Educação, ao fixar o plano de distribuição de verbas, levará em conta a população escolar e os índices de analfabetismo de cada Estado do Território, e bem assim a programação de trabalhos para cada área.
Que os atuais professores e professoras do ensino primário legalmente nomeados, e os que venham a sê-lo, sejam equiparados aos funcionários públicos federais, para todos os efeitos. O que, sobre fazer-lhe justiça, proporcionará ao professorado do ensino fundamental o estímulo de que está carecendo para melhor se aperfeiçoar e mais produzir profissionalmente. E, por acréscimo, atrairá para o magistério legiões de normalistas que, por falta de atrativos atualmente na profissão de mestres, buscam outras atividades. Com o oferecimento de condições condignas, será melhorado o nível de qualificação do professorado em geral, não somente pelo ingresso dessas normalistas desviadas de sua especialização, mas também pelo novo elan que de todos se apossará, ganhando, em tudo, o magistério, onde, por estarrecedor que pareça, 43% das mestras só possuem o curso primário, e 9% nem o primário. Nesse particular, comporta ainda salientar a ocorrência de um fenômeno profundamente negativo para o ensino. As professoras leigas são geralmente designadas para reger classes de 1º e 2º ano, por exigirem, essas classes, menores conhecimentos gerais, mas em decorrência de sua inabilitação para o ensino, é exatamente nessas classes que ocorrem reprovações em massa e maior índice de deserção escolar. Em média, metade dos alunos matriculados no primeiro ano não chega ao segundo. A melhoria que propomos seja oferecida ao magistério refletirá, sem demora, no aprimoramento da qualidade do ensino, contribuindo para a correção de inúmeras distorções existentes no curso primário.
Que a União seja protegida, com garantias amplas e completas, para que os recursos, para os quais contribuirá com a maior parte, sejam real e totalmente aplicados no verdadeiro interesse no ensino.
Que aos primeiros 100 municípios que, em cada ano, apresentarem maior aproveitamento, dentro da nova ordem do ensino, se concedam prêmios especiais, na forma de incentivos financeiros para aplicação no ensino e ainda pela concessão de Diplomas de Honra ao Mérito aos Prefeitos Municipais, a membros do Conselho Municipal de Ensino (órgão que entendemos deverá ser criado em cada município), a Diretoras e Professoras.
São estas as sugestões que endereçamos ao Sr. Ministro Jarbas Passarinho, no momento em que o Governo da República se propõe a implantar nova sistemática educacional, visando atualizar e expandir o ensino fundamental e colegial em nossa Pátria.
Luiz de Paula


Noutro, anunciou as homenagens que seriam prestadas, em Uberlândia, a Rondon Pacheco, futuro Governador de Minas.
Em seguida, comentou notícia veiculada pela imprensa, segundo a qual cogitava o Governo de modificar o critério da destinação dos incentivos da SUDENE, suspendendo as aplicações no setor agropecuário; e apelou, ao final, ao Presidente da República, a fim de não permitir essa injustiça ao homem do campo.
Noutra fala traduziu seu pesar pelo falecimento de Adhemar Dias de Figueiredo.
Em seguida, manifestou sua satisfação por haver o futurólogo Hermann Khan retificado suas previsões sobre o desenvolvimento do Brasil; atribuindo tal mudança às realizações dos Governos posteriores a 1.964; e dizendo que, mesmo reconsideradas, essas predições ainda eram tímidas diante das potencialidades nacionais. E solicitou à Mesa convidasse esse cientista a visitar uma das Comissões Técnicas da Casa.
Num discurso muito aplaudido, principalmente pela bancada mineira, sugeriu ao Governador do Distrito Federal o estabelecimento de intercâmbio sócio-cultural com a Prefeitura de Brasília de Minas; adiantando que S. Exa. poderia oferecer uma biblioteca àquela comuna montanhesa, e a seus estudantes vagas nas Universidades de Brasília.
Seu trabalho nas Comissões Técnicas da Casa, como Relator de matérias as mais relevantes, foi sempre acolhido com o devido respeito, pela seriedade e profundeza com que apresentado.
Seu indetido dinamismo levou os companheiros de vida privada a convencê-lo de que o Congresso Nacional somente não continha extensão suficiente para abarcar-lhe a criatividade, seu poder empreendedor, seu bandeirantismo no campo industrial, sua capacidade de rasgar caminhos plantando empresas que já nascem vitoriosas.
A ressonância de suas iniciativas ainda não deixara de ecoar. Umas representaram verdadeiros vaticínios. Outras foram postas em prática pelo Poder Executivo. Algumas refundidas até por adversários políticos, eis que não perderam a atualidade, e vão oportunizar que se sobressaiam seus novos autores.


37807
Por Luiz de Paula - 20/8/2008 10:18:52
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 36)
Sala das Sessões, 25 de outubro de 1967

LUIZ DE PAULA


Em Requerimento de Informação ao Ministério dos Transportes encareceu o apressamento do asfalto cobrir a BR-135, trecho Curvelo-Montes Claros, então já incluído no Plano Prioritário. Outro à Caixa Econômica Federal sobre o pagamento de repetição das inscrições e transcrições em os novos Cartórios do Distrito Federal. Outro ao Ministério da Fazenda alusivo ao crescimento do produto interno bruto e o decréscimo do índice inflacionário.
Em fala incisiva, refutou acusações dirigidas à CRENOMIG, na pessoa de seu Presidente, Dom José Alves Trindade, Bispo Diocesano de Montes Claros. Noutra enalteceu a atuação do Ministro Albuquerque Lima na Pasta do Interior. Na que se seguiu louvou o Ministro Delfim Neto pela clareza e concisão com que S. Exa. presta contas de sua gestão à frente da Pasta da Fazenda. Noutra, felicitou o Governo de Minas e os demais acionistas da USIMINAS pelo êxito alcançado pela empresa, que ocupa lugar de liderança na exportação brasileira de aço. Em mais outra aplaudiu o Ministro da Saúde, por haver determinado a criação de municípios-pólos e pela inclusão do Município de Montes Claros nesse serviço assistencial.
Da tribuna justificou emendas aditivas a projeto de sua autoria dispondo referentemente à nova disciplinação do ensino primário.
Em novo pronunciamento, manifestou-se contrário à inclusão de Barreiro Grande na área do Polígono das Secas. Noutro apelou às autoridades federais no sentido de que socorressem o Município de Espinosa, no Norte de Minas, cuja situação, em diferentes setores, mostrava-se precária. Em outro discorreu sobre o drama que vivia a população espinosense, quando fora atingida por violenta tromba d’água; e fez perfilar as medidas urgentes, que precisavam ser tomadas, pelo Governo Federal, em favor dos cotonicultores do município, e solicitou, instantemente, a cooperação das autoridades estaduais e federais do setor. Noutro registrou o aparecimento da Fábrica de Cimento Tocantins, no D.F, e elogiou o descortínio do Coronel JUVENTINO DIAS, líder do grupo CAUÊ, de Minas Gerais.
Em longa manifestação, analisou a crise algodoeira do Norte de Minas – 9-10-68 – apresentou esboço de plano para a solução do problema; e aplaudiu designação, pela Assembléia Legislativa do Estado, de Comissão Mista para investigar as causas da aludida crise.
Noutra, encareceu a inclusão da região do Alto-Médio São Francisco no projeto do Banco de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais que dispunha sobre a aplicação de verbas para a pecuária. Associou-se às homenagens à Semana da Asa.
Como já dá para sentir, face à universalidade de conhecimentos de LUIZ DE PAULA, e seu interesse com relação a tantos problemas regionais e nacionais, seria natural que sua breve estada no Congresso Nacional viesse a marcar tão fundo sua atuação múltipla.
O Deputado LUIZ DE PAULA em 25 de julho de 1.968 apresentou o Projeto nº 1.537, a reconhecer de utilidade pública as unidades do LIONS
CLUB e do ROTARY CLUB DO BRASIL, dado os inavaliáveis serviços que vinha servindo, de há muito, no Brasil inteiro.
Conhecedor das resistências costumeiras ao acolhimento de proposituras dessa natureza, conseguiu do então Ministro da Justiça manifestação escrita favorável à constitucionalidade da proposição. E após as demarches da tramitação do projeto, e sua aprovação pelo Plenário em 1ª e 2ª discussão, em 02-07-68 foi encaminhado ao Senado, e neste aprovado subiu à sanção presidencial, em dezembro de 1.969.
Ocorre, que a iniciativa foi a primeira a ser submetida ao Presidente Médici, recém-empossado, para estudo e sanção. S. Exa. mostrou-se propenso a ungi-lo. Todavia, face a dúvidas surgidas no Palácio do Planalto, mandou ouvir a respeito o novo Ministro da Justiça. Este entendeu devia o Presidente vetá-lo, pois a iniciativa inscrevia-se em atos de sua competência.
Chegado o fato ao conhecimento do nobre Autor do projeto, como não procedia aquela interpretação, e além disso contava a iniciativa parlamentar com a aprovação do Ministro da Justiça anterior, fez saber ao Presidente da República que sendo o Congresso Nacional quem delegara tal competência ao Poder Executivo, mediante lei, por outra lei, ser-lhe-ia lícito revogá-la, cassando tal prerrogativa àquele Poder.
O Presidente Médici resolveu, então, solicitar a audiência do Ministro da Educação a respeito da matéria. Também este concordara com a intelecção alusiva ao assunto, manifestada pelo Ministro da Justiça. Voltou então o Presidente ao Autor para dar ciência do fato, sempre através de elemento da Casa Civil. O Deputado adiantou ao intermediário que ele próprio seria o redator da proposição revogativa da Lei nº 91/35, por incabível, “data vênia”, o entendimento daqueles dois Ministros.
O Presidente então decidiu ouvir seu Ministro da Fazenda, mas este, igualmente, não achou conveniente discordar de seus colegas.
De novo o Deputado LUIZ DE PAULA foi avisado do sucedido, e insistindo perante o mensageiro presidencial de ser irreversível a posição que tomara, de intentar a revogação da Lei nº 91/35, pediu fosse comunicado ao digno Chefe do Poder Executivo que o Presidente Internacional do Rotary Club solicitava que a sanção fosse procedida em solenidade em que desejam comparecer os representantes internacionais do Lions e do Rotary.
O Presidente EMÍLIO GARRASTAZU MÉDICI, pelo fato de encontrar-se imbuído do propósito de sancionar a lei em questão, por reconhecer pessoalmente que relevantes serviços prestavam ao Brasil tais entidades, mandou comunicar ao Autor do projeto sua decisão favorável, mas que não poderia anuir quanto ao ato solene encarecido, diante da manifestação em contrário de três de seus Ministros. E a Lei nº 5.575, de 17 de dezembro de 1.969, por ele sancionada, saiu publicada no Diário Oficial da União de dois dias após.
Prosseguindo na indormida atuação LUIZ DE PAULA à sessão de 20 de abril de 1.970, da tribuna da Câmara congratulou-se com S. Exa., o Presidente MÉDICI, por haver recebido dos rotarianos brasileiros o Diploma de Governador Honorário do Rotary Internacional do Brasil.
Noutro pronunciamento, em nome dos plantadores e beneficiadores de algodão de Minas Gerais, congratulava-se com o Governador Israel Pinheiro e com o Presidente do Banco do Desenvolvimento de Minas Gerais pelas providências que vinham sendo tomadas no sentido da criação e instalação da Cooperativa do Algodão. E reivindicava, para a cotonicultura mineira, tratamento fiscal idêntico ao que o Governo de São Paulo estabelecera para o produto paulista, e financiamento de capital de giro para comercialização.
No subseqüente apelou para o Ministro do Trabalho e Legislação Social no sentido de o IPASE estabelecer convênios para o atendimento médico-hospitalar e dentário a seus contribuintes na cidade de Montes Claros.
Registrou, num outro, a criação de grupo de trabalho no Ministério da Educação para estudar, planejar e propor medidas de atualização e expansão do ensino fundamental e colegial; e encaminhando ao Ministro Jarbas Passarinho sugestões atinentes à matéria.


37744
Por Luiz de Paula - 18/8/2008 16:48:37
AMIGOS E PESQUISADORES

Luiz de Paula

Giselle e Nahílson são casados. Nós somos amigos há muitos anos. E pesquisadores de nossa história.
Aconteceu ficarmos sem nos encontrar durante algum tempo. Ao nos reencontrarmos eu lhes disse que estava ficando velho. Transpusera a casa dos 90 anos. E estava perdendo a memória. Começava a caducar.
E lhes disse que era muito triste a vida de um pesquisador que está perdendo a memória.
Eles se calaram.
- Cadê você, Giselle? – Eu perguntei.
Ela respondeu
- Desculpe, doutor. Eu estou chorando...


37690
Por Luiz de Paula - 16/8/2008 07:56:54
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 35)

O NORTE DE MINAS DIRIGE-SE AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Senhor Presidente, Senhores Deputados,
No momento em que se transfere, para Minas Gerais, o Governo da República, vimos, como montanheses, externar a honra e o júbilo de que nos sentimos possuídos, ao mesmo tempo em que auguramos ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República e aos Excelentíssimos Senhores Ministros de Estado e respectivos Assessores, feliz e produtiva estada no solo acolhedor das Alterosas.
Minas realmente necessita ser vista de mais perto, eis que, nos últimos lustros, vem ocorrendo no Estado um crescente esvaziamento sócio-econômico, que não somente o abala em seus alicerces, mas é também profundamente nocivo e ameaçador aos interesses nacionais.

O Estado já foi o segundo na produção nacional. Hoje é o sexto.
A energia elétrica gerada nas suas entranhas vai acionar a economia de Estados vizinhos que consomem, também, sua matéria-prima.
Ultimamente, para surpresa geral, tornou-se a principal Unidade da Federação exportadora de braços humanos.
O subsolo de Minas Gerais está se exaurindo, dessangrado por outros Estados e pelo Exterior, sem maiores vantagens para seus filhos.
No céu da Pátria empalidece a estrela de Minas Gerais.
Dada a posição de equilíbrio que Minas sempre exerceu na vida política e econômica do País, como sustentáculo da nacionalidade, não interessa à Nação uma Minas enfraquecida. Minas, sólida, solidificará o Brasil.
Consectariamente, urge, Sr. Presidente e Srs. Deputados, propiciar a Minas os instrumentos para a retomada efetiva da rota do progresso.
Ao flagrar, “in loco”, as premências do Estado, o Governo Federal deverá equacioná-las para deferir-lhes soluções adequadas e urgentes.

Nesse sentido desejamos oferecer o elenco das que afetam a Região Norte do Estado, a qual mais diretamente representamos nesta Casa.

1 – Asfaltamento da BR-135, no trecho Curvelo – Montes Claros, já incluído no Plano Prioritário.

2 – Implantação da BR 025 na extensão Brasília – Montes Claros – Camaçã, que é tão ou mais importante que a precedente. Extensa área norte-mineira, tendo Montes Claros como centro, se incluirá na órbita de Brasília, como zona de abastecimento de leite, carne, cereais, óleos comestíveis, cimento, tecidos etc. E se ligará, por outro lado, com a Rio – Bahia e o litoral, proporcionando um revigorante fluxo comercial em ambos os sentidos.

É necessário que se implantem várias frentes de serviço, a partir de Brasília. Existe muito serviço executado se deteriorando. No trecho Montes Claros – Coração de Jesus, há uma frente de trabalho paralisada que necessita ser restabelecida. De Montes Claros, no sentido da Rio – Bahia, existem 117 quilômetros implantados, de um total de 289. Verifica-se que grande parte do serviço já está executada. A estrada proporcionará a ligação de Brasília com o Rio São Francisco, em sua parte navegável e cruzará cinco vias de acesso ao norte e nordeste do país: o Rio São Francisco, a BR-135, a Rio – Bahia, a BR-122, a BR-101, além da via marítima.

3 – Implantação da BR-122, tão importante quanto as demais, inclusive sob o ponto de vista do interesse nacional.

4 – Asfaltamento da BR-365, no trecho Pirapora – Canoeiros (BR-040). A estrada já está praticamente implantada e não se justifica que permaneça indefinidamente sem receber o capeamento asfáltico.

5 – Adaptação da ponte metálica sobre o Rio São Francisco, em Pirapora, para servir ao tráfego rodoviário que já é intenso e cresce dia a dia.

6 – Retificação e melhoramentos na Rodovia Corinto – Pirapora.

7 – No setor pecuário, autorizar o financiamento de matrizes e da cria e recria, pois o rebanho está caindo de ano para ano, enquanto se acentua, também anualmente, a sobra de pastagens. A produção anual que era de 150.000 bois gordos, na região, vem decrescendo ininterruptamente, nos últimos 6 anos, e na presente safra não irá além de 100.000 cabeças.

8 – Colonização de Jaíba. Exigir mais trabalho e menos debates estéreis. A Jaíba é uma imensa extensão de terras devolutas de extraordinária fertilidade, chamada “a Ucrânia Brasileira” cujas florestas vêm sendo criminosamente destruídas pelo fogo, sob a indiferença das autoridades responsáveis por sua preservação.

9 – Elevar o Distrito do DNOCS, em Montes Claros, à categoria de DIRETORIA, atendendo à sua importância e à extensão da área a que atende (Polígono Mineiro e parte da Bahia).

10 – Facultar recursos à Fundação da Universidade do Norte de Minas para a instalação das Escolas de Medicina, Ciências Econômicas e Agronomia, praticamente criadas e necessitando de meios para se instalar. Montes Claros é o centro cultural e educacional da região, com cerca de 800 professores e 30.000 estudantes de todos os níveis e já possui uma Faculdade de Filosofia, uma Escola de Direito e um Conservatório de Música.

11 – Recursos para a construção da estação de passageiros do Aeroporto de Montes Claros. É aeroporto de padrão internacional, alternativa de Brasília, com pista asfáltica ampla, de 1.800 metros de extensão. Só falta a estação de passageiros.

12 – Autorizar o estabelecimento de uma UNIDADE DO EXÉRCITO na área do polígono das Secas, em MONTES CLAROS, para atender a uma área de 120.000 quilômetros quadrados (maior do que a de 10 estados da Federação, separadamente considerados), com uma população de mais de um milhão de habitantes.

13 – Autorizar o Ministério da Agricultura a:

a) – Localizar na área do Polígono das Secas de Minas Gerais, em pontos diferentes, patrulhas moto-mecanizadas para serviços de destoca, aração, abertura de aguadas etc., para os fazendeiros, a preço módico, financiado.
b) – Criar campo de experimentação de sementes de algodão, mamona, milho e capins diversos, em Montes Claros, para atender a região poligonal mineira, e bem assim campos de multiplicação de sementes e mudas, em cooperação com os lavradores e fazendeiros.

14 – Atualizar o INDA a elaborar e por em execução um PROGRAMA DE SALVAÇÃO da cotonicultura regional, ameaçada de eminente colapso, por falta principalmente de assistência técnica. A região é a maior produtora de algodão no Estado e oferece condições raras, privilegiadas, para o cultivo dos algodões herbáceos e arbóreos, de fibras não somente do tipo paulista mas também de fibras média e longa, de que há permanente e ampla demanda nos mercados doméstico e internacional.

A população rural depende diretamente do cultivo do algodão, mas o cansaço das terras e o cultivo ainda feito em moldes ultrapassados, está fazendo cair a produtividade de ano para ano, tendo na safra atual caído ao recorde negativo de 20 arrobas por hectare, rendimento que não cobre, sequer, a metade do custo das lavouras. Apenas para comparação, informamos que o rendimento da cotonicultura no Paraná é de 110 arrobas por hectare. Mas era de 30 arrobas há 7 anos passados e elevou-se pela aplicação de boa técnica de cultivo.

15 – Autorizar a instalação de agências do Banco do Brasil ou do Nordeste na cidade de MONTE AZUL, VÁRZEA DA PALMA, MATO VERDE, SÃO JOÃO DA PONTE e JANAÚBA.

16 – Autorizar a instalação de agências do Banco do Nordeste nas cidades de FRANCISCO SÁ, PIRAPORA e BOCAIÚVA.

17 – Autorizar o término das obras do HOSPITAL NEUROPSIQUIÁTRICO DE MONTES CLAROS, paralisadas e se deteriorando.

18 – Autorizar o Banco do Brasil ou do Nordeste a financiar as Prefeituras Municipais do Polígono das Secas de Minas Gerais para aquisição de moto-niveladores, tratores de esteiras e caminhões-caçamba para melhoramento, conserva e abertura de estradas municipais e melhoramento e abertura de aguadas. Prazo longo e juros baixos.

19 – Construção de ponte sobre o Rio São Francisco junto à cidade de JANUÁRIA.

Formulo, pois, desta tribuna, um apelo especial ao Exmo. Sr. Presidente da República e a seus assessores mais diretos, para que atendam aos itens supra-enumerados, e assim proporcionem a Minas Gerais e especialmente à marginalizada Região Poligonal Mineira, os instrumentos de que carece para participar da vida nacional, não como a região que mais sofre com o êxodo rural, dentro de um Estado que hoje detém o triste recorde de vanguardeiro no fornecimento de elemento humano para os outros Estados da Federação, mas como uma faixa do território nacional que deseja reter seus filhos e participar do esforço geral para a retomada do desenvolvimento.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


37600
Por Luiz de Paula - 13/8/2008 07:24:05
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 34)
Tendo chegado ao Congresso Nacional com a unção do voto popular, na condição de investidor realizado, o Deputado Luiz de Paula Ferreira agiu sempre com liberdade absoluta. Como legislador, parecia estar sempre atuando adstrito a um compromisso com a História. Cabalmente por dentro, dos problemas nacionais, no evolver da atuação congressual, sua preocupação maior, sua constante busca foi sempre a solução mais adequada, oportuna, decisiva, para resgatá-los.
Seu compromisso era com a cultura, com a elevação dos costumes políticos, com a felicidade de seus representados. Afeiçoado à pesquisa e ao estudo especializado, nada iniciava sem fundamento, sem projeções no écran do futuro, a fim de calcular e prever riscos e sucessos. Só então se posicionava, e provia se fosse o caso.
O Dep. Luiz de Paula não nasceu para pequenezas. Quando modelava trazia a estrutura de sua dimensão pessoal. Tal característica é sua marca registrada.
Um dos primeiros projetos-de-lei que apresentou obrigava a impressão, nos produtos feitos no País, da legenda : FABRICADO NO BRASIL.
O seguinte, concedia financiamento às cooperativas agropastoris, e às Prefeituras Municipais, para aquisição de tratores, máquinas agrícolas, “jeeps”, camionetas de carga, fertilizantes e defensivos, através das Caixas Econômicas, Bancos Rurais e Banco do Brasil.
O imediato propunha fosse reduzido progressivamente o ICM e o IPI que incidem sobre tratores, máquinas agrícolas e implementos, e que os investimentos aplicados nas referidas máquinas fossem dedutíveis da renda bruta do agricultor, para efeito do Imposto de Renda.
Nascido de um patriciado rural, o Legislador não esquecia as origens, e com suas realizações em tantos outros setores, hoje é Homem do Mundo!
O Projeto que se seguiu o presidente ERNESTO GEISEL transformou em lei de sua lavra, obrigando que os anúncios e referências a promoção de vendas comerciais a prazo registrem o preço final.
Voltado constantemente para os problemas da educação, apresentou projeto de lei estabelecendo normas para prestação, pela União, de assistência técnica e financeira para o desenvolvimento do ensino primário nos Estados e no Distrito Federal. (Texto integral).
O subseqüente proibia a fabricação de fogos de artifícios, que efemeramente colorem lindamente os céus noturnos mas por vezes destroem bens materiais e vidas humanas, irrecuperáveis.
Em projeto-de-lei-complementar, com fundamentação inamovível, pleiteou a criação da Grande Região Metropolitana de Montes Claros.
Um dos últimos instituía o título honorífico “Líder da Alfabetização”, eis que sempre sonhou ver todo o Brasil mobralizado.
Sua presença na soberana tribuna da Câmara dos Deputados se fazia freqüente. Em seu primeiro pronunciamento pleiteava: a fim de que pudesse o Norte de Minas ser integrado no contexto de desenvolvimento nacional, que o Ministro dos Transportes concedesse prioridade à construção da BR-025, ligando Brasília a Camaçã, no litoral da Bahia, e asfaltasse o trecho Montes Claros-Curvelo. Ao Ministro do interior, encarecia a realização do levantamento sócio-econômico da área do Polígono das Secas em Minas Gerais.
Ao Ministro dos Transportes encaminhou Requerimento de Informação a respeito do asfaltamento de trecho da BR-135; sobre a inclusão da BR 135 no Plano Preferencial de Obras; e referente ao levantamento geo-econômico da região norte-mineira incluída no Polígono das Secas.
Em pronunciamento a seguir congratulou-se com o Presidente da República por sua decisão de determinar a permanência, em Brasília, dos serviços da Agência Nacional, e felicitou o Chefe da Casa Civil da Presidência, Rondon Pacheco, por sua intervenção oportuna no encaminhamento da solução do caso.
Requerimento de Informação ao Ministro do interior, sobre a transferência do DNOCS para Fortaleza. Outro ao Ministro dos Transportes pertinente aos motivos do abandono em que se encontrava a Ponte Marechal Hermes, na Estrada de Ferro Central do Brasil, em Pirapora. Mais outro, ao Ministério Extraordinário, para Assuntos do Gabinete Civil da Presidência da República referente a providências relativas à complementação da mudança, para Brasília, dos órgãos federais que ainda permaneciam na Guanabara. Um outro ao Ministério das Minas e Energia alusivo à conveniência da inversão de recursos na pesquisa e exploração do petróleo, face à ameaça de esgotamento das reservas nacionais, e em razão da guerra no Oriente Médio. Esta iniciativa demonstra a acurada premonição do Deputado LUIZ DE PAULA. Ela foi apresentada à Casa na sessão de 7 de junho de 1.967, e publicada no Diário do Congresso Nacional do dia seguinte, à página 3.057.
Em outro Requerimento de Informação ao Ministério da Fazenda pleiteava a prorrogação dos débitos dos lavradores e pecuaristas do Norte de Minas, referentes a financiamentos para cria e recria. Outro ao Ministério do Interior sobre a possibilidade da SUDENE proceder a um levantamento geo-econômico das cidades de Minas integrantes do Polígono das Secas, a fim de atrair investimentos para a Região. Outro ao Ministério da Agricultura a respeito de fornecimento de crédito, e do emprego de técnicas que estimulassem a região algodoeira de Montes Claros.
Em fala seguinte, anunciou reunião do Conselho Deliberativo da SUDENE em Montes Claros, e chamou a atenção daquele órgão para os principais problemas da zona mineira do Polígono das Secas.
Noutra manifestação da tribuna da Casa apelou ao Governador Israel Pinheiro no sentido da criação da Secretaria ou Conselho de Desenvolvimento do Polígono Mineiro das Secas, e defendeu a transferência da sede da SUDEMINAS para Montes Claros.
Requerimento de Informação ao Ministro do Trabalho a respeito do convênio assinado pelo INPS com hospital de Montes Claros. Outro ao Ministério do Interior sobre as razões do retardamento da instalação do Escritório Regional do INDA em Montes Claros.
Em “pequeno expediente” defendeu a criação de uma região metropolitana no Norte de Minas, tendo como centro Montes Claros.
Requerimento de Informação ao Ministério das Minas e Energia sobre as determinantes da Resolução nº 4/67, do Conselho Nacional do Petróleo, que proibia as cooperativas vender a seus cooperados combustíveis por preços inferiores aos tabelados pelos revendedores.
Em pronunciamento, comentou a intervenção que vinha de sofrer o cooperativismo no País, através da citada Resolução 4/67 do C.N.P., e recorreu ao Ministro da Agricultura para que defendesse os direitos do cooperativismo e do produtor rural.
Em pronunciamento, teceu considerações referentes à transferência do Governo para Minas Gerais, e enumerou as mais prementes reivindicações desse Estado.
Participando da comitiva do Sr. Presidente da República, entregou pessoalmente a Sua Excelência, em Belo Horizonte, um exemplar do pronunciamento que fizera na manhã daquele dia, na Câmara dos Deputados. Na oportunidade encareceu a importância de que se revestia, para Minas Gerais, a presença do Governo em Belo Horizonte.
(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


37529
Por Luiz de Paula - 9/8/2008 08:25:58
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 33)

ITENS NOS QUAIS ATUEI ESPECIFICAMENTE NESTE PRIMEIRO ANO DE MANDATO:

1. SUDENE
• Ação pessoal do Governador
Encareci ao Sr. Governador a indispensabilidade de sua presença em Recife, na Sudene, e quando ele foi, para o primeiro contato com a Sudene, em Recife, em reunião do Conselho Deliberativo, acompanhei-o, assessorando-o .
• Reunião do Conselho Deliberativo. Atuei desde o início, em contatos com Recife e Belo Horizonte, participando das reuniões preparatórias, sugerindo providências, recebendo e hospedando autoridades e assessores.
• Veto do Presidente à extensão da área poligonal. Atuei junto às bancadas, certificando-me antecedentemente de nossa vitória. Comuniquei ao Governador qual seria o resultado e ao ele dizer-me que eu estava trabalhando com interesse regionalista, respondi-lhe que era o contrário, ele, sim, no interesse regional mineiro, quanto a mim, cuidava do interesse nacional, coincidente com o de minha região, pois se a área do Polígono fosse ampliada a Sudene se esvaziaria com prejuízo para toda a Nação.

2. DISTRITO INDUSTRIAL – Obtive do Senhor Governador o compromisso de destinar 500.000 de letras do Tesouro para sua implantação. Brevemente mandará mensagem à Assembléia, já estando o Conselho do Desenvolvimento ciente dessa resolução.

3. REFORMA DE ESTRADAS – Obtive com o Diretor do DER autorização para reparos em 600 km. de estradas municipais, fora de Convênio, sem despesas para os Municípios. Já foram feitos 150 km. desse serviço, correspondentes ao primeiro ano.

4. GREVE DE PROFESSORAS PRIMÁRIAS - Quando mais intensa era a greve e mais radicalizadas estavam as posições, levei um grupo de líderes grevistas a Belo Horizonte e mantivemos entrevistas com o sr. Secretário da Educação e com o Sr. Governador do Estado, acabando-se o movimento na maior harmonia, sem maiores prejuízos para a classe estudantil, sem punição para as grevistas, reconhecidas que foram as suas razões para os atos de quase desespero.

5. RECEPÇÃO A VISITANTES – Por ocasião da realização da Reunião do Conselho Deliberativo da Sudene em nossa cidade, a 22 de setembro último, graves eram as expectativas a respeito da recepção popular ao sr. Governador do Estado e a seus ilustres colegas Governadores de outros estados e demais ilustres visitantes. Falava-se em vaias e apupos e os mais moderados tinham como certa a indiferença da população pela visita.
Trabalhei como devia trabalhar. A responsabilidade de criar condições próprias a uma recepção pelo menos aceitável era minha e eu a aceitei. Quando insisti em programar a concentração estudantil nas ruas, a assessoria da Prefeitura e a própria assessoria do Palácio quiseram dissuadir-me, mas insisti e ainda recusei que a Prefeitura decretasse feriado. Consegui que os professores que lideravam o movimento grevista lançassem uma proclamação pelo rádio convidando os alunos e pais de alunos para receberem em ordem e com entusiasmo os nossos visitantes e consegui ainda que eles próprios comparecessem ao Aeroporto e ali prestassem uma homenagem ao Sr. Governador, o que foi uma das notas mais bonitas e elevadas da reunião, ensejando ao Sr. Governador a encaminhar-se para a cidade com redobrada confiança.
O resultado, todos presenciaram. Foi a melhor recepção que o Governo teve, até então, no interior do Estado. Daí para cá Montes Claros cresceu visivelmente na amizade e na admiração do Sr. Governador.

6. VISITA DO VICE-GOVERNADOR - Tivemos a visita do sr. Vice-Governador, Dr. Pio Soares Canedo, o qual afirmou à imprensa que viera em visita à minha pessoa e à minha família.

7. ENCONTRO DO PRESIDENTE DO BDMG COM AS CLASSES PRODUTORAS – Já referido anteriormente e realizado por minha inspiração, desfez a impressão negativa que estava se formando a respeito dos líderes de nossa cidade, que propositadamente eram apresentados como cheios de si e intratáveis, contrastando com as lideranças de outras cidades do Polígono que também reclamavam as atenções do BDMG para seu desenvolvimento.
A atual direção do BDMG também reconhece em Montes Claros a liderança do Polígono e tem o melhor conceito da cidade e de seus líderes.

8. DESAPROPRIAÇÃO DA LAPA GRANDE E DA LAPA PINTADA – Já obtive a autorização por escrito, do Sr. Governador, para a lavratura do decreto de desapropriação, estando na dependência de detalhes a serem oferecidos pela Prefeitura.

9. EMPRÉSTIMO DO BANCO HIPOTECÁRIO À PREFEITURA – Solicitei o empréstimo, que já foi concedido, no importe de NCR$100.000,00 e consegui ainda que fosse retirada do contrato respectivo uma cláusula que a Prefeitura considerava inconveniente aos seus interesses.

10. IPSEMG – Consegui a criação de Departamento Médico-Dentário do IPSEMG, para atendimento aos servidores do Estado, já estando nomeados os médicos e os dentistas. Nada falta para a inauguração dos serviços, que ocorrerão a qualquer dia próximo.

11. INSTITUTO ESTADUAL DA FLORESTA – Consegui a criação e instalação de uma Delegacia e bem assim local (Escola de Menores) para a produção de mudas, as quais já estão sendo distribuídas gratuitamente aos interessados.

12. LAVANDERIA POPULAR – Levei ao conhecimento do sr. Prefeito o que vi em Itapetinga, na Bahia, e divulguei a solução ali encontrada mediante a instalação de tanques junto a uma creche modesta mas perfeitamente em condições de atender às necessidades da mãe de família proletária em sua tarefa de lavadeira. A Prefeitura aproveitou a indicação e já mandou ou vai mandar enviado a Itapetinga estudar o modelo para sua adaptação e implantação em Montes Claros.

13. SECRETARIA DE GOVERNO EM MONTES CLAROS – Não se trata de dar uma Secretaria de Governo a um representante de Montes Claros, mas sim de criar uma Secretaria ou órgão administrativo de igual nível e instalá-lo em Montes Claros. Constitui uma pretensão inédita, quase inconcebível e sem dúvida ousada. Mas justa, merecida e exeqüível, quando expostos os motivos.
A idéia me ocorreu quando investigava as causas determinantes, maiores e menores, do diferente tratamento recebido da SUDENE pelo chamado Nordeste Brasileiro e pela Região Poligonal Mineira. O tratamento privilegiado dispensado ao Nordeste em detrimento da área mineira, começou no Primeiro Plano Diretor. Naquele Plano – pasmem-se! – a área nordestina teve 99,98% das dotações e a área mineira nada mais que a migalha microscópica de 00,02%. O Segundo e o Terceiro Planos Diretores pouco avançaram além disso e note-se que todas as correções que se faziam “a posteriori”, face a cortes de verbas determinados pelos chamados Planos de Economia, resguardavam os interesses nordestinos e abandonavam os de Minas.
Investigando e pesquisando, desde logo sem o propósito de inculpar pessoas, encontrei como causa principal a pouca consciência que Minas tinha de sua área poligonal e bem assim da importância da Sudene. Isso principalmente porque em Minas a capital político -administrativa do Estado se encontrava distanciada por cerca de 400 quilômetros da linha mais próxima do Polígono Mineiro e por assim dizer de costas voltadas para a zona das secas, com as atenções dirigidas para o Sul e para o Triângulo, para o Rio e São Paulo. Enquanto no Nordeste as capitais se localizam na própria área das secas, vivendo o ambiente do Polígono, sentindo-lhes os problemas e sugerindo e acompanhando de perto a atuação da Sudene.
Quando o Governo do Estado, em campanha recente, procurou conjugar esforços para estender a área de atuação da SUDENE em direção ao Sul, coloquei-me a favor do veto presidencial, contra a ampliação. Após a vitória dessa posição, levei ao Governo a idéia da criação da Secretaria para o Norte de Minas. Apoiando no argumento de que é indispensável a presença efetiva do Governo na faixa das secas. Se não foi possível a ampliação do Polígono até próximo a Belo Horizonte, indispensável se tornava instalar-se em Montes Claros, capital natural do Polígono Mineiro, um órgão de Governo de nível de Secretaria, para entender-se diretamente com o Governador, e representar efetivamente o Governo na SUDENE.

14. ENCHENTES – O impacto da tragédia ocorrida em nossa cidade e enlutando famílias amigas, nos atingiu amargamente com toda a sua violência, ao visitarmos o local, pouco depois do salvamento dos sobreviventes. Voltando à cidade, telefonei ao Sr. Delegado de Polícia, Cel. Atílio Fallieri, que se encontrava em Belo Horizonte, e solicitei ao mesmo que se encarregasse pessoalmente das providências junto às autoridades governamentais para a vinda de um helicóptero, de medicamentos e de reforços para o Corpo de Bombeiros, para proteção de todas as áreas atingidas. Foi providencial, pois sem essa atuação do Cel. Atílio Fallieri, que mantinha constante contato com o Delegado Substituto, Cap. Vasco Lacerda, o atendimento teria sido retardado. Na madrugada do dia seguinte, eu próprio segui para Belo Horizonte, para entender-me com a Ruralminas sobre providências de proteção às populações ribeirinhas, rio abaixo até a foz. Por funcionário meu, enviei na frente para avisar na Colônia da Jaíba e à população orientação sobre cautelas a serem tomadas (vacinas, antibióticos e malarígenos).
Em momento algum estive na disputa pela propriedade da enchente...

15. DELEGACIA REGIONAL DA JUNTA COMERCIAL para Montes Claros. Requeri e obtive a criação. No penúltimo dia do ano, no Palácio do Governo, o sr. Presidente da Junta, ex-deputado Hermelindo Paixão, informou-nos que a instalação se daria em 1968.

16. SECRETÁRIO DE GOVERNO – Soube que a imprensa da capital noticiou que o meu nome se encontrava entre aqueles sob estudo do Sr. Governador. Posso afirmar que não tenho a mínima pretensão neste sentido.

17. ÚLTIMO ITEM – Neste foi o em que mais produzi. Por omissão. Não mudei delegado de polícia, nem diretor de ginásios ou Escola Normal, nem delegada ou inspetora de ensino, nem médico de Centro de Saúde, nem nada. Amem.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


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Por Luiz de Paula - 6/8/2008 09:13:17
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 32)

Não me arrependera, pois, por estar me dedicando prioritariamente a uma solução feliz para a administração do Município. E não obstante ter ingressado na campanha ao apagar das luzes, tive a ventura de ser bem acolhido. Montes Claros não me foi ingrata. E fui o CANDIDATO MAIS VOTADO NO MUNICÍPIO e em muitos outros do Norte de Minas.
Compreende-se, pois, em resumo, que para mim, ao ser convidado, era difícil resolver se aceitava ou não ser candidato. Ao contrário da maioria dos outros candidatos, quase a totalidade disputando a reeleição, comigo ocorria e ocorre o seguinte:

1 – Não sou político profissional.
2 – Sou homem de empresa, no exercício efetivo de meus negócios, com uma vida particular que me agrada e me é interessante e ao mesmo tempo útil, ativa e plena de trabalho.

O exercício do mandato na Câmara Federal abriu uma lacuna em meus negócios, cujas conseqüências procurei atenuar colocando em meu lugar um representante pessoal, advogado competente e fraternal amigo, o dr. José Prudêncio de Macedo, outorgando à minha esposa procuração para assinar em meu nome e pela Algodoeira e criei modelos de boletins para controle à distância. E durante o primeiro ano, visitei semanalmente Montes Claros, em viagem de 20 horas, de ida e volta, realizada quase sempre à noite, a fim de ganhar as horas do dia para o trabalho. Foi um período de atividades intensivas. O motorista dormia durante o dia para viajar a noite e eu às vezes passava dia e noite sem dormir.
Mediante o treinamento da equipe e melhor programação e aparelhamento técnico da empresa, resultado da experiência deste primeiro ano, espero continuar dando o mesmo atendimento que estou dando em Brasília e em Belo Horizonte, sem necessidade do sacrifício incomum que fiz no primeiro ano e dos riscos de vida a que me expus em constantes viagens noturnas.
Quem se der ao trabalho de raciocinar sobre o que aqui vai indicado, há de verificar que realmente não me foi fácil optar, e há de igualmente poder avaliar devidamente quão pesado me tem sido o sacrifício decorrente da opção tomada para servir especialmente a minha região.
Antônio Lafetá Rebello foi o nosso escolhido para candidato único. Eleito e empossado, desencadeou ele um “rush” administrativo jamais visto antes na região, valorizado, mais ainda, pelo procedimento correto e superior da nova administração, no trato da cousa pública e nas atividades de ordem política. Pôde então ver toda a cidade e pôde toda a região e o Estado saberem que Montes Claros acertara na escolha de seu administrador.
Inspirada fôra, pois, minha proclamação de outubro de 1965 e válidos todos os sacrifícios feitos para torná-la realidade efetiva.

No período entre as eleições e a posse, fiz levantamento dos problemas da região e especialmente de Montes Claros, e levei ao conhecimento do Governador do Estado os itens cujo atendimento caberia ao Estado. As demais considerações, levei-as comigo para a Câmara Federal, onde venho trabalhando no afã de que sejam atendidas.

De início, uma de minhas preocupações constantes foi corrigir a imagem distorcida que se fazia de Montes Claros e da região, não só em Belo Horizonte mas especialmente em Brasília, por falta de informações adequadas. Foi quando, ao mesmo tempo, eu quis divulgar a região norte-mineira e apresentar Montes Claros não somente como a terra do boi e do algodão, mas também como a terra da cultura, da educação e do ensino, da livre iniciativa, das lideranças esclarecidas, do altruísmo, da hospitalidade, das possibilidades econômicas ilimitadas, das tradições, do folclore, das pesquisas, do esporte, da mocidade atualizada com os problemas nacionais. A Montes Claros pólo administrativo, centro rodoviário e aeroviário de expressão nacional, empório regional, capital do Polígono.

No setor estadual, fiz-me presente junto ao Governador e aos Secretários de Estado e assessorias, fixando desde o início, com clareza, um conceito definido sobre meu estilo de trabalhar e sobre meus propósitos, distanciados do procedimento comum. Desde os meus primeiros contatos com a administração estadual ficou reconhecida a minha preocupação com os assuntos de ordem administrativa e de interesse coletivo, desinteressando-me da politicagem e do fisiologismo. Hoje o meu modo de atuar é geralmente conhecido na esfera administrativa estadual.

Após a instalação do novo Governo Estadual, havia, no tocante às relações e ao entendimento entre Montes Claros e o Palácio da Liberdade, sérias reservas, de parte a parte. Em Montes Claros se acreditava que em face da origem política do Governador Israel Pinheiro, pessedista, amigo de Juscelino, o Palácio da Liberdade seria hostil. E fervilhavam as conjecturas e boatos, focalizando especialmente a Associação Rural – sabido que os fazendeiros, em sua maioria, apoiaram o candidato derrotado – e o Frigonorte, que, segundo se dizia, o Governo iria subordinar à administração da Frimisa. E para mim se voltavam todos na expectativa de entendimentos e providências.

No Palácio da Liberdade também se formara um ambiente de expectativa, face às boas relações da assessoria do Governo anterior com as classes produtoras de Montes Claros, especialmente com os ruralistas, revolucionários de 31 de março, que fizeram campanha aberta em favor do candidato Roberto Resende, ao qual deram a vitória no município.
Em Montes Claros se comentava que ia ser derrubada a diretoria do Frigonorte, nomeada pelo sr. Magalhães Pinto, e que o Governador Israel Pinheiro iria prestigiar os municípios em que fôra vencedor.

Coube ao meu trabalho de esclarecimento junto ao Governo e às entrevistas que promovi, de representantes das classes ruralistas e outras, com o Sr. Governador do Estado, desanuviar o ambiente. A renovação da Diretoria do Frigonorte, que estava se transformando em um “affaire” delicado, deixou de sê-lo, e bem assim a nova atitude do BDMG para com o mesmo Frigonorte, que vinha sendo objeto de comentários desencontrados, também se esclareceu. O Frigonorte continuou com a Diretoria escolhida no Governo anterior, do agrado dos ruralistas, e o Banco do Desenvolvimento reforçou o apoio que vinha sendo dado ao empreendimento. Quando o Governador veio a Montes Claros, 5 meses depois de empossado, já estava o seu Governo afinado com as lideranças de Montes Claros.

Por mais duas vezes recebi o Governador em nossa cidade e por inspiração minha tivemos a presença do presidente do BDMG para um debate com as classes produtoras sobre os problemas regionais.

A minha convicção de que essa visita era necessária decorreu do seguinte. Estivera presente ao 1º Encontro de Investidores do Polígono, realizado em Pirapora, e presenciei o esforço desenvolvido pelo Presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais e por sua assessoria, e testemunhei a acolhida entusiástica que ele ali recebeu, em contraste com a indiferença com que foi acolhido em Montes Claros, em 22 de setembro, quando as atenções estavam todas dirigidas para os 5 governadores presentes e para o General Superintendente da Sudene. Na ocasião, quando o programa ainda não havia terminado, encontrei o presidente do BDMG a caminho do aeroporto, antecipando seu regresso. Acompanhei-o até o Aeroporto e convidando-o a voltar quando suas obrigações permitissem-lhe demorar-se mais. Em minha viagem seguinte a Belo Horizonte, levei o convite formal da Prefeitura Municipal. Ele veio, conheceu as potencialidades econômicas de Montes Claros, os seus líderes e a sua hospitalidade e tornou-se um admirador nosso e voltará para a aula de abertura do ano letivo, na Escola Normal e já programou duas jornadas econômicas para a região, no princípio deste ano, uma em Januária e outra em nossa cidade. Além da próxima realização em Montes Claros do 2º ENCONTRO DE INVESTIDORES DO POLÍGONO, a cuja programação se entregou com entusiasmo e para cujo sucesso já se está entendendo com o empresariado de São Paulo, da Guanabara e de nosso Estado, para um grande comparecimento.

Antes Montes Claros nunca estivera a par dos assuntos do Estado no próprio nível em que são debatidos.
Chegamos a esses resultados sem que de nossa parte houvesse experiência anterior de prática política. E com apenas um ano de exercício do mandato.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


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Por Luiz de Paula - 2/8/2008 08:14:44
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 31)


Nas eleições municipais de 1962, o PSD – Partido Social Democrático – encontrava-se tão enfraquecido em Montes Claros que não foi capaz de apresentar candidato próprio para sucessão do então prefeito Dr. Simeão Ribeiro Pires, do PR – Partido Republicano.
Para somar forças, o PSD uniu-se à UDN-União Democrática Nacional, que indicou o Capitão Enéas Mineiro de Souza para cabeça da chapa.
Eu não era político. Era simples eleitor ligado ao PSD por laços de família. Foi com surpresa que recebi o convite para ser candidato a vice-prefeito na chapa encabeçada pelo Capitão Enéas.
Naquele tempo a votação para vice não era feita em conjunto com a do candidato a Prefeito. O Vice era votado separadamente.
A chapa aparentemente mais forte era a do PR, formada pelo Dr. João Valle Maurício e Dr. Mário Ribeiro, que tinha o apoio do prefeito, Dr. Simeão Ribeiro Pires, todos do PR e meus amigos.
Em seguida vinha a nossa, formada pela união da UDN e PSD.
E por último a do PTN, tendo a encabeçá-la a figura carismática do Dr. Pedro Santos.
Terminada a eleição foi eleito o Dr. Pedro Santos, vindo o Capitão Enéas em segundo lugar.
Para vice o eleito fui eu.
Foram quatro anos em que, por solidariedade ao Capitão Enéas, não compareci à Prefeitura nem como visitante, embora sendo amigo do Dr. Pedro Santos.
Em novembro de 1965, nosso chefe político, em Montes Claros, passou-me o bastão.

“Meu caro Luiz,
Lamento não me ser possível comparecer, à noite, à instalação do Bureau de nosso partido, por ser inadiável a minha viagem de hoje.
É uma ligeira insubordinação à ordem do comando, contrariando meu temperamento naturalmente inclinado a sempre me encontrar como um dos componentes da grei pessedista, fiel ao atendimento das determinações partidárias.
Assim regresse entrarei em sintonia com as deliberações dos companheiros, aos quais peço desculpas pela ausência involuntária, submetendo-me prazerosamente às decisões que antecipadamente louvo e aplaudo.
Contudo é bom que vá se acomodando ao generalato (cujo bastão já detém), ao final, bem certo estou, todos os correligionários se submeterão com firmeza e satisfação para lutas e vitórias futuras.
Do amigo

Alpheu Gonçalves de Quadros”

Nas eleições de 1966, instado por amigos, acedi em disputar uma cadeira na Câmara dos Deputados.
Tendo meu nome indicado pelo Governo do Estado para participar da chapa da ARENA, representando especialmente a região norte-mineira, refleti muito antes de assumir uma posição.
Várias razões estavam a indicar-me o exame do assunto com a maior seriedade e prudência. A fim de não deixar-me impressionar pelos atrativos mais visíveis e por possíveis entusiasmos de momento. Uma das razões que tinha de considerar era a minha condição de homem de empresa, no comando efetivo dos negócios e engajado no movimento de expansão industrial da região. A oportunidade que me era oferecida encontrou-me em plena atividade empresarial, proprietário e principal executivo de uma empresa dedicada ao beneficiamento e comércio de algodão, em plena atividade. O período de um ano como Governador de Rotary, terminado em julho de 1966, evidenciara o quanto minha ausência era prejudicial aos negócios. Não era, pois, fácil tomar uma resolução para quem encarava a situação com honestidade para consigo próprio e para com a região.
De um lado, tinha a considerar a oportunidade que me era oferecida de trabalhar durante 4 anos pela região, junto aos mais altos escalões políticos e administrativos do país, politicamente entrosado com a administração estadual. Tudo isso em uma fase importante e decisiva para a região, quando problemas básicos de cujo bom encaminhamento e solução dependiam melhores ou piores perspectivas de futuro para o Norte de Minas, se encontravam por assim dizer na mesa dos debates aguardando as decisões.
E do outro lado devia considerar os sacrifícios que seriam exigidos às minhas atividades profissionais, à minha família e finalmente à minha vida de cidadão comum, organizada e com uma projeção de futuro que me satisfazia amplamente e não incluía o afastamento de Montes Claros e muito menos o exercício de um mandato em Brasília.
Por isso demorei tanto a decidir-me. No último momento, ao se encerrarem as inscrições, prevaleceu o interesse do bem público. Aceitei para servir.
Aliás, já estava servindo à comunidade antes dessa decisão, pois a mim coubera, mais que a muitos outros, o paciente trabalho de escolha de um candidato único para ADMINISTRAR o Município. A memória do povo é fraca e poucos se lembrarão que o meu trabalho havia começado um ano antes e foi por ter começado a tempo que frutificou. Em 9 de outubro de 1965, quando o resultado das eleições indicavam a vitória do Governador Israel Pinheiro, dei entrevista ao JORNAL DE MONTES CLAROS, cujo conteúdo foi resumido em sua manchete principal: LUIZ DE PAULA PROPORÁ CANDIDATO APOLÍTICO PARA A REFEITURA. Eis o teor da entrevista:
“O sr. Luiz de Paula declarou ao Mais Lido que pretende atuar no seio do diretório do PSD, no sentido de que se criem condições para indicação de elemento eqüidistante da luta partidária para a Prefeitura de Montes Claros. Informou que a primeira condição que estabeleceu para esse trabalho, é o afastamento do seu próprio nome, a fim de que possa mais facilmente desenvolver os entendimentos que vierem a ser necessários. Segundo afirmou, as condições atuais permitem ao PSD local quebrar lanças com o objetivo de colocar elemento seu na Prefeitura, mas acredita o sr. Luiz de Paula que, por isso mesmo, esta é a melhor oportunidade para demonstrar os objetivos superiores do partido, ao defender a tese da candidatura apolítica.
Disse o vice-prefeito de Montes Claros que já é tempo de se pensar em um administrador equidistante dos partidos políticos. A cidade precisa de um administrador que lhe possa devotar a maior parte do seu tempo, sem outro interesse que não o de dar o devido valor à coisa pública. Citou vários nomes, de elementos capazes e que se enquadram perfeitamente nos objetivos pretendidos, mas que se lançados a uma disputa eleitoral, não obteriam êxito. Assim sendo, para que a política não continue tolhendo os passos da cidade, é preciso que haja despreendimento por parte dos diretórios de partidos locais, a fim de que seja dado à cidade um administrador autêntico, um prefeito capaz de acompanhar o ritmo de desenvolvimento da cidade. Salientou o sr. Luiz de Paula, principalmente as realizações que se anunciam em benefício da cidade e que irão coincidir com o próximo mandato: Distrito Industrial, asfalto para Belo Horizonte, ligação com a Rio-Bahia, elevação de Montes Claros como “capital agrária” e outras. E concluiu:
– Se não houver na Prefeitura um prefeito capaz e disposto a dar a maior parte do seu tempo à administração, tudo isso se perderá.”
Tal era a firmeza de meu propósito e a minha preocupação com o assunto, que em proclamação ao povo, lançada na mesma data e publicada na mesma edição do jornal, também em sua primeira página, e na qual cumprimentava e agradecia a todos que haviam participado do esforço pela vitória do Governador Israel Pinheiro, que, no final, acrescentei esse trecho, que não fôra essa preocupação em que me encontrava e a certeza de que assim estaria aplainando os caminhos, não teria ali cabimento: “No que respeita a Montes Claros, quando soar a hora da escolha do candidato ao governo do Município, é propósito firme do PSD local procurar um administrador capaz e à altura do momento em que vivemos, sem a excessiva preocupação partidária que poderia dificultar o diálogo natural para a seleção dos melhores.
Com a ajuda de Deus não faltaremos voluntariamente ao trabalho pelo bem-estar do povo”.
E nesse sentido foi a minha atuação daí por diante, e um ano após, ao inscrever-me como candidato e tendo conhecimento de que todos os concorrentes levavam dianteira em suas campanhas, com grande massa de eleitorado já comprometida com outros nomes, mesmo assim não me arrependi de estar colocando a escolha do nome para a Prefeitura acima de meu próprio interesse de candidato e declarei na “Mensagem a Montes Claros e ao Norte de Minas”, que então distribuí por não dispor mais de tempo para fazer como os demais candidatos que já haviam percorrido toda a região e em Montes Claros estavam visitando todas as casas residenciais e de comércio.
“Esta é a primeira oportunidade que tenho de dirigir-me em mensagem especial ao povo de minha terra. Como todos sabem, a condução do problema da sucessão municipal custou-me pesado trabalho e longo tempo. Por mais de um mês dediquei-me à tarefa de encontrar, juntamente com as outras partes, uma solução de harmonia na escolha de candidatos únicos a Prefeito e Vice-Prefeito e na indicação de Vereadores e Juizes de Paz de nosso Município, por forma a termos uma sucessão tranqüila e um governo municipal com o apoio de todos os partidos.
Enquanto eu me dedicava a essa tão nobre e necessária tarefa, os outros candidatos, desobrigados dessa responsabilidade, faziam a sua campanha.
Mas valeu meu sacrifício. O resultado alcançado constitui uma vitória dos homens de boa vontade de nossa terra e uma vitória de Montes Claros.
Todavia, o tempo correu célere e eu tenho de trabalhar um pouco também para mim. Graças a Deus confio no povo de minha terra e tenho a certeza de que estamos juntos em nossa batalha pelo desenvolvimento da região e para nossa vitória.
Devo dizer, caros amigos, que aceitei ser candidato a deputado federal por nossa região por entender que o Norte de Minas precisa agora, mais do que nunca, de representação própria na Câmara Federal. Que seja própria e que seja autêntica, que bem represente o nosso povo em todos os sentidos, em todos os campos de atuação, seja no conhecimento da legislação e da organização administrativa, e bem assim das técnicas de trabalho, e que tenha vocação para a prestação de serviço a outrem e capacidade, para o estabelecimento de boas relações nos meios profissionais, intelectuais, políticos e sociais, da Capital Federal, onde se constroem boas amizades, úteis aos interesses das comunidades representadas”.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


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Por Luiz de Paula - 30/7/2008 09:48:00
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 30)

NOVAMENTE EM MONTES CLAROS

Após o balanço e entrega da filial de Juramento ao comprador, sr. José Gonçalves, comerciante estabelecido na localidade, fui transferido para a nova matriz da firma, em Montes Claros, com comércio por atacado de cereais, ferragens e bebidas e engarrafamento de cachaça. E compra de algodão e mamona. Era o ano de 1938.
Em 1939 matriculei-me na Escola de Comércio do Instituto Norte Mineiro de Educação, em horário noturno de 19:00 às 22:00 horas.
Seis anos depois de ter deixado o ginásio eu estava voltando a uma sala de aulas diplomando-me 4 anos depois, como Perito Contador, sempre como primeiro aluno da turma, durante todo o curso.
Em 1940 a firma encerrou a atividade comercial e ingressou na indústria de beneficiamento de algodão, sob a razão social de Sociedade Algodoeira Montesclarense, para a qual eu fui transferido como tesoureiro e auxiliar de escritório.
Em 1943, como já relatei, assumi a contabilidade da empresa.
Três anos mais tarde acumulei a gerência e passei a receber 5% dos lucros da empresa.
Em 1952 os dois sócios fundadores decidiram dissolver a sociedade e cada um deles propôs adquirir a parte do outro desde que eu a assumisse.
Contei os meus níqueis e propus comprar 35% das quotas do sócio de Curvelo, tendo o sócio local adquirido 15%.
Dez anos depois de haver recebido o diploma de Perito Contador, ou seja, em 1953, matriculei-me na Faculdade de Direito de Niterói. Para tanto pedi um ano de licença à empresa e fui para o Rio de Janeiro preparar-me para enfrentar os exames vestibulares, que exigiam, para os contabilistas, além das provas de português, inglês ou francês, também as de História da Filosofia e História do Brasil e Geral.
Éramos 665 inscritos no vestibular. Obtive o 2º lugar, porque preferi o idioma francês ao inglês, embora sabendo que a banca examinadora de francês não admitia nota acima de 7. Minha nota nas provas de francês foi 7. A aluna que obteve o primeiro lugar, de nome Ingborg, preferiu o inglês. O pai dela era professor da faculdade e examinador das provas de inglês. Ela obteve nota 10. Merecidamente. Não foi ajudada. Mas perdeu para mim nas outras matérias. Mas com essa diferença de 3 pontos ultrapassou a soma de minhas notas.
No final do curso, em 1957, obtive as maiores notas da Faculdade. Primeiro lugar. Tenho as minhas notas e as da Ingborg, no final do curso. Ela também se colocou entre os primeiros. A diaba da moça é competente.

LPF - 5 – 10 – 8 – 8 – 8 – 10 = 49
INGBORG - 6 – 7 – 8 – 7 – 9 – 8 = 45

Em 1960, o sócio majoritário, que havia fixado residência em Belo Horizonte, vendeu-me os 65% que possuía, com um ano de prazo e juros de 1,5% ao mês.
Como detentor único da Sociedade Algodoeira Montesclarense, transformei-a em sociedade anônima, sob a denominação de Algodoeira Luiz de Paula S/A, incluindo como sócio, sem capital, o comerciante Gentil Antunes de Souza.
Em 1967 criei a Cia. de Tecidos Norte de Minas – COTEMINAS, convidando para sócio o sr. José Alencar Gomes da Silva. Nesse mesmo ano entramos com o projeto na Sudene.
Em 1968, a fim de reunir recursos financeiros para implantação da fábrica de tecidos, vendi a Algodoeira à firma Pereira Diniz & Cia, de Curvelo.
Entregamos aos compradores uma empresa sólida, conceituada, apresentando lucros crescentes, seguidamente, ano após ano.
Três anos depois eles faliram.

FALANDO COM MARIA ISABEL

A vida é uma dádiva de Deus. Uma graça que nos permite alcançar o ponto culminante da evolução da matéria. E ser por algum tempo um ente que pensa e cria.
Assim acreditando tenho sempre amado a vida e valorizado o que possuo - a família, a saúde, a moral, os amigos, a natureza, a crença em um ser superior.
Gosto de fazer pausas na labuta do dia e sentir o que há de valioso em minha volta. E de me comprazer com isso. Os exemplos vêm de minha infância. Criança de 9 anos, distante de meus pais e vivendo em Montes Claros, eu era engraxate.
Pobre e vindo da roça, e ingênuo na profissão, sofri a princípio com as perseguições dos concorrentes.
Ficávamos em fila, lado a lado, na calçada da rua Simeão Ribeiro, acompanhando o muro que então havia onde é hoje o Restaurante Montes Claros, do sr. Pedro Valério, e a loja de roupas do João Leopoldo França. No quarteirão em cuja esquina, com a rua Governador Valadares, ficava o Bar do sr. Brasiliano Ribeiro da Cruz e onde é hoje a Lanchonete Cristal.
Era um trecho de rua de muito movimento, principalmente nas manhãs de domingo, quando o povo das ruas de cima descia para assistir às missas das 7 e das 9 horas, na igreja Matriz.
Eu não tinha capital para comprar latas grandes de graxa inglesa “Âncora”, que era a melhor, mas custava um mil réis, cada lata. Comprova latinhas de graxa brasileira, de qualidade inferior, de trezentos réis cada. Quando o freguês, ao acaso, assentava-se na minha cadeira, e eu começava a retirar meu material da caixa - as escovas para tinta e graxa, o vidro de tinta, o pano de dar brilho, e as latas de graxa, meus concorrentes, de um lado e outro, punham as mãos na boca, fingindo tentar esconder um riso incontido, ao mesmo tempo em que lançavam olhares denunciadores às minhas pequenas latas de graxa e ao freguês, a quem procuravam denunciar a má qualidade do meu material de trabalho.
As minhas duas escovas para sapatos pretos, eu não as pude comprar de cerdas macias, que eram mais caras. As que pude comprar, de baixo custo, eram ásperas. Em razão disso, alguns colegas iam mais longe na denúncia. Falavam comigo, mas para serem ouvidos e entendidos pelo freguês: “essas escovas suas são para raspar cavalos. Elas riscam o couro do sapato...”
Não obstante toda essa barra que enfrentava, eu me lembro de um dia em que coloquei as duas mãos no interior da caixa e pelo tato fui repassando cada um dos apetrechos que àquela altura constituíam todo meu patrimônio na vida. As escovas, para sapatos vermelhos e para sapatos pretos, um par para cada cor. As escovinhas de dentes, para tintas vermelha e preta. As latas de graxa, também das duas cores. As tiras de flanelas, para o brilho, no final do trabalho. E assim por diante. À medida em que manuseava, um por um aqueles instrumentos de trabalho, que haviam custado o meu dinheiro e que eu fôra melhorando e completando aos poucos, à medida em que eu sopesava cada um e identificava sua utilidade, ia tomando conta de mim uma euforia nunca sentida antes, uma grata sensação de felicidade.
Quando, um ano mais tarde, pude voltar para casa, vendi esse patrimônio por cinco mil réis... Equivalente ao salário de um dia de um trabalhador comum.
Meus colegas da rua Simeão Ribeiro haviam se tornado, com o tempo, amigos e companheiros de futebol no largo da Igreja do Rosário.
Hoje recordo esse tempo com saudades.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


37228
Por Luiz de Paula - 26/7/2008 09:28:24

(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 29)

ALGODOEIRA LUIZ DE PAULA S/A.

[Primeira foto]

Em 1968 vendi a Algodoeira para dedicar-me à implantação do projeto COTEMINAS, do qual fui o primeiro presidente, permanecendo na presidência durante 19 anos, até a idade de 70 anos, a partir de quando passei a vice-presidente. Hoje a COTEMINAS possui 16 fábricas de tecidos e confecções, sendo 5 em Montes Claros e 11 no Rio Grande do Norte, Paraíba, Santa Catarina e Goiás e na Argentina.

ALGODOEIRA

[Segunda Foto]

Naquele dia longínquo de 3 de março de 1936, se eu possuísse 5.000 réis (cinco reais de hoje), teria recusado o emprego e regressado à Várzea. Permaneci em Juramento obrigado pela necessidade. Eu não tinha um tostão no bolso. No entanto foi naquele modesto emprego e no crescimento que a firma foi alcançando através do tempo, que pude voltar a estudar, em cursos noturnos, formar-me em contabilidade e depois em direito e a tornar-me sócio fundador de empresas comerciais e fábricas de tecidos. E eleger-me vice-prefeito de Montes Claros e deputado federal. E ser eleito Industrial do Ano do Estado de Minas Gerais, em 1979, em razão do sucesso da COTEMINAS.

MORAL DA HISTÓRIA

Se eu tivesse 5.000 réis no bolso, naquele distante 3 de março, teria deixado Juramento no dia seguinte, perdendo a oportunidade de conhecer todas as possibilidades daquele emprego. Mas a necessidade me impôs ficar. Já diziam os antigos:

AS FACILIDADES ENGANAM,
A NECESSIDADE ENSINA.

[Terceira foto]

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


37075
Por Luiz de Paula - 19/7/2008 08:27:35
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 28)

Em Várzea fazíamos serestas cantando as canções de Orlando Silva, Francisco Alves, Sílvio Caldas e as modinhas de João Chaves.
Amanheci decidido. Ia voltar para Várzea. Mas eu não tinha um tostão no bolso. Precisava no mínimo de 5.000 réis para voltar de carona até Corinto e com a ajuda de Manoel de Sá, fazer o pernoite no hotel e prosseguir no outro dia para Várzea. Meu ordenado era de 150.000 por mês, cativo a 70.000 de pensão. Por dia, líquidos, eu ganhava 2.666 réis. Se eu possuísse 5.000 réis, voltaria imediatamente. Mas como não tinha, restava-me trabalhar até sábado, quando diria que viera a título de experiência e que desejava receber o saldo dos dias trabalhados.
Assim decidido, trabalhei os restantes dias da semana e no sábado aguardava a hora de fechar a loja para conversar com o sr. Adair.
Mas no sábado, à tarde, antes, portanto, da minha conversa, o sr. Adair me falou:
– Juramento agora tem delegado novo. E ele quer mandar no horário das lojas. Até recentemente ninguém fechava aos domingos. Era muito bom para o povo da roça, que vinha fazer suas compras sem perder dia de serviço. Mas o novo delegado espalhou edital por todo lado proibindo o comércio de funcionar aos domingos. Nós estamos cumprindo, em parte. Eu fecho as portas mas conservo aberta essa primeira porta que é de entrada para a loja mas também para a residência. E atendo aos fregueses.
Eu o ouvia, com um pé atrás, como se diz. Com receio de que aquela conversa viesse atrapalhar minha decisão.
E o sr. Adair prosseguiu.
– Amanhã cedo estou indo a Glaucilândia. Você vai tomar conta da loja. Abra a porta e fique atento. Pode atender a todo freguês que vier. Se o delegado aparecer você dirá que a loja está fechada. Que a porta aberta é a da residência. E a ordem que você tem é para atender a algum freguês que necessitar com urgência de alguma mercadoria indispensável para ele.
No resto da tarde, enquanto trabalhava eu pensava. O sr. Adair não me conhece. E no entanto está confiando em mim. Está me autorizando a tomar conta da loja. A vender e receber dinheiro, sem fiscalização alguma. Essa atitude dele me comoveu. E raciocinei: eu sou honesto, mas ninguém é obrigado a achar que sou. Se ele acha, então ele merece meu respeito. Não posso dizer a ele, à noite, que vou sair. E decidi fazer o sacrifício de ficar mais uma semana e sair no sábado seguinte. Havia um dado positivo nesse adiamento. Eu não iria precisar do empréstimo do sr. Manoel de Sá para a carona de Corinto.
Ficou então a minha decisão prorrogada para o sábado seguinte. Foi uma semana de muito trabalho. Tive de acostumar-me a carregar nos ombros sacos de cereais de 60 quilos, que apanhava no armazém, localizado em outro prédio, para refazer os estoques do varejo. Era trabalho pesado para quem pesava apenas 52 quilos e não estava habituado a carregar volumes de 4 arrobas. Cabia-me também receber na balança do armazém as compras de algodão e mamona. Mas o serviço mais desagradável era o da banca de toucinho. Porque não dava tempo de lavar as mãos. Mal e mal as esfregava nas bocas dos sacos de cereais. Animava-me a certeza de que no fim de semana eu regressaria à Várzea. Teria regressado no dia seguinte ao da minha chegada se eu tivesse 5.000 réis no bolso.
No sábado, a certa altura da tarde, o sr. Adair voltou a falar comigo.
– Amanhã estou indo novamente a Glaucilândia. Você vai comigo. A gente toma uma cerveja e almoça na pensão da Donana. É uma comida muito boa. Depois vamos dar umas voltas no lugar. Quero apresentá-lo a algumas pessoas de lá. A loja fica fechada. É um dia só. Não faz mal.
E agora? – Pensei eu. Não posso desapontar uma pessoa que reconhece o valor da minha pessoa e me trata como gente e não como um caixeiro novato.
E adiei a minha viagem para o outro sábado.
Meu projeto de vida era ser advogado ou médico. Estava ali dando tempo ao tempo, para não ficar a-tôa, até conseguir emprego onde pudesse trabalhar durante o dia e estudar à noite. Minha conclusão era que esse caminho não passava por Juramento Velho. Ali era um recuo e não um avanço em meu projeto de vida. Eu estava trabalhando amargurado.
Na semana seguinte o sr. Adair teve uma conversa particular comigo. Aproveitou o horário de almoço dos outros caixeiros e me disse:
– Eu tenho observado que o pessoal da roça o cumprimenta e você, estando de costas, aviando mercadorias, responde sem se virar, sem dar atenção em quem o está cumprimentando. Isso não é bom. O pessoal da roça repara essas coisas.
Eu ouvi calado e calado fiquei. Mas compreendi muito bem e dei mais um crédito ao sr. Adair por me haver falado em particular.
Naquele mesmo dia, estava eu de costas para o balcão, enchendo uma medida de quatro litros, para atender a um freguês, quando ouvi a voz de um freguês chegante.
– Boa tarde, moço.
Aí me virei, executando uma volta de 180 graus e olhei, com um sorriso, o recém-chegado.
– Boa tarde, amigo. Vou atender ao senhor daqui a pouco.
Aquela volta de 180 graus não foi só no espaço físico. Eu tinha resolvido viver dentro da minha realidade. Meus sonhos de advocacia e medicina, muito bons, iam ficar arquivados. Voltei-me nesse giro de 180 graus para o que era real naquela fase de minha vida. “Agora vou ser comerciante. O melhor que puder”, eu disse para mim mesmo.
Isso foi no final de março. Em maio a firma recebeu um grande carregamento de mercadorias. Os carroções trabalharam mais de uma semana fazendo o transporte da estação ferroviária de Glaucilândia para Juramento. Os volumes eram abertos e a mercadoria era conferida e marcada com a marca ou código da firma, indicando o custo acrescido de um percentual referente ao frete e ao carreto.
O serviço era feito à noite, depois de fecharmos as portas da loja. Desde a primeira noite verificou-se que era eu quem fazia mais rapidamente e exatas as contas de redução dos custos à unidade, o cálculo do percentual a ser acrescentado e finalmente a transferência dos valores para o código da firma. Meu cacife cresceu dentro da firma. Daí por diante passei a revezar com os outros no atendimento no balcão das mercadorias mais nobres.
Nós éramos quatro a trabalhar na loja, incluindo o sócio-gerente. Todos, exceto eu, eram homens feitos, casados, com filhos, e antigos no estabelecimento. Pois bem. No fim do ano o sócio-gerente foi assumir a gerência da matriz, recem-transferida para Glaucilândia. Sabem qual dos três foi escolhido para gerente da filial de Juramento? Isso mesmo: este seu criado.
Em 1938 foi vendida a filial de Juramento e eu vim, transferido, para a matriz em Montes Claros, que operava com cereais e bebidas por atacado e na compra de algodão, mamona e couros.
Em 1940 a firma encerrou a atividade comercial e ingressou na indústria de beneficiamento de algodão sob a razão social de Sociedade Algodoeira Montesclarense, para a qual eu fui transferido como auxiliar de escritório e tesoureiro.

Em 1942 eu terminei o meu curso de perito-contador.
Em 1943 assumi a contabilidade da empresa.
Em 1945 meu salário subiu para CR$1.500,00 mensais, acrescido de 5% sobre o lucro da empresa.
Em 1952 um dos sócios fundadores da empresa resolveu retirar-se e ofereceu-me o total de sua participação, correspondente a 50% do capital da empresa. Comprei 35% e o outro sócio comprou os outros 15%.
Em 1956 assumi a gerência da empresa em Montes Claros.
Em 1960 comprei os restantes 65%.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


37014
Por Luiz de Paula - 17/7/2008 09:38:02

(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 27)

CHEGADA A JURAMENTO – O CASO DOS 5.000 RÉIS

A chegada a Juramento foi decepcionante. Eu viera a cavalo, desde Glaucilândia. Ao descer o Morro da Barriguda, abarquei com a vista o povoado. Era um pequeno aglomerado de casas, no fundo de uma depressão, no vale do Rio Juramento, cercada por serras e morros. A população, como vim a saber mais tarde, pelo censo de 1940, era de 545 pessoas na sede do povoado e 7.351 no meio rural.
Conforme me haviam ensinado, logo após atravessar a ponte de madeira sobre o Rio Juramento parei em frente ao primeiro estabelecimento comercial. Era uma casa velha, comprida, com uma janela e 4 portas abrindo para a rua. Apeei do animal, prendi a rédea a um dos moirões que havia em frente à casa, galguei a calçada e entrei no estabelecimento, onde estavam 4 pessoas trabalhando do lado de dentro do balcão.
Um senhor magro, de meia altura, usando boné de casimira e que claudicava um pouco ao caminhar, trabalhava ativamente a atender à freguesia. Em dado momento, erguendo a vista para os animais em frente à loja, exclamou:
– Uai! Aquele é o cavalo do compadre Antônio. – E baixando o olhar até onde me encontrava, perguntou:
– Você é o rapaz que está vindo para trabalhar aqui? – Recebendo minha resposta afirmativa ele abriu a portinhola do balcão e convidou-me:
– Pode entrar. Ponha suas coisas lá dentro e venha nos ajudar.
Assim eu fiz.
A loja era estreita e comprida. Com prateleiras atulhadas em toda a altura da parede.
Da direita para a esquerda estendia-se um balcão estreito que terminava em uma portinhola. Era o balcão da banca de toucinho, mantimentos e bebidas. Da portinhola em diante o balcão era mais largo, bem conservado e atendia ao comércio de tecidos, armarinho, arreios, ferragens, utensílios domésticos e o mais que se vende nas comunidades rurais.
O caixeiro que tomava conta do balcão dos mantimentos e das bebidas era um cidadão de cor, filho do lugar e que conhecia toda a freguesia. Ele usava chapéu de aba larga o tempo todo. O sr. Adair, que era o sócio-gerente, mandou que eu o ajudasse no atendimento daquele balcão.
Nesse primeiro contato com a freguesia tive mostra do atraso do lugar. Ali não chegara ainda a balança de balcão. Os mantimentos não eram vendidos a peso, mas medidos em vasilhame de madeira e a unidade era a medida e não o litro. As medidas eram caixas quadradas de madeira. A menor era chamada de MEDIDA e equivalia a dois litros.
A freguesia era grande, barulhenta, na maior parte gente da roça, usando chapéus de couro.
O que observei naquele primeiro dia foi suficiente para formar opinião sobre o que era o Juramento Velho. O acesso a Montes Claros só se fazia por estrada cavaleira. Para Glaucilândia havia acesso precário para carroções de burros e carros de bois. A correspondência, inclusive jornais, vinha de Glaucilândia de 4 em 4 dias, por um estafeta a cavalo. Não havia energia elétrica, nem calçamento. Água era de cisterna ou apanhada no rio. Não havia telégrafo nem telefone.

Eu vinha de um povoado atrasado, mas servido de estrada de ferro. Recebia diariamente jornais das grandes capitais e correspondência de todo o país. E havia o telégrafo da Estrada de Ferro, que recebia e expedia telegramas de terceiros. Sob esse aspecto Juramento Velho estava muito abaixo de Várzea da Palma.
À noite, faltou-me o sono. A decepção era muito grande. O lugar era atrasado e desconfortável demais. Eu tinha experiência de balcão. Sabia vender tecidos. E era quartanista do curso de Ciências e Letras, classificado em primeiro lugar. A mim fôra entregue a banca de toucinho e o balcão de mantimentos e cachaça a varejo. O meu antecessor, que estava sendo promovido ao balcão de tecidos, era analfabeto. Só fazia contas de cabeça.
Perdi o sono. Eu fôra enganado, sobre as condições de trabalho. Devia voltar para Várzea. Sem sono, ouvi um violão sendo afinado, na rua, em frente à loja, e pessoas falando em voz alta. Lembrei-me de ter ouvido um dos caixeiros dizer que um pequeno comerciante do lugar, que ficara viúvo, estava querendo namorar uma cunhada do sócio gerente da firma, e iria oferecer a ela uma serenata naquela noite.
O violão fez a introdução e o viúvo cantou:

Maria Júlia
que embarcou pra Barbacena,
coitadinha da morena
quase morre de chorar ...


Mandei fazer
um punhal de puro aço
morena me dá um abraço
para eu me consolar,

ele é de aço
tem dois anelão de ouro
Morena deixa de chôro
que eu nasci pra te amar.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


36884
Por Luiz de Paula - 12/7/2008 08:21:26
JURAMENTO
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 26)

EM JURAMENTO

O CASO DOS CINCO MIL RÉIS

Quem passou pela vida em branca nuvem
e em plácido repouso adormeceu,
quem não sentiu o frio da desgraça,
quem passou pela vida e não sofreu,
foi espectro de homem, não foi homem,
só passou pela vida, não viveu.
Francisco Otaviano

A impossibilidade de continuar os estudos no colégio, em Montes Claros, me amargurava. No final daquele ano de 1934 meu pai conseguiu para mim um estágio como “praticante” no quadro do pessoal da agência da Estrada de Ferro Central do Brasil, em Várzea. Sem salário. Era uma das formas de se ingressar na carreira que levaria a Guarda-Armazém, depois a Conferente e finalmente a Agente de Estação, de 1ª, 2ª e 3ª classe. Trabalhei com afinco e aprendi a preencher os diversos BTs (formulários) utilizados no dia-a-dia dos serviços, a manipular o aparelho morse, de telegrafia, e a utilizar as diferentes siglas que representavam os diferentes trens que circulavam no ramal, mais os códigos das estações e as fórmulas consagradas para anunciar chegadas, partidas e atrasos dos trens expressos, noturnos, mistos, cargueiros, boiadeiros, lastros e composições especiais.
Mas uma deliberação do Governo Federal, exigindo a quitação com o serviço militar para a admissão ao serviço público, acabou com minhas esperanças nessa área.
Foi quando recebi o convite, por intermédio do meu irmão Lauro, a quem o convite fora feito em primeira mão, para trabalhar em um lugarejo modesto, o então povoado de Juramento Velho, em casa comercial, ganhando o que representaria hoje o salário mínimo. Não dispondo de qualquer outra opção, aceitei.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


36849
Por Luiz de Paula - 11/7/2008 10:15:15
PROGRAMANDO O FUTURO

Luiz de Paula

Ainda que eu mereça, não gostaria de ir diretamente para o céu, quando chegar a minha hora.
Quero ficar por aqui durante algum tempo. Viajando. Para conhecer lugares que antes não pude visitar. E rever paisagens que me encantaram em outros tempos. Na suposição, é claro, de que as almas tenham direito de ir e vir. Sem gastar combustível, sem carregar farnel.
No primeiro dia acho que vou me sentar numa ponta de nuvem para examinar a situação. E pensar um pouco, já não direi sobre a vida, mas acerca do meu futuro.
Quero passear um pouco, aproveitando a facilidade de locomoção. Começarei por Minas, para rever e despedir-me dos campos natais: os vales do Rio das Velhas, do São Francisco, do Verde Grande e a Serra do Cabral.
Em seguida quero rastrear as pegadas do velho Rosa nos sertões e veredas do Andrequicé e do Urucuia. Na esperança de encontrá-lo a contar casos, juntamente com o Manoelzão, à sombra de alguma velha gameleira.
Depois subirei ao mais alto pico da Mantiqueira para sonhar ante a visão de meio mundo de povoados e cidades mineiras e paulistas. Mas não deixarei Minas sem antes ouvir serestas em Montes Claros, Diamantina e Santa Luzia.
Para visitar o Sul do país, o Nordeste, o pantanal mato-grossense e a Amazônia, reservarei tempo adequado. Sem me esquecer do Vale do Rio de Contas e da Chapada Diamantina, na velha Bahia, berço sagrado de meus antepassados maternos.
Percorrerei o mundo detendo-me mais tempo na visita a Portugal, Espanha, Itália e França, coração da latinidade. Daí passarei ao Oriente, onde nasceram todas as grandes religiões do mundo. No final desse périplo irei pousar no topo nevado do Evereste, na Cordilheira do Himalaia, para um período de meditação.
Só depois irei bater às portas da eternidade.


36562
Por Luiz de Paula - 2/7/2008 15:11:07

(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 25)

O CASO DAS SEMENTES DE CAPIM

Quando eu cursava o 3º ano ginasial, no Gymnásio Municipal de Montes Claros, os padres cobravam duzentos mil réis por trimestre. Eram três trimestres, total 600$000. (Era como se escrevia seiscentos mil réis). Correspondentes a 4 salários mínimos da época. Como referência, uma caixa de fósforos custava um tostão, ou 100 réis e um peão recebia 150$000 (cento e cinqüenta mil réis) por mês de serviço, correspondente ao salário mínimo de hoje.
Meu pai ainda vivia sob os efeitos da recessão de 1929 e não mandava o pagamento em espécie, mas em produtos da região, que eu negociava e fazia o pagamento ao Ginásio.
De uma feita ele me mandou 30 sacos de sementes de capim jaraguá, para o pagamento da parcela de um trimestre, já vencido.
Com o conhecimento da Estrada de Ferro na mão, saí procurando comprador. E encontrei o sr. Niquinho Teixeira, como era conhecido o fazendeiro de renome e farmacêutico Antônio Augusto Teixeira, formado pela Escola de Farmácia de Ouro Preto e irmão do médico Antônio Teixeira de Carvalho, o Doutor Santos, ex-prefeito de Montes Claros e nome de rua do centro, em nossa cidade. Ele disse que ficaria com as sementes de capim pelo preço de mercado. Resolvida esta parte, fiquei atento à chegada da mercadoria, na estação da Central. A mercadoria despachada como encomenda, incorre em frete maior, mas chega mais depressa. Acontece que vivíamos numa fase de máxima economia. Vivíamos espartanamente. Meu pai sentenciava: até pagar o que devemos, e recomprar a nossa casa de morada, que havia sido entregue em pagamento de dívidas decorrentes da baixa do algodão no “crack” de 1929, só podemos gastar com o nosso sustento. Nada de roupa, nada de sapato ou do que não seja alimento. E concluía: “do preciso, o mais preciso”.
De modo que o capim veio em despacho “como carga”, e não “como encomenda”. Mais demorado, cerca de 15 dias, de Várzea até aqui. Mas muito mais em conta. O meu cuidado em acompanhar a chegada tinha dupla conveniência. A primeira era apurar o dinheiro para o pagamento ao colégio. E a segunda era para evitar armazenagem, que passava a correr a partir do dia seguinte ao da chegada.
No dia em que a semente chegou eu estava vigilante. Contratei carroceiro e fiz a entrega ao sr. Niquinho Teixeira. Era num cômodo que servia de garagem e depósito de pequenos volumes, com portão aberto para a rua Camilo Prates. Eu fui chamá-lo e quando voltamos, juntos, o carroceiro já havia descarregado a carroça e carregado a primeira balançada. Seu Niquinho pesou essa e as outras balançadas, fez as contas, me pagou, e eu me despedi. Lá fora paguei ao carroceiro e desci a Camilo Prates, no rumo de casa. Ia pensando na vida. Tudo difícil. Meu pai em dificuldades, custando a sair da crise. Ele fôra dono da maior loja de Várzea. Comprava e vendia de tudo. Do toucinho e cereais à seda mais fina, com bom estoque de tecidos, ferragens, miudezas, como era comum na ocasião. E era grande comprador de algodão. Financiava os plantadores, aos quais fornecia crédito em caderneta, para receber na colheita.
Em 1929, na véspera da colheita, veio a grande depressão. O preço do algodão caiu de 30$000 a arroba para 6$000, mercado sem interesse. O café, no varejo, era vendido a 3$000/quilo. Caiu para $800. Foi uma quebradeira geral.
No caso do meu pai, houve queda de valor em todas as mercadorias de seu estoque. O comércio parou. Ninguém comprava nada, a não ser o que comer. O povo estava aturdido. Parecia o fim do mundo. Além da desvalorização dos estoques e da paralisação do comércio, o comerciante teve de enfrentar o grave problema de suas dívidas. Ninguém comprava o que o comerciante tinha para vender. Mas seus débitos vencidos eram cobrados com rigor.
No caso do meu pai, o seu capital estava nas mãos dos plantadores de algodão. Gente pobre, que trabalhava da mão para a boca. Eles iam colhendo o algodão e trazendo para pesar. Parte por conta do financiamento, parte para aquisição de alimentos. Todos, mas todos mesmo, ficaram devendo financiamento. Os bancos fecharam o crédito: a época era anormal.
Meu pai calculava que se vendesse tudo que possuía, incluindo estoques da loja, fazendas, gado e casa de moradia, mesmo por menos do valor, pagaria suas dívidas. Isso demandaria dois anos de muito trabalho, de muita conversação e muita paciência. E enquanto estivesse dispondo de suas cousas, iria procurando receber seus créditos espalhados com mais de uma centena de pequenos plantadores de algodão.
E assim fez. A loja, pouco a pouco foi se resumindo a uma pequena venda de gêneros e bebidas. Com aquele mundo de prateleiras vazias. A Fazenda foi vendida por 30 contos de réis. Valia, no mínimo, 100 contos. O gado foi com a fazenda, na bacia das almas. O último bem a ser vendido foi a casa de morada. Como era costume no interior, era casa de comércio e moradia. Havia 4 portas na frente, para a loja. E uma porta e janelas, de lado, de ingresso em nossa residência. Foi vendida por um conto de réis. A verdade é que ninguém podia agradar a ninguém, porque todos tinham os seus ajustes.
Mas meu pai continuava ocupando a casa, pagando aluguel de 30$000 por mês, ou seja, o equivalente a juro de 3% ao mês, até poder recomprá-la, o que fez, 4 anos depois.
Naquelas alturas, de meu 3º ano de ginásio, a coisa continuava feia. Eu pressentia que aquele seria o meu último ano de estudo. Meu pai não teria condições para continuar pagando seiscentos mil réis de ginásio por ano, para mim. Minha tristeza era maior porque eu era o primeiro da turma. E ia parar.
Mas, não havia andado mais que três quarteirões, quando olhando a conta verifiquei que lá estava escrito, com a letra do sr. Niquinho: 32 sacos de sementes. Eu me lembrava bem que no conhecimento de embarque estava escrito 30 sacos. Se o comprador me pagara 32, estava errado. Meu dever era voltar e corrigir o erro.
Voltei. Bati palmas na porta. Seu Niquinho era homem de pouca conversa, muito sisudo. Tive receio de falar com ele que a conta estava errada e ele correr comigo aos gritos. Por isso fui com muito jeito. Quando ele chegou à porta, eu fui dizendo, com voz mansa.
- Seu Niquinho, acho que o senhor me pagou a mais. Eu queria que o senhor conferisse a conta.
Ele olhou a nota que me dera, conferiu os cálculos, e me devolveu a nota, dizendo. Tá certo, menino. Pode ir embora.
Eu insisti.
- Meu pai me mandou 30 sacos de sementes e o senhor está me pagando 32. O senhor quer me levar no armazém, para eu conferir?
Ele deu um sorrizinho, coisa rara naquele homem casmurro. E ao virar-se para dentro, me disse:
- Vem comigo!
Eu o segui, agora por dentro da casa dele. E fui observando a casa: salas grandes, espaçosas, muitos armários, muito vidro, sofás, retratos nas paredes, casa de gente abastada. Da sala de jantar saímos num pátio, cortamos rumo por um passeio cimentado, e chegamos ao depósito/garagem. Ele entrou na minha frente, parou diante da pilha de sacos de sementes, contou-os e me disse:
- Tá tudo certo. Olha aí, 32 sacos.
Eu contei por minha vez. E lá estavam os 32 sacos.
E vendo os 32 sacos, eu pensei: alguma coisa está errada. Meu pai mandou 30 sacos, eu só tenho direito a 30 sacos.
Observei bem os sacos. Porque há uma particularidade nos sacos que contém sementes de capim Jaraguá. É que as sementes atravessam o espaço existente na trama que forma o tecido de aniagem de que são feitos e ficam saindo para fora. Em todos aqueles 32 sacos havia as pontas das sementes pelo lado de fora.
- Vamos embora, moço! - Falou o sr. Niquinho. - Você é um menino direito. Já provou isso. Agora vamos embora.
Eu continuava quebrando a cabeça com aquele enigma. E ousei propor:
- O senhor me deixa desmanchar a pilha?
- Desmanchar pra que?
- Para conferir, eu disse. - Eu arrumo de novo.
- Conferir mais o que, menino?
Mas ante a minha insistência, e por certo ante a disposição que sem dúvida eu demonstrava, de alguém que sabe o que tem a fazer, e não cede, ele, embora não convencido, concordou:
- Pode desmanchar.
Eu meti mãos à obra. Fui desempilhando de um lado e empilhando do outro. Na última carreira de sacos, na que estava por baixo dos outros, encontrei 2 sacos mais pesados do que os demais. Separei-os. Externamente eles ofereciam a mesma aparência dos outros, cobertos das sementes que a eles haviam aderido pelo contato. Mas forçando a costura que os vedava, por ali meti a mão e verifiquei que não continham sementes. Continham sacaria vazia. Eram o que se denominava de “mala de sacos”.
O sr. Niquinho, admirado, exclamou:
- Agora me lembro. Havia duas malas de sacos(*) aqui no meio do depósito. Por certo o carroceiro descarregou os sacos de sementes em cima deles e na hora de pesar se esqueceu e colocou todos na balança.
- Deve ter sido isso, eu disse. E apanhando as duas malas de sacos, coloquei-as, por minha vez, na balança, entregando a ele a nota e o dinheiro que ele me havia entregue.
- O senhor pode pesar estes dois sacos e fazer o desconto na nota e no dinheiro.
Depois de refazer as contas e me entregar o pagamento, ele me olhou bem de frente, ali naquele depósito de coisas de Fazenda e me disse:
- Menino, fale com seu pai que fiquei te conhecendo. Você é um homem!

(*) Mala de saco: encapado de sacos, geralmente 49 sacos vazios bem dobrados e ensacados em um saco maior, com a boca costurada.

FORA DA ESCOLA

De 1933 a 1939 fui trabalhar onde não havia escola noturna.

SEIS ANOS DEPOIS

Seis anos depois consegui voltar a uma sala de aulas. Eu trabalhava em uma casa comercial, em Juramento, desde 1936, quando soube que havia sido criada uma Escola de Comércio em Montes Claros, com aulas noturnas, para quem trabalhasse durante o dia. Passei a movimentar-me no sentido de transferir-me para Montes Claros, onde cheguei em 1938 e me matriculei, em 1939, no 3º ano propedêutico, que precedia o curso comercial.
A escola adotava a prática de dois exames no ano, no final de cada semestre. Um no final de junho, com provas escritas, e outro, no final de novembro ou início de dezembro, com provas escritas e orais. Eram seis as matérias do currículo. Estávamos no final de junho, no ano de meu ingresso na escola e já havíamos feito as provas de cinco matérias. As aulas iam das 19:00 às 22:00 horas. No dia em que íamos fazer a última prova, ao chegar de manhã à empresa onde trabalhava, fui informado de que ocorrera um estremecimento no mercado do feijão e eu deveria embarcar no trem das 11:00 horas para Buenópolis, onde desceria para trabalhar na praça e a seguir regressaria parando nas estações intermediárias, para vender o estoque de feijão da firma. Quando regressei, na semana seguinte, o resultado das provas estava exposto no pátio interno da escola. As minhas notas causaram admiração em toda a escola. Eram seis as matérias. Eu havia obtido nota 10 em cinco delas e zero na sexta.
Cursei a escola por 4 anos, durante os quais mantive a rotina do primeiro lugar. Em 1942 recebi o diploma de perito-contador, com nota 10.
No governo do Presidente Eurico Gaspar Dutra foi promulgada uma lei que permitia aos contadores acesso aos cursos universitários mediante prestação de exames vestibulares. Era a equiparação dos contadores aos diplomados nos cursos clássico e científico, da última reforma do ensino, para efeito de ingresso nas universidades.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


36463
Por Luiz de Paula - 28/6/2008 08:57:15

(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 24)


O ESTUDANTE

INÍCIO

Aos seis anos e meio entrei para a Escola Rural Mixta (com x) de Várzea da Palma, diplomando-me no final do 2º ano, com nota 10 (distinção). Dessa formatura guardo o diploma com carinho e respeito. Ele traz as assinaturas da professora, Flávia Pimentel Roquete e do presidente da mesa, Joaquim de Paula Ferreira, meu pai.
Fiz o terceiro ano no Grupo Escolar Gonçalves Chaves, em Montes Claros e conclui o curso em Pirapora, em 1928, com nota 10, distinção.
O ano de 1929 e parte do ano de 1930 eu passei em Várzea. Foi um tempo rico em convivência com a natureza e as pessoas do lugar.
Em agosto de 1930 meu pai combinou com meu tio Basílio meu retorno a Montes Claros. Para tentar o prosseguimento dos estudos. Dessa vez eu fui sozinho, sem a companhia dos dois irmãos mais velhos.
As notícias que tínhamos de Montes Claros eram de que em 1928 começara a funcionar o Gynnásio Municipal de Montes Claros e que meu primo Antônio, um ano mais velho que eu, matriculara-se no ano anterior no Curso de Admissão, fôra aprovado nos exames e estava matriculado no primeiro ano ginasial.
As aulas haviam começado em fevereiro ou março. Eu estava indo em agosto.
(É bom lembrar que estávamos vivendo os tempos negros da depressão de 1929).
A viagem se fazia pelo S-2, trem expresso, com pernoite em Corinto. Viajei de carona, acertada com o chefe do trem.
Levava comigo uma carta de meu pai, para o senhor Manoel de Sá, proprietário do Hotel Ideal, em Corinto. Na carta ele pedia ao hoteleiro que me hospedasse, por uma noite, e conseguisse no dia seguinte uma carona para eu prosseguir viagem para Montes Claros. Tudo seria acertado com a venda de bilhetes de loteria que o sr. Manoel de Sá mandava para o estabelecimento de meu pai.
Eu viajava contra minha vontade, obrigado por meu pai. E levava comigo muitas preocupações.
Da primeira vez, em 1926, fui para a casa do meu tio a convite dele. Desta vez eu estava indo a pedido de meu pai. Eu estava indo para a casa dos outros, sem ter recebido convite. Era uma situação muito constrangedora para mim. As matrículas haviam se encerrado em janeiro e eu estava indo em agosto. Além disso, fazia mais de ano que eu estava com uma ferida feia na perna, que não sarava com os banhos de entrecasca de pau santo e de barbatimão. Incomodava-me chegar em casa de meus tios com aquela ferida.
Eu já conhecia o sr. Manoel de Sá, dono do hotel em Corinto. Ele andava sempre de cara fechada. Foi assim que me recebeu. Mas era um bom cidadão, honesto, trabalhador e prestativo. Leu a carta de meu pai e me arranjou um quartinho escuro, sem janelas, nos fundos do hotel, depois do quarto da cozinheira, para passar a noite. E me avisou. “Levante cedo. Às seis e meia nós vamos para a estação. O trem para Montes Claros parte às 7 horas”.
No outro dia, cedo, fomos para a estação.
Por sorte o chefe de trem escalado para Montes Claros era o mesmo que viera até Corinto. Tudo combinado, eu fui instruído para continuar na segunda classe e devia manter-me atento quando chegasse a Buenópolis, onde ocorria um cruzamento de trens. Se o Fiscal Itinerante, que viria no trem de Montes Claros, resolvesse passar para o nosso, como era comum acontecer, alguém me entregaria um bilhete já picotado, que eu apresentaria ao chefe de trem, quando este viesse percorrendo os carros, acompanhado do Fiscal Itinerante. Em Buenópolis fiquei atento, mas o trem partiu sem que me procurassem. A linha estava livre.
Ao chegar a Montes Claros, carregando minha velha mala de papelão, encontrei um quadro não desejado, mas que me favoreceu. O meu primo Antônio também estava com uma ferida na perna, em piores condições do que a minha, só que a dele estava recebendo tratamento médico: banho diário com Líquido de Dakin (hipoclorito de sódio) e aplicações de uma fórmula líquida receitada pelo Dr. Santos. A ferida localizava-se no terço médio da tíbia, na parte frontal, e sangrava quando ele tentava caminhar. Em conseqüência o Antônio fôra obrigado a trancar a matrícula e perder o ano.
A minha ferida não me impedia de caminhar, localizada que estava na parte lateral esquerda do terço médio da tíbia. Não alcançava o osso e por isso não forçava sangramento.
Meus tios ficaram satisfeitos com a minha chegada. O Antônio era o filho caçula, muito adulado. Eu, sendo apenas um ano mais novo, era uma boa companhia para ele.
Meu tio Basílio, sempre bondoso, conseguiu matricular-me, mesmo àquela altura do ano. Imagino que ele aproveitou a matrícula do Antônio.
As aulas eram ministradas em dois turnos. Das 8 às 11 horas da manhã e das 13:00 às 16:00 horas.
Meu primeiro dia de aula não começou bem.
Às 8 horas da manhã, do dia marcado para meu comparecimento, o padre Eugênio Guypers, diretor do Colégio, levou-me à sala de aulas e me apresentou ao professor Firmino Velloso, informando que eu viera do interior e que o colégio abrira uma exceção e aceitara minha matrícula para tentar o ingresso ao curso ginasial.
À nossa frente estavam os alunos, com o vistoso uniforme de brim cáqui – túnicas abotoadas até o pescoço e calças compridas. Fazia parte da turma um primo meu, o Olympio Teixeira Guimarães, um dos poucos alunos externos a fazer o curso. Ele havia me informado que a turma se compunha de mais de 40 rapazes, com idade que variava de 14 a 18 anos, quase todos estudando em regime de internato. Eram filhos de fazendeiros da região. Eles eram submetidos a uma disciplina muito severa, com horário rígido para refeições e estudos, que começava com uma missa diária, às 6 horas da manhã e terminava com o recolhimento ao dormitório às 9 horas da noite.
Os alunos ouviram as palavras do diretor no mais absoluto silêncio.
Assim que o diretor se retirou, o silêncio foi quebrado por risos e assovios mas o professor conteve a quebra de disciplina soando energicamente a campainha da mesa.
Observei que a sala era ampla e tinha quatro fileiras de carteiras de dois lugares, todas ocupadas. Só havia uma carteira vazia. A primeira de uma das fileiras. Foi nessa que o professor mandou que me sentasse.
A reação iniciada pelos alunos, e contida pelo professor, me desconcertou bastante, mas procurei compreender. Eles estavam ali desde o início do ano escolar, submetidos, a maioria deles, a um regime de internato rigoroso. E de repente aparece, no início da primeira aula da manhã, levado pelas mãos do padre diretor, um fulano da roça, magro, miúdo e amarelo, e mais novo do que eles, com cara de capiau e uma roupa velha desirmanada – casaco de uma cor, calça de outra, e curta, batendo nos joelhos. E com uma ferida na perna, amarrada com um pano branco.
Aqueles jovens, criados em liberdade nas fazendas dos pais e agora submetidos a um regime de clausura, viviam entediados, ávidos por uma novidade qualquer que quebrasse a rotina cansativa a que estavam submetidos. Minha presença, nas circunstâncias em que ocorreu, foi um prato cheio.
Eu não os condenava. Mas preferia não estar ali naquela situação. Mas meu pai me mandara vir. Cabia-me enfrentar os problemas. E tentar superá-los.
Estava eu imerso nessas reflexões quando meu primo Olympio pediu licença ao professor e veio sentar-se a meu lado.
E a aula prosseguiu.
Quando o polaco, que substituía o sino, tocou, anunciando o recreio, o professor me reteve a fim de completar o preenchimento da minha ficha escolar. E quando me liberou, faltava pouco para o recreio terminar.
Mesmo assim saí para o pátio e logo se aproximaram alguns alunos e um deles me perguntou o nome.
– Luiz – eu respondi. – E ele, a sorrir, foi dizendo, sob o aplauso dos presentes:
– Luiz, catibiribis, serra matutís, firifirifís ...
Desapontado e surpreso, ao ser alvo daquela brincadeira que não conhecia, senti, logo a seguir, duas pancadas fôfas no alto da cabeça. Vim a saber depois que eram as tais de cacholetas, pancadas deferidas com as mãos cruzadas em conchas, que o brincalhão desfere, por trás, na cabeça do agredido. Voltei-me rápido, para verificar quem era o autor da brincadeira de mau gosto mas todos na roda estavam a rir e eu não pude identificar ninguém. A seguir soou o polaco e voltamos todos para a sala de aulas.
Às 11:00 horas eu e o Olympio saímos juntos, ele a lamentar o comportamento dos colegas e eu a dizer-lhe que não se preocupasse com isso.
Às 13:00 horas estava de volta. Com minha roupa da roça e a ferida na perna. E de mãos limpas, como viera de manhã. Eu era o pato feio no meio daqueles veteranos alegres e brincalhões.
A disposição dos alunos, na ocupação das carteiras, considerava a idade e/ou a altura de cada um. Os menores e mais novos à frente e os maiores e mais velhos ao fundo. Para facilitar a visão de todos. Para mim, como já disse, foi designada uma carteira da frente, que estava vazia. Meu primo Olympio pedira licença ao professor e viera sentar-se a meu lado.
Todas as matérias do curso eram ministradas pelo professor Firmino Velloso, um cidadão moreno, magro e de boa altura, que não ria. Era competente. Mas carregava a fama de mau. De massacrador. Ele recebera dos padres a tarefa de disciplinar aqueles rapazes habituados a lidar com cavalos e bois, nas propriedades rurais dos pais e que todos os anos se matriculavam no colégio em regime de internato. Para que, ao alcançarem o primeiro ano ginasial, já estivessem condicionados para assimilar as matérias do curso de Ciências e Letras, que credenciava o aluno a prestar o exame vestibular para o ingresso à Universidade.
Assim que tomamos nossos lugares, no segundo horário daquele meu primeiro dia de aula, o professor Firmino Velloso alisou o bigode preto, usando o dedo polegar da mão esquerda para alisar a metade esquerda do bigode. E os demais dedos da mesma mão para alisar a metade da direita.
Disseram-me, depois, que era um hábito dele, quando estava preparando alguma maldade. Parece que era assim mesmo, porque em seguida ele me encarou.
– Senhor Luiz – disse ele – Nós estamos aqui desde o início do ano escolar. E vamos ter exames para acesso ao ginásio em menos de três meses. O senhor está chegando inteiramente fora do tempo regulamentar. Não sei como conseguiu matricular-se. Isso não é assunto meu. Já verifiquei, pelas anotações que me passaram, que o senhor terminou o curso primário em 1928, em Pirapora, com nota 10. E dando por encerrado esse intróito, autorizou:
– Venha ao quadro. Vou argüi-lo sobre as matérias deste curso. – E usou a campainha para conter alguns assovios da turma.
Com a sala em silêncio, levantei-me, recebi o giz das mãos do professor, aproximei-me do quadro negro e voltei-me para ficar de frente para ele.
E teve início o massacre. Português. Matemática. História. Geografia. Ciências Naturais.

Como compareci às aulas do Curso de Admissão ao Ginásio, em agosto de 1930. Foto feita no quintal do tio Basílio, próximo ao pé de urucum. [foto]

O que aconteceu eu posso resumir em três palavras: dei um “show”. Que os meus filhos, um dia, ao lerem esses apontamentos, pois é para eles que os escrevo, me desculpem. Mas não posso deixar de ser fiel ao acontecido. Tive realmente um desempenho excelente naquela sabatina. A partir do primeiro momento, após minhas primeiras respostas, de viva voz ou por escrito, no quadro negro, um silêncio total tomou conta da sala de aulas. Só se ouviam a voz roufenha do professor Firmino Velloso e minhas respostas.
No final da aula muitos alunos se aproximaram de mim. Queriam saber de onde eu era, quem eram meus pais, o que eu fazia em minha vida. Queriam ser meus amigos. Eu havia conquistado o respeito daqueles brincalhões, que passaram a aceitar-me como colega e não como intruso.
Em novembro houve os exames. Eu fui o segundo colocado entre os aprovados. A partir daí ninguém mais me afastou do primeiro lugar, até eu ser obrigado a deixar os estudos, por falta de recursos para custeá-los, quando já estava matriculado na quarta série, em 1934.


(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


36393
Por Luiz de Paula - 25/6/2008 17:41:07
O CAMINHO GERAL DO SERTÃO

Luiz de Paula

A estrada utilizada pelos bandeirantes paulistas para o sertão, a princípio para preação de índios e em seguida em busca de ouro e pedras preciosas, buscava a nascente do Rio das Velhas, onde começava o território das minas gerais, no qual era abundante o ouro de aluvião.
A estrada vinha de Parati encontrava-se ai com a dos bandeirantes e prosseguiam juntas até o Morro da Garça, próximo de onde, mais tarde, nasceria o povoado de Santo Antônio da Estrada, hoje Curvelo.
Do Morro da Garça partia o caminho que se acredita seja o de João Gonçalves do Prado, diretamente para Montes Claros e daí prosseguia Rio Verde Grande abaixo até a divisa com a Bahia, onde fletia à direita e acompanhava o Rio Verde Pequeno até sua nascente e alcançava Caetité e depois Tranqueira (antigo Crioulos), na Bahia, onde terminava.
A estrada dos bandeirantes, agora também de Parati, atingia a localidade de São Gonçalo das Tabocas, hoje Lassance, e prosseguia Rio das Velhas abaixo até alcançar o Rio São Francisco, na localidade de Almas de Nossa Senhora da Barra do Rio das Velhas, então maior empório comercial do Sertão Mineiro, hoje Guaicuí. E daí prosseguia margeando o São Francisco, passando por São Romão, Pedras de Maria da Cruz, Brejo do Salgado (Januária), Matias Cardoso e Malhada, na Bahia.
E encerrava o seu trajeto em Tranqueiras, na Bahia, ponto final também do caminho de João Gonçalves do Prado.


36367
Por Luiz de Paula - 25/6/2008 09:46:16
Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 23)

RETORNO A MONTES CLAROS
EM AGOSTO DE 1930

“Ó Nunca Mais”

Eu sofria por estar me separando de meu pai, de minha mãe, de meus irmãos. De nossa casa, do quintal, das mangueiras, dos bichos que criávamos. Das manhãs claras dos gerais, com os passarinhos cantando nas árvores do quintal. Das tardes, em que me sentava no passeio de lajes, em frente à nossa casa, a acompanhar o sol do estio se pondo atrás da Serra do Repartimento. E, mais longe, o céu sobre a vastidão do horizonte. E mais longe ainda, a visão de um futuro. O meu futuro!
Agora eu me afastava de tudo. Eu estava deixando para trás a minha vida com meus pais, estava deixando a minha terra, com tudo em meio ao qual eu fui criado.
Para que?
O meu sentimento era de que estava deixando para trás a minha própria vida.
No carro de segunda classe em que viajava, entraram e saíram passageiros, durante o percurso, e agora só restavam os dois guarda-freios, contando casos de suas vidas, em voz monótona.
O trem havia atrasado, por defeitos na locomotiva. Já era noite. A marcha era lenta, marcada pelos rumores e solavancos do material rodante. Nós nos encontrávamos no trecho que hoje identifico como sendo o das matas que havia entre Engenheiro Dolabella e Engenheiro Navarro.
Eu estava debruçado à janela, olhando a mata escura e pensando na vida. E cantando baixinho: “Ó Nunca Mais”. Uma canção antiga.
E chorando.
SAÚDE E CRESCIMENTO

Nos primeiros anos de vida eu era referido como um menino bonito, de tez clara, corado, alegre, de cabelos castanhos, olhos esverdeados e principalmente inteligente, loquaz e espirituoso.
Ao entrar na puberdade, tornei-me introvertido, pálido, enfermiço. A morte do Geraldo, o irmão mais velho, falecido aos 18 anos, e minha transferência aos 9 anos incompletos, para Montes Claros, onde penei, nessa primeira permanência, um ano e meio de tristezas e revolta, concorreram para isso. Pesava-me, na adolescência, reconhecer-me feio e pobre.
Maltratado pela febre malária e verminose crônica (amebíase, shistosomíase, necatoríase) e igualmente crônica inapetência, carreguei por muito tempo um quadro de desnutrição crônica.
O perfil de meu crescimento, estampado a seguir, é ilustrativo.
Idade – Altura - Pêso

Junho de 1933 - 16 anos - 1,54 m - 36 kg
04-12-1933 - 16,5 “ - 1,58 “
27-03-1934 - 17 “ - 1,62 “
17-07-1934 - 17 “ - 1,655 “
31-12-1934 - 17“ - 1,70 “
31-12-1935 - 17,5 “ - 173,5 “
29-02-1936 - 17,7 “ - 174,5 “
29-02-1936 - descalço - 172,0 “ - 52 kg

Os dados foram registrados em 29.02.1936. Minha altura estabilizou-se em 1,755 m. O peso manteve-se em torno de 52 kg em 1936/37/38.
O crescimento desenvolveu-se após o uso dos seguintes medicamentos receitados pelo Dr. Santos, em Montes Claros, em 1933: Novosan (Vit. A) em ampolas de 1cm3, intramuscular e cloro-calcion, (comprimidos de cálcio). E banhos de luz ultravioleta.
Em 1940 combati a shistosomíase com injeções intramusculares de tártaro emético. E o uso de vitaminas. Nos anos 70 meu peso chegou a 88 kg. Hoje peso 75 kg, descalço.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


36260
Por Luiz de Paula - 21/6/2008 08:32:18
Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 22)

PIRAPORA – AQUARELA DO PASSADO
(Retrato falado de uma época)

Pirapora da beleza
das praias do São Francisco,
das moças de olhar arisco,
do peixe bom sobre a mesa.
Deste vale és a princesa
por direito e tradição.
O amor é teu brasão,
teu convívio é lealdade.
Pirapora da amizade,
flor cheirosa do sertão.


Sou filho deste torrão
e relembro seu passado.
Chico Freire, delegado,
o Crispim da estação
e o homem do pão é pão
a tocar sua buzina
e a cantar em cada esquina
os versos do pão melhor
que ainda trago de cor
a cantar no coração.

Os Ramos e os Nascimento,
a chegada do vapor
o café “Paz e Amor”
já “hippie” naquele tempo.
Num vôo de pensamento
a alma se engalana
e se a mente não me engana
fecho os olhos e revejo
a trabalhar no Varejo
o Zeca e o Paulo Santana.

E o Grande Barateiro
seu Salomão Abdalla
a vender em alta escala
faturado e a dinheiro.
José Maia, hoteleiro,
seu Raimundo, coletor,
Mestre Violão, professor.
E na rua das Pitombeiras
voando de asas ligeiras
as mariposas do amor.

Em tempo de jabolão
o Bernardino soldado
corria por todo lado
nos meninos tendo a mão.
E nas noites de São João
nunca vi tanta fogueira,
esta Pirapora inteira
de luzes se enfeitava
e o foguetório espoucava
animando a brincadeira.

Domingo depois da missa
moças andando na praça
rapazes fazendo graça
e passeando na liça.
O jovem Felix Batista
de olhos claros e francos
do alto de seus tamancos
andava a cidade inteira
com a loteria mineira
a vender bilhetes ... brancos.

Hotel Internacional,
Hotel Maia, Hotel Lima,
e lá na Rua de Cima
havia a Pensão Ideal.
Nesse tempo o carnaval
já era a festa do povo.
Só de lembrar me comovo
de como o povo vibrava
e todo mundo se abraçava
nas vésperas do Ano Novo.

O futebol era quente
e o ingresso era de graça.
Em qualquer campo na praça
domingo era assim de gente.
O juiz era pra frente:
- calça-pé era legal
também o salto mortal
e as entradas de sola.
Pênalti era mão na bola
só em jogo oficial.

O comércio era animado.
Me lembro do Bar do Dante
de movimento constante
pelos jovens freqüentado.
O Trapiche, no atacado,
Pedro Jorge no balcão
e o senhor Salomão
vendia no Park-Royal
seu estoque sem igual
a preços de ocasião.

Tinha o bar do Zé Batista,
a padaria Carvalho,
casas de peixe e de talho
vendiam a prazo e à vista.
Zé Isidro, maquinista,
Modestino, Cassiano.
Nas ruas, mingau baiano.
E havendo circo na praça
a gente entrava de graça
passando por baixo do pano.

Seu Geraldo e a bandinha
que tocava nas paradas,
nas retretas e alvoradas
e a todo mundo entretinha.
Uma outra lembrança minha
é do senhor João Medeiros.
Era o rei dos leiloeiros
no mês de maio e novenas
- reminiscências amenas
daqueles tempos fagueiros.

O seu Arthur Nascimento,
correspondente do banco,
ofertava crédito franco
a juros de um por cento.
Grande era o movimento
na empresa Viação.
Nessa mesma ocasião
dona Clara e Ernestina
possuíam uma cantina
na Praça da Estação.

José Álvares, escrivão,
seu Raimundo, coletor,
dois cidadãos de valor
em todo o Grande Sertão.
Em tempo de eleição
era enorme o movimento
em torno do grande evento.
O povo se animava
e até defunto votava
nos Ramos e nos Nascimento.

Doutor Rodolfo Mallard
grande médico e cidadão
e o Nestor, seu irmão,
também figura exemplar.
É justo aqui destacar
Nelson Cota, estudante,
Sancho Ribas, comerciante
na praça conceituado.
E doutor Duque, advogado,
na política atuante.

Targino Lima comprava
couros de boi e mamona.
Juca era o rei da sanfona
na Fazenda Canabrava.
Seu Pedro Nunes gostava
de pescar de anzol no rio.
Nas tardes calmas de estio
sempre era visto na ponte.
Nos trens de Belo Horizonte
mulher de todo feitio.

Quincas Ramos, boticário,
com farmácia na esquina,
com sua pesada batina,
Frei Jorge, santo vigário.
Em dia de aniversário
Pirapora era uma festa.
Tinha batuques, seresta,
Banda de Música, rojão.
E danças de pés no chão
na fazenda da Floresta.

Pedaços de Pirapora,
aquarela do passado,
amor profundo, guardado,
a reviver nesta hora.
Adeus, que já vou-me embora
oh! Mais terna das cidades
- oásis nas tempestades
que ficaram para trás.
Contigo eu deixo a paz,
comigo ... levo saudades.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


36139
Por Luiz de Paula - 18/6/2008 10:11:06
Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 21)

DUPLA NATURALIDADE

Quando nasci, Várzea da Palma era distrito de Pirapora. Fui batizado na igreja matriz de Pirapora, por Frei Braz, padre holandês, da ordem dos franciscanos, e registrado no Cartório do sr. José Álvares da Silva.
Tendo Várzea se emancipado, posteriormente, fiquei tendo duas naturalidades, podendo optar por qualquer delas.
Optei pelas duas. E isso me faz duplamente feliz.

PIRAPORA
O BOM HUMOR DO PIRAPORENSE

O Braz era um cidadão muito querido em Pirapora. Era tesoureiro da Central. Um dia ele foi caçar e perdeu-se na Serra de Arão Reis. A notícia correu na cidade e logo a moçada formou um grupo para sair em busca do intrépido caçador. Eram tempos de campanha política e estava em evidência a UDB – União Democrática Brasileira, precursora da UDN.
Na base da gozação a moçada espalhou faixas nas ruas, com os seguintes dizeres em letras garrafais:

UDB – UNIDOS DESCOBRIREMOS O BRAZ.
___

Trecho de carta de um morador do bairro Entre Rios para um parente que estava em São Paulo:

“Olha, dezembro está chegando. É o mês das enchentes. Venha passar a inundação com a gente. O ano passado você não veio. Não sabe o que perdeu. O governo deu ajuda e nós fizemos um carnaval que durou d uas semanas”.
____

De um lado do pátio da estação da Central ficava o Café Paz e Amor, do França. Do outro lado ficava o quiosque da Dona Eva, mãe da Ernestina. Era uma cantina onde eram servidas refeições leves.
A filha, a Ernestina, era uma bela moça. Alta, loura, rosada, era bonita demais. O único senão é que ela era muito alta. Para mim, seu admirador, que só tinha 11 anos e era magro, miúdo e anêmico.
____

Era um fim de tarde. Já havíamos jantado e estávamos sentados à porta da Pensão Lobo. E lá vinha a Ernestina, com sapatos de saltos altos, vestido cor de rosa, esvoaçante, bonita de matar. Vinha pelo meio da rua, pois naquele tempo não usava andar pelos passeios.
Ao passar em frente à pensão, o “seu” Lobo, que ficara viúvo recentemente, levantou-se de sua cadeira, fez uma mesura, segurando a barriga, que não era pequena, e saudou-a:
- Olá, Ernestina, como vai essa beleza?
E ela, com um sorriso gracioso.
- Vou indo ... Vou remando contra a maré...
Foi demais para mim. Minha admiração dobrou. Eu nunca tinha ouvido uma frase tão bonita assim: “vou remando contra a maré” Com o cotovelo cutuquei meu irmão Vicente, que estava a meu lado.
- Veja, meu irmão, o que é cidade grande. Lá em Várzea não tem ninguém capaz de dizer um trem bonito desse jeito.
Já pensou quando nós voltarmos à Várzea e nos perguntarem como nós vamos indo?

____

Havia muitas mulheres bonitas ... e gordas. Naquele tempo, mulher para ser bonita tinha de ser gorda.
____

Nós chegamos a Pirapora num domingo de fevereiro de 1928. Passamos pela porta do cinema e havia um cartaz anunciando o filme do dia. Era uma comédia, intitulada CÔCO DE SORTE, com os artistas Johny Hines e Edna Murphy.
____

O sr. Raymundo Nascimento era o dono do cinema. E ia a todas as sessões, sempre acompanhado da esposa, dona Ernestina. Mas passava pelo guichê e comprova ingresso, como todo mundo. Ele me conhecia porque no dia da exibição do filme CÔCO DE SORTE eu ri tanto que minhas risadas chamaram a atenção das pessoas que estavam próximas de mim, e ele era uma dessas pessoas.
Um dia ele estava comprando ingressos para ele e a esposa e me vendo por ali chamou-me e perguntou se eu queria ver o filme. Eu me aproximei dele e agradeci.
- Obrigado. Não quero não “seu” Raymundo. É fita de amor. Eu gosto é de fita cômica ou de murros e tiros.
Lembro-me ainda que era o filme SEMI-NOIVA, com Lew Cody, um cara de bigodinho, mais chato do que Adolphe Menjou.
____

O sr. Paulo Santana era um homem muito honesto, muito sério, mas gostava de brincar, de vez em quando, com os amigos.
Ele era gerente de uma mercearia, localizada em frente ao edifício do fórum. Uma tarde um seu amigo chegou com uma folha de papel almaço e pediu a ele que lhe fizesse um abaixo assinado. O “seu” Paulo tinha uma letra muito bonita. Fez um trabalho limpo. O amigo assinou e foi para o fórum. Daí a pouco voltou e falou, mal contendo o riso.
- Não tem jeito para você não, Paulo. Todo mundo lá no fórum está rindo.
- Rindo de que?
- Você ainda pergunta?... Em vez de escrever “eu, abaixo assinado”, você escreveu “eu assino abaixado”.
Eu e Vicente meu irmão trabalhávamos no balcão da mercearia. Presenciamos o ocorrido. E rimos pra valer.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


36059
Por Luiz de Paula - 15/6/2008 09:07:38
Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 20)

ME ENSINA

Quando cursava a quarta série primária, em Pirapora, juntamente com um irmão mais velho, certa noite, ao fazer o dever de casa, esbarrei num problema de difícil solução. Naquele dia a professora nos passara problemas de redução à unidade, de juros e frações. E mais aquele cujo enunciado, em meu entender, estava incompleto. Devia estar faltando um dado que orientasse o raciocínio.
Deixei-o por último. E uma vez resolvidos os outros, voltei a ele.
Eu tinha 11 anos, estava fora de casa e era tímido. E pesava sobre mim o conceito de aluno adiantado, que me cabia defender. Amargurava-me a expectativa de entregar à professora um problema não solucionado.
Na ocasião éramos hóspedes mensalistas de um pequeno hotel e ocupávamos um quarto dos fundos, com porta voltada para área interna.
Meu irmão me observava, calado, acompanhando meu trabalho, à espera da solução, enquanto me debatia, a fazer contas e mais contas, sem chegar ao fim.
Depois de certo tempo, não sei por que, talvez para enganar o cansaço e a frustração, passei a dirigir-me aos móveis e objetos do quarto, a dizer: “me ensina, cadeira. Me ensina, mesa. Me ensina, moringa. Me ensina, janela. Me ensina, porta”. E olhando através da porta, naquela seqüência de pedidos, eu ia dizer “me ensina, roseira”, porque havia uma roseira no pátio, logo depois do passeio que se estendia rente à parede. Quando disse “me ensina” e ia completar a frase, passava pelo passeio, o velho e único garçom do hotel, o senhor Polidoro. Era um pobre homem da roça, modesto e de pouca conversa e que nas horas de folga era visto a fumar seu cigarrinho de palha.
Naquele momento ele levava uma bandeja com bule e xícaras. E ao ouvir-me, voltou-se.
- Você me chamou, menino?
- Não, senhor – respondi – Eu não chamei.
Mas ele insistiu:
- Chamou, sim. Eu volto já!
E de fato voltou. Já sem a bandeja. E foi dizendo:
- Você me chamou, sim. Você me pediu para ensinar a lição.
Eu ia responder e explicar a ele como aconteceu chamá-lo, mas antes que iniciasse a explicação ele perguntou:
- Como é que você soube que eu sou professor?
Meu irmão e eu nos limitamos a fitá-lo. Ante o nosso silêncio ele passou a esclarecer:
- Eu fui professor na roça, meus filhos, por muitos anos. Em minha terra, em Coração de Jesus. Sempre gostei de ensinar português e matemática. O que vocês estão querendo saber?A revelação nos causou espanto. Como poderíamos imaginar que o velho seu Polidoro, com sua calça de zuarte, camisa de zefir barato, feita por costureira, e suas botinas roceiras, de elástico, pudesse haver sido, algum dia, professor seja lá do que fosse?
Imaginar isso era impossível. Mas ele estava ali a afirmar que era professor e querendo saber qual a nossa dificuldade.
Incrédulo e desconfiado, sem nada esperar daquela pobre ajuda, apanhei o caderno que deixara sobre a mesa e li para ele o texto do problema.
Um sorriso simpático se estampou no rosto do bom velho. Assumindo postura professoral, ele passou a explicar:
- Este problema, meus filhos, é muito bonito. Mas vocês não poderiam resolvê-lo sem conhecer a fórmula das proporções. Há um problema clássico, nesse modelo. É o das 100 pombas. Já ouviram falar nele?
Nós não tínhamos ouvido e ele se dispôs a esclarecer-nos. Sentou-se na única cadeira existente no quarto (eu e meu irmão estávamos sentados em nossas camas) e dissertou:
“Um gavião passou voando ao lado de um bando de pombas e as saudou: bom dia minhas 100 pombas! Elas responderam: bom dia seu gavião. Mas 100 pombas não somos nós. Mas nós, outras tantas de nós, mais a metade de nós, mais a quarta parte de nós e contigo, gavião, 100 pombas seremos nós”.
- Quantas pombas eram elas?
Nós não sabíamos. E àquela altura nos dominava a surpresa diante da metamorfose que se operara na figura modesta e apagada do velho caipira.
- Eram 36 pombas. Mas não basta saber que eram 36. É preciso saber como chegar a esse número. Eu vou ensinar a vocês. É um problema curioso que se resolve mediante a aplicação dos princípios da Regra de Três. É uma fórmula chamada “falsa posição”.
E prosseguiu:
- Vocês pegam um número qualquer, a esmo, e façam as operações de acordo com as respostas das pombas. No final irão encontrar um número falso. Daí o nome de falsa posição.
Com o acréscimo desse número falso vocês terão elementos completos para armar a proporção. E assim resolverão o problema.
De nossa parte, fitávamos embasbacados, o velho professor da roça. Graças a quem ficara confirmada a minha observação de que faltava naquele problema um elemento chave para a solução. Terminada a explicação ele pediu papel e lápis para colocar a fórmula em prática.
- No caso das pombas, tomem por exemplo um número qualquer. Vamos tomar o número 20. Assim teremos:

Nós 20
Outro tanto de nós + 20
A metade de nós + 10
A quarta parte de nó + 5
E contigo Gavião + 1
Soma 56

- O número 56 é o número falso. Ele vai servir para armarmos a proporção. Dizendo isso ele traçou no papel a seguinte proporção:

(56-1) estão para 100 - 1) assim como 20 estão para X

Retirando-se os parênteses a proporção ficou assim:

55 : 99 : : 20 : X

Em seguida ele nos ensinou a aplicar a fórmula: multiplicar os meios e dividir pelo extremo conhecido. Ou seja: multiplicar 99 por 20 e dividir o resultado por 55:

99 x 20  55 = 36

Conhecendo o processo foi-nos fácil resolver o problema proposto pela professora.
Naquela noite o velho e modesto professor da roça ensinou-nos muito mais do que simplesmente como fazer um dever de casa. Ele nos deu uma lição de humildade e amor à sua vocação. Uma lição de vida. Tudo isso como desfecho de uma curiosa urdidura do acaso. E alguém já disse que o acaso talvez outra coisa não seja senão o pseudônimo de Deus, quando Deus não quer assinar.

FIM DO QUARTO ANO PRIMÁRIO

Terminados os exames, preparamo-nos para regressar a Várzea no S-2, o trem que saía à tarde, para Belo Horizonte. Nosso pai tinha vindo na véspera, para acertar com a pensão e regressar conosco.
No início da tarde ele nos levou ao Trapiche do Norte, para agradecer ao sr. Raimundo Nascimento ter-nos dado ocupação na mercearia e na tipografia. E para nos despedirmos dele.
A distância entre Pirapora e Várzea é de 44 quilômetros, com parada intermediária em Buritis das Mulatas. O trem cobria esse percurso em uma hora e meia.
No meio da viagem, no carro de 2ª classe em que viajávamos, nosso pai aproximou-se de nós e nos disse que nossa mãe estava doente. Estava com pneumonia. Mas estava sendo medicada. E explicou que não nos falara no dia anterior para não nos prejudicar no exame.
Ficamos muito tristes e preocupados porque pneumonia era doença muito perigosa naquele tempo.
Ao chegarmos fomos depressa ao quarto da nossa mãe. Sua aparência nos espantou. Ela, que era uma mulher robusta e sempre bem disposta, estava muito magra e pálida, a tossir e a gemer, com dores nas costas.
No quarto, como em toda a casa, não havia forro sob o telhado. De um dos caibros, de madeira roliça, descia uma corda grossa de bacalhau, com alguns nós nos quais ela firmava as mãos para sentar-se, nas horas de tomar remédio.
O tratamento foi demorado. Durou meses.
De Montes Claros vieram alguns remédios, pelo correio. De receita passada para meu tio Basílio, quando ele sofreu a mesma doença.
Mas nossa mãe sempre dizia que se curou tomando cozimento de batata de roda. É uma batata do campo, que é arrancada e cortada em rodelas e posta a secar.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


35984
Por Luiz de Paula - 11/6/2008 12:03:21

(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 19)

MONTES CLAROS NO PASSADO

Montes Claros, nos meus tempos de criança, era uma cidade de muita fartura. As famílias faziam a feira aos sábados, no Mercado da Praça Dr. Carlos. Havia de tudo que era necessário, com abundância. Feijão novo, de rega e das águas, arroz pilado com esmero, queijos frescos e curados, requeijões, açúcar de cor, rapaduras alvas, duras e cerentas, farinha de mandioca e de milho, verduras, frutas, ovos, carnes de porco, de boi e de caças, toucinho, enfim de tudo. As pessoas andavam a pé, tudo ficava perto. Ao se encontrarem as pessoas paravam, conversavam. Não havia filas para nada. As casas de comércio tinham o movimento necessário para se manterem. O pão era distribuído todas as manhãs pelas padarias, que os deixavam nas janelas da freguesia.
Hoje compreendo que as ambições se situavam ao nível das possibilidades.
Contavam-se nos dedos as poucas famílias que podiam ser consideradas ricas. Aos valores de hoje seriam, no máximo, remediadas.
Ganhava-se pouco mas os custos eram baixos e os costumes valorizavam a sobriedade. Vestia-se com simplicidade. As crianças andavam descalças, sem qualquer constrangimento, mesmo porque todos andavam assim. Em verdade nós éramos pobres e não sabíamos. Nem que éramos pobres nem que éramos felizes.
Nossa felicidade não nos deixava perceber que éramos pobres.

QUANDO CHEGUEI A MONTES CLAROS

Os fazendeiros e os donos de lojas eram considerados as pessoas mais ricas da cidade.
Mas ninguém se envergonhava de ser pobre e viver com parcimônia. Não havia emulação para o enriquecimento. Nem invejas. O custo de vida era baixíssimo. Vestir roupas remendadas, porém limpas, era usual. Consumismo era palavra desconhecida. A economia, no sentido de poupança, era um costume arraigado em todas as consciências. Os provérbios mais popularizados e invocados eram os que premiavam a poupança: “de grão em grão a galinha enche o papo”. “Vintém poupado, vintém ganhado”. “Quem guarda sempre tem”. “Não há fartura que não traga miséria”. “Mais vale um pássaro na mão que dois voando”. “Quem dá o que tem a pedir vem”. “Pai rico, filho nobre, neto pobre”.
Os artigos eletrodomésticos não haviam sido inventados. Uma residência habitualmente se compunha de sala de fora, sala de dentro, cozinha, despensa e quartos de dormir. E uma privada no quintal. O banho se tomava em bacias grandes, no quarto da pessoa, com água aquecida nos fogões à lenha.
Como entretenimento, havia geralmente nas residências um papagaio, passarinhos, cachorros, gatos, violão, sanfona, baralhos, tabuleiro de damas, às vezes uma tabela e sacola de pedras para víspora. E galinhas e porcos no quintal.
Famílias mais organizadas costumavam ter um “Chernoviz” com descrição de doenças e indicação de tratamento, Dicionário Prático Ilustrado, de Jayme Seguiér, termômetro, alguns romances de Alexandre Dumas, Victor Hugo, José de Alencar, Joaquim Manoel de Macedo e outros poucos.
Em toda residência havia um oratório, com os santos da devoção da dona da casa, frente ao qual, de joelhos, fazia suas orações.
As donas de casa utilizavam remédios caseiros e benzeduras.
Havia horários mais ou menos generalizados - café da manhã entre 6/7 horas; almoço entre 10/11 horas; “café de meio dia” entre 14/15 horas; jantar entre 17/18 horas. Hora de recolher por volta de 21 horas.
Havia o hábito da ida ao mercado todas as manhãs.
Parava-se pouco em casa. As ruas eram onde mais se vivia. As pessoas se encontravam. As famílias, após o jantar e a arrumação da cozinha, colocavam cadeiras à porta da rua, formando grupos que cresciam com a chegada de vizinhos e passantes que se sentavam para um dedo de prosa, no qual se comentavam as ocorrências, contavam-se casos, falava-se de doenças e remédios, das novidades da capital, de planos de futuro. As rodas iam aos poucos se desfazendo, naturalmente, antes que o sereno, àquele tempo muito temido, pudesse trazer algum resfriado ou agravar velhas bronquites e asmas.

EM PIRAPORA

Em 1928, eu e o Vicente meu irmão fomos fazer o 4º ano primário em Pirapora.
As aulas eram na parte da manhã. Às tardes nós as passávamos no Rio São Francisco, nadando e pescando.
Nosso pai soube disso e arranjou ocupação para nós. O Vicente foi trabalhar na seção de varejo do Trapiche do Norte, da família Nascimento, e eu na Tipografia Nascimento, pertencente à mesma família.
A princípio nós éramos mensalistas no Hotel Maia. Quando o hotel entrou em obras de reformas mudamo-nos para a Pensão Lobo, quase em frente ao Grupo Escolar, único da cidade.
As aulas iam das 7 às 11 horas da manhã.
Eu vinha para a pensão, almoçava, e às 12 horas entrava no serviço.
Gostei muito. Era um mundo novo de máquinas, tintas, graxas, caixas de tipos, ferramentas e muito barulho.
Nosso serviço era pago por produção, tendo cada serviço seu preço tabelado. Eu trabalhava mais na distribuição, que era o desfazimento das chapas já utilizadas na impressão, antes lavando-as com querosene para retirar a tinta que se grudava aos tipos. A distribuição dos tipos se fazia em suas caixas e nichos respectivos, com o maior cuidado para não misturar os tipos nem trocar os seus nichos.
Fazia parte também de minhas atribuições o cozimento dos rolos da máquina impressora, endurecidos pelo uso e que periodicamente eram cozidos em fornalha a lenha, no quintal da tipografia.
O salário era pago por peça. E alcançava, em média, 15 mil reis por mês, correspondendo a 1/10 do salário mínimo de um adulto.
Com cerca de 3 meses de serviço, já bastante prático e desembaraçado em meu trabalho, ganhei uma caixinha para confeccionar 100 cartões de visitas.
Foi um luxo.
Esmerei. Com a ajuda do gerente na escolha dos tipos e dos dizeres, de repente eu estava com 100 cartões de visitas onde se lia: [veja fac-símile acima]

Na minha primeira ida a Várzea, após a confecção dos cartões, exibia-os com alegria e orgulho a meus pais e a meus irmãos. E tive uma idéia. Vou mandar um cartão desses a meu tio Basílio, em Montes Claros.
O tio Basílio era também meu padrinho e eu havia passado um ano e meio em casa dele, terminando o 2o ano primário e fazendo o terceiro.
Eu era o ajudante dele, todos os sábados, quando íamos ao Mercado Municipal fazer a feira da semana.
Ele fazia as compras e eu o transporte das mercadorias.
Pensava: meu tio vai ficar abismado com o meu progresso.
A resposta do meu tio, que era um homem muito gozador, veio numa carta do Antônio, filho dele, meu companheiro de escola. Dizia assim:
- Meu pai recebeu seu cartão. Mandou dizer a você que tipógrafo não vale “coisa” nenhuma. Imagine auxiliar de tipógrafo ...

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


35893
Por Luiz de Paula - 7/6/2008 08:30:09
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 18)

O PRIMEIRO BEM DE CAPITAL

Foram tempos de muita saudade. Era tanta a saudade do povoado em que nasci e de minha gente, que me sentia febril. E sofria também pela falta de alguns trocados. O Mercado Municipal, nas manhãs de feira, aos sábados, exibia muita fartura de coisas apetitosas: pamonha, bolo de arroz, pé de moleque, biscoito frito, broas, e frutas diversas. Mas eu era vidrado mesmo era no refresco de tamarindo. Adoçado com rapadura e despejado num canecão de folha, sobre uma colherada de bicarbonato. Chamava-se moreninha e espumava até derramar pelas bordas do caneco. Era bom demais.
Às sextas-feiras havia sessão de seriados, às 8 horas da noite, no Cinema Montes Claros, do sr. Manoel Gomes. Lembro-me de alguns títulos. O Cavaleiro das Sombras. O Às de Espadas. Fantomas. No Arrastão da Vida.
Ganhar algum dinheiro era preciso. Foi daí que surgiu a idéia da caixa de engraxar. Feita com tábuas aproveitadas de caixões velhos. Não ficou bonita mas dava para começar. Saí à luta. A engraxada custava 200 réis. Gorjeta era coisa que não existia. Aos sábados eu saía de porta em porta, no centro da cidade. Com o provento do dia eu comprava o material que faltava. Aos domingos ia cedo para o ponto, na rua Simeão Ribeiro, na calçada ao lado do bar do senhor Brasiliano Ribeiro da Cruz, onde é hoje a Lanchonete Cristal. Por ali passavam as pessoas que iam às missas da 7 e das 9 horas, na Igreja Matriz.
Uma féria considerada boa alcançava três mil réis. Importância bastante para se começar o dia com um copo de caldo de cana comprado na Garapa do Sinval, e mais tarde um copo de coalhada. E para reabastecer a caixa, reservando parte para a aquisição de objetos de uso na escola e para ir ao seriado das sextas-feiras. E para um ou dois copos de moreninha.
A caixa de engraxar era um bem de que muito me orgulhava. Lembro-me de uma noite em que depois de conferir e guardar todo o material de trabalho, preparando-me para a faina do dia seguinte, enfiei as duas mãos no interior da caixa e com o olhar perdido nos longes fui apalpando as escovas, as latas de graxa, as flanelas de dar lustro, os vidros de tinta... Era tudo meu. Era meu patrimônio. Minha riqueza no mundo. Senti grande euforia. Um calor bom subindo pelo peito acima. Uma enorme satisfação por ter dentro daquela caixa, sob minhas mãos, tudo de que precisava para trabalhar e ganhar dinheiro.

COMPANHEIROS DE TRABALHO

Éramos mais ou menos oito engraxates naquele ponto da rua Simeão Ribeiro, na calçada rente ao muro do bar do senhor Brasiliano Ribeiro da Cruz, onde é hoje a Lanchonete Cristal.
Com o correr do tempo, a prática de futebol, no largo da igrejinha do Rosário, e o gosto pelo cinema nos tornaram companheiros e amigos.
Entre eles havia o Zé de sia Aninha, o Zezé Botão, que morava no largo da Igreja do Rosário, hoje praça Portugal. Foi o melhor driblador que já conheci, mesmo depois de adulto. Soube dele, mais tarde, na Polícia Militar, no posto de sargento. Outro muito bom de bola era o Antônio Carvalho, sobrinho do barbeiro Benvindo José de Carvalho. Havia também o Catarino, que morava longe, aos pés dos Morrinhos. Sobre ele escrevi um pouco mais, sob o título: RECADO A CATARINO.
O futebol e o cinema nos empolgavam.
Cinema, para nós, eram os filmes seriados, que se exibiam às sextas-feiras, no Cine Montes Claros, do sr. Manoel Gomes, pai do saudoso amigo José Gomes de Oliveira. Único da cidade. Passavam um primeiro filme, de “cow-boy”, de duas ou cinco partes, e em seguida vinha o seriado. Ficaram famosos: O As de Espadas e O Cavaleiro das Sombras, com William Desmond (o mocinho) e Albert Smith (o bandido). E Fantomas.
O cinema era mudo e se exibia parte por parte, com pequeno intervalo entre as partes. Projetavam a imagem e depois o letreiro, explicando o diálogo. Os tiros eram reconhecidos pela fumaça que saia dos canos das armas.
Quando vinha uma cena muito forçada - como, por exemplo, o “cow-boy” matando meia dúzia de bandidos, de uma só vez, ou o cavalo de Tom Mix dando um salto de 10 metros, a gente ouvia logo a exclamação do Catarino, a ecoar no escuro, vinda de algum lugar, nas galerias: Ô DESAJÊRO!
O CINEMA

Fora das aulas havia duas novidades muito gratas: a luz elétrica, iluminando a cidade à noite, e o cinema, às sextas-feiras, em filmes seriados de “western”.
Era ainda o cinema mudo. Mas havia música local, antes de começar a projeção, com a Professora Dulce Sarmento ao piano.
A entrada custava 1 mil réis, equivalente a 5 engraxadas.
Era sessão única, começando às 20:00 horas. Os “habitués”, como eram chamados os freqüentadores, pela “Gazeta do Norte”, começavam a chegar às 19:00 horas, atendendo ao chamado de uma estridente campainha, colocada na parede externa do prédio, cujo som se ouvia em todo o centro da cidade.
O cinema, com a inevitável espera para quem quisesse encontrar bons lugares, tornara-se local de namoro. E era de bom tom (como se dizia àquele tempo) o namorado ou marido oferecer revistas a seu par.
Os vendedores de revistas e caramelos circulavam diligentes, atentos aos chamados dos fregueses.
Quando a projeção ia começar, cessava o retinir da campainha externa e soava uma outra, de som mais fraco, localizada no alto da cabine de projeção. Avisando aos espectadores que a sessão ia ter início.
A projeção se fazia por partes, com intervalo entre uma e outra. As fitas de “cow- boys” compunham-se geralmente de 5 partes. Os seriados tinham 4 partes. E os dramas ou fitas de amor, como eram chamadas, e as comédias e fitas de guerra, eram estruturadas em 7 ou mais partes. Os “complementos”, que antecediam o programa principal, apresentavam uma ou duas partes.
Nos intervalos entre as partes muitos espectadores se levantavam para fumar junto às portas laterais e retornavam a seus lugares ao chamado da campainha interna.
A projeção produzia um ruído monótono e contínuo, que para muitos funcionava como o melhor dos soníferos.
Eram conhecidas na cidade algumas pessoas que iam ao cinema para desfrutarem de duas boas horas de sono.
A professora Dulce Sarmento executava o piano com maestria. Eu sempre tive pendor para a música e no cinema, ouvindo o piano, gravava com facilidade as melodias. E em casa de meus tios ia aprendendo as letras, com preferência para as canções que se adequavam à meu estado de espírito.
Recordo-me ainda de algumas dessas composições, especialmente de duas delas, que eu repetia principalmente quando me encontrava sozinho, curtindo a minha saudade.
Eram os tangos NUNCA MAIS e NELLY.
As letras não tinham muito a ver com meus sentimentos. Eram as melodias que se harmonizavam com minha saudade.
Começavam assim:

Ó nunca mais gozarei ao teu lado
deliciosos momentos de amor.
ou
Nelly, Nelly
quero adorar-te eternamente.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


35829
Por Luiz de Paula - 4/6/2008 16:09:36
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 17)

“POR CIMA DOS TELHADOS,
POR BAIXO DOS ARVOREDOS”

Menino de 9 anos,
veja só que idade eu tinha,
descendo ladeira abaixo
comendo minhas goiabinhas,
cada folha que caía
pensava que a onça evinha.
(Do folclore mineiro)

Sou personagem do êxodo rural. Naqueles primeiros dias após a chegada, dominava-me a saudade, enorme e persistente, de minha terra, de minha gente. Sem a menor possibilidade de retorno próximo. Talvez por ser o mais jovem, fui o mais atingido ao ser afastado do lar paterno. No desespero, fiz promessa para voar e voltar, voando, para casa. Escolhi o local da partida. Seria na Várzea, hoje Praça de Esportes, na esquina de lote vago, sobre a armação de madeira de um muro velho, na esquina da rua Padre Teixeira com a Várzea. Onde hoje se encontra o Posto Candango.
O local, àquele tempo, era pouco freqüentado, como me convinha, e o muro era de baldrames. Sob a ação do tempo os adobes haviam caído e se amontoado em meio ao capinzal que ali viçava. E restou a armação, de aroeira lavrada, toda entrançada de ramos de melão de São Caetano e bucha de lavar vasilhas (lufa cylindrica, LIN).
Ficava não longe da residência do meu tio Pedro Mendonça, onde se hospedara o Lauro, o irmão mais velho. Eu havia visto o lugar e o achara apropriado.
Antes de subir na armação de baldrame, afastei-me um pouco e entrei numa moita de fedegosão, onde tirei a roupa, virei-a pelo avesso e voltei a vesti-la. Sobre a viga mais alta do baldrame, caminhei até o ângulo mais afastado, o final da rua Padre Teixeira, que fazia esquina com a Várzea, (hoje Avenida Armênio Veloso). Ao alcançar esse ponto, virei-me para o nascente, benzi-me, fazendo o nome do padre, e pronunciei bem claramente, com a vista levantada, fitando o horizonte: “por cima dos telhados, por baixo dos arvoredos”.
Eram as palavras de um menino que voava, como nos ensinara a Sia. Clara, velha contadora de histórias do povoado de onde eu viera.
Falei: “por cima dos telhados, por baixo dos arvoredos”. E saltei para a frente, movendo os braços como asas. Do alto da sabedoria de meus quase 9 anos, estava certo de que iria voar e regressar a Várzea da Palma. Na força que vinha da fé e da promessa. E da saudade que minava o meu ser.
Caí de barriga, no chão coberto pelo capinzal.
Levantei-me meio choroso. E iniciei o caminho de volta à casa de meus tios. De cabeça baixa. Eu era só tristeza e frustração.

INFÂNCIA EM MONTES CLAROS
(julho de 1926 a novembro de 1927)

Desterrado (era como me sentia) aos 9 anos incompletos, após uma despedida de muito choro e reclamações em altos brados, de que não queria sair de minha terra. Meus primeiros tempos em Montes Claros foram de banzo, a consumir-me em intensa e constante saudade. Saudades de minha mãe e do meu pai, de meus irmãos mais novos, que ficaram lá. Estava sempre a perguntar-me: o que será que eles estão fazendo agora, lá em casa? E a saudade persistia: da casa, do amplo quintal cheio de caixotes, barris, bichos de criação; dos galos que criava, do carneiro que ganhara pouco antes da viagem, dos banhos no Córrego Resgate e da ducha do Boeirão. (Até hoje o sabão de côco me traz o cheiro do pequeno sabonete HOTEL, que custava 200 réis, e que eu levava no bolso para o banho na ducha). Saudades das caçadas de codornas, preás e inhambús, com bodoque ou estilingue; das pescarias nos córregos do Resgate, Lameirão, e na Palma Velha, e nas lagoas e no Rio das Velhas. Das peladas com bolas de borracha e até com laranjas verdes. Das caçadas de filhotes de periquitos e papagaios e de moradas (colméias) de abelhas jataí e mandaçaia. Das frutas do mato: pinhas cheirosas, de janeiro, na Palma Velha; jabuticabas e goiabas, côco macaúba, mamacadela, pitomba, jatobá, barú, nas vazantes do Rio das Velhas e Lameirão. De cajuzinho do campo, muricis, araticuns, mutamba, marmelada de cachorro, mandapuçá, de grão de galo, bacupari, pequis no cerrado da Serra do Repartimento. De folhas de pau-terra, capim santo, cordão-de-frade, tiuzinho e outras, para remédio ou chás aromáticos. E das brincadeiras com a meninada. Eram saudades para não acabar mais.
Pouco a pouco o ambiente foi fazendo o seu trabalho de absorção, contribuindo nesse sentido a freqüência à escola. O segundo ano no Grupo Escolar era mais adiantado do que o segundo ano da escola de Várzea. Não faltavam novidades. Logo no primeiro dia de aula (primeiro para mim, mas para os outros alunos já era o início do segundo semestre), chamou-me a atenção um aviso afixado ao quadro negro, onde pude ler: SEMANA DA HYGIENE. Chegando em casa perguntei à minha tia o que era hygiene.

EM MONTES CLAROS

O que me ajudou a suportar a saudade de minha gente e de minha terra foi a escola. E as novidades - luz elétrica, calçamento das ruas, mercado, cinema - e a música nova e variada que encontrei aqui. Os hinos e cânticos do Grupo Escolar e as canções que meus primos e primas e seus amigos e amigas cantavam: modinhas, canções carnavalescas e outras, deixadas por circos e companhias teatrais que por aqui passavam e cantigas do rico folclore regional, inclusive das festas de agosto.
Parece que aquela saudade inflamada foi se diluindo nessas cantigas e se tornou suportável, embora sempre presente. Isso no primeiro período, de um ano e meio. Na segunda permanência fui aprendendo a comparar e a julgar as duas comunidades e a compreender que meu futuro estava em Montes Claros ou mais adiante, pois não me esquecia de que meu pai, volta e meia nos dizia que lugar de futuro para gente nova era São Paulo.
Eu comecei, nos primeiros tempos, comparando os doidos de Várzea com os de Montes Claros. Os daqui eram mais divertidos. Depois passei a comparar nomes e profissões. Comparava o maior comerciante de lá e o maior daqui. E Várzea sempre perdia nessas comparações.
Pouco a pouco minha mentalidade foi-se tornando racional e compreensiva para a vantagem de viver em Montes Claros, para quem queria estudar.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


35705
Por Luiz de Paula - 31/5/2008 08:22:26
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 16)

TAPERA

Nos restos da casa velha
- esteios, cacos de telha,
bem se pode adivinhar
cinza que já foi lume,
tristeza que foi perfume
solidão que já foi lar.

ZÉ DE JOÃO GRAVETINHO

O José, filho do João Gravetinho, era gago. Para falar. Mas não para cantar.
Éramos meninos da mesma idade. Na Fazenda de meu pai, andando pela estrada que ligava os retiros do Buritizinho ao do Cotovelo, nós jogávamos versos, um para o outro, no refrão de uma cantiga nordestina que era assim:
Ôi-tina, dôe-dolina, dôe-diá,
quero que você me diga
quantas penas tem cocá.

Ôi tem cocá,
dôe-tina, dôe-dolina, dôe-diá,
pinta preta e pinta branca
cada qual em seu lugar.

Em seu lugar,
dôe-tina, dôe-dolina, dôe-diá,
quero que você me diga
quantas estrelas tem no ar.

Ôi tem no ar,
dôe-tina, dôe-dolina, dôe-diá,
tem mais de 40 mil
se duvida, vai contar.

Ôi vai contar,
dôe-tina, dôe-dolina, dôe-diá,
quero que você me diga
quantos peixes tem no mar...

E assim prosseguíamos enquanto houvesse boa memória e inspiração. E chão para caminhar.

LEMBRANÇAS DE VÁRZEA

Ao volver o pensamento ao passado distante, forma-se em minha mente a imagem muda do casario do povoado, com a pequena igreja, em construção paralisada, aparecendo do outro lado da linha férrea. E ao fundo, o Morro, hoje Serrinha, do qual os irmãos mais velhos contavam casos de onças.
Ao norte, na saída para Jequitaí, ficava o Rio das Velhas, a um quilômetro do povoado, com o lendário de caboclos e mães d’água.
Mais adiante, rio acima, a Palma Velha. E o pântano, cercado de pindaíbas esguias e buritizeiros, no interior do qual, segundo diziam, havia cobras sucuris e jacarés.
Na saída para Pirapora havia a Ceva, do senhor Evangelista, o açude, o córrego do Lameirão, rico de matrinxãs e dourados e, do outro lado do córrego, os mistérios da mata do Anda-Sol.
Vindas de longe, nas distâncias do tempo, vão tomando forma novas lembranças.
Havia duas ruas, ambas paralelas à via férrea. Uma delas, no lado de cima da ferrovia, no começo dos campos gerais, ainda pouco habitada. E a outra, do lado de baixo. Era a rua das casas de comércio. Durante o dia era estrada de passagem de boiadas e tropas de burros. E à noite era o local para nossas brincadeiras de pique e de soldados. E para as cantigas de roda das meninas. Eu as revejo, as meninas do meu tempo, em seus alvos vestidos, à luz pálida do luar, a cantar de mãos dadas: “lá do céu caiu um cravo, de tão alto desfolhou, quem quiser casar comigo, vá pedir quem me criou.” Tão gentis, tão doces, tão puras. O que lhes terá dado, na vida, este mundo de Deus?
As ruas não tinham nomes. Os becos tinham: Beco de Zé de Melo, Beco de seu Tico, Beco de Atanázio, Beco de Biló. Todos saindo da rua principal em direção ao rio.
Na quaresma, quem acordasse noite alta ouviria a cachorrada nas ruas a latir os lobisomens...
Do outro lado do rio, a Serra do Cabral. E trinta léguas, ao longe, a cidade de Montes Claros, terra natal de nossa mãe, por ela sempre lembrada e apresentada como o melhor lugar do mundo.

III

A IDA PARA MONTES CLAROS

A VIAGEM

Aos 8 anos e meio de idade recebi meu diploma de segundo ano primário, da Escola Rural Mista de Várzea da Palma, alcançando o tôpo do ensino público da localidade.
Nesse ano, em fevereiro, morrera nosso irmão mais velho, o Geraldo, aos 18 anos. De tifo. A morte do Geraldo foi um acontecimento extremamente doloroso para todos nós. Sofremos todos. Demais. Mas minha mãe e meu pai foram os que mais sofreram. Geraldo era o filho mais velho e companheiro de meu pai, trabalhando lado a lado com ele, sempre alegre, jovial e bem disposto. Mais tarde compreendi que não só a perda do filho e companheiro o afligia, mas também o reconhecimento de que estava criando a família num clima inóspito e sem recursos médicos. Daí a sua resolução de mandar os três filhos mais velhos para Montes Claros, inicialmente para completarmos o curso primário.
E lá fomos nós – o Lauro, o Vicente e eu. Viagem a cavalo, de três dias, com o pai servindo de guia.
Cada um de nós ficou na casa de um tio e padrinho, matriculados, os três, no segundo ano primário, no Grupo Escolar Gonçalves Chaves, na rua Cel. Celestino, nº 75, único grupo escolar existente na cidade. Nós já tínhamos o diploma da Escola Rural de Várzea. Mas repetimos o segundo ano por estarmos chegando no meio do ano escolar. A professora era uma santa educadora, dona Lainha, esposa do advogado José Tomaz de Oliveira, dono do jornal “Gazeta do Norte”.

CASO DO ARROZ

Meu irmão Geraldo faleceu em fevereiro de 1926. Em julho, meu tio Basílio, irmão de meu pai, três anos mais velho, veio a Várzea visitá-lo. Com ele veio sua filha mais velha, Maria.
Os irmãos conversaram, durante aqueles dias da visita, sobre o clima de Várzea, que não era bom, e sobre a falta de escolas. No final, decidiram que os três filhos logo abaixo do Geraldo, o Lauro, o Vicente e eu iríamos para Montes Claros. E fomos, conforme fôra combinado. Viajamos a cavalo, durante três dias e chegamos à noite. Minha tia recebeu-nos muito alegre e afetiva e mandou fazer rapidamente uma panelada de arroz com carne. Ao servir, eu, muito encabulado, de cabeça baixa, e com vergonha até mesmo de existir e estar presente ali, respondi que não queria. Minha tia insistiu mas eu continuei recusando. Aí ela me perguntou:
- Você não come arroz?
Em desespero de causa, respondi:
- Não, senhora...
- Engraçado. Há crianças que não comem determinadas coisas.
Fui dormir sem nada comer. Dessa vez, permaneci em Montes Claros um ano e meio. Dos 9 aos 10 anos e meio. Sem comer arroz.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


35631
Por Luiz de Paula - 29/5/2008 09:44:40
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 15)

SERVIÇO DE MENINO

O pessoal não presta atenção ao tanto de coisas que um menino faz em casa a mandado do pai e da mãe.
É cortar lenha, é pegar frangos, lavar cachorro, comprar coisas na rua, cuidar de irmão menor, jogar milho para as galinhas, tirar água na cisterna... Você pensa que acabou? Tem mais: botar bodes para fora do quintal, buscar pedras de areia na beira do rio para areação de panelas, buscar folhas de fedegozão para varrer forno de assar quitandas, levar caldeirão de comida para lavadeira de roupa no córrego, arrancar malvarisco na frente de casa. E por ai vai. É trem que não acaba mais.
Quando eu era menino de meus 9 para 10 anos, tive uma ferida na perna que deu trabalho. Durou mais de dois anos.
Coisa vantajosa é a gente ter uma ferida. Não falo de pereba, que é coisa à-toa, que a gente sempre tem uma ou mais. Falo é de ferida mesmo, dessas que inflamam, crescem e fazem o cristão mudar o caminhado.
A vantagem é toda da gente. Não deixamos de jogar bola nem peteca (xingo de mãe ninguém liga). Nem de tomar banho no rio, nem de buscar cavalo no pasto ou de brincar de pique. Nem de caçar passarinho e preá, nem de pescar, nem nada. Mas quando o pai ou a mãe da gente manda cortar uma lenha, pegar um frango, comprar qualquer coisa na rua, ou o que for, a gente faz uma cara triste e muda de posição, só para mancar com a perna da ferida. Aí o pai ou a mãe só manda a gente se não houver outro ali perto.
Mas a vantagem maior a gente só vem a reconhecer mais tarde, já homem feito, quando precisa de qualquer planta do campo. Aí é que a gente vê como é que um ou dois anos com uma ferida das grandes fazem a gente ficar conhecendo tudo quanto é rama e árvore do campo. Porque, para cuidar da ferida, a gente vai ao campo quase todo dia arrancar cascas ou raízes, ou colher folhas de pau santo, barbatimão, embaúba, muricí, tiborna e outras tantas usadas para fazer o cozimento e banhar a ferida. Enquanto a gente está procurando essas plantas, acaba conhecendo as outras. Já pensou na vantagem de um cristão conhecer a utilidade dos adjuntos de horta e mais todas as plantas do campo?

SERVIÇOS DE MENINOS No 2

Meu pai sempre optou por nos manter fazendo algum trabalho em volta dele.
Nós tínhamos o nosso lazer. Fora do horário da escola havia os trabalhos mais grosseiros de capinar o quintal, empilhar a lenha resultante da poda de mais de 40 mangueiras e outras árvores frutíferas do pomar, arrancar - isso mesmo, arrancar, pelas raízes, com as mãos - o espinheiro maroto e outras vegetações que nasciam com as primeiras chuvas em frente à loja e a residência da família.
E havia a ajuda no balcão, a princípio no balcão mais estreito, onde se negociavam alimentos e bebidas, e fumo em corda, depois, quando se estava mais crescido, no largo e extenso balcão dos tecidos e armarinhos.
Importante também era o serviço de rua. Além das compras, para minha mãe, havia os serviços da loja, consistentes, em sua quase totalidade, nas idas à agência do correio, para arrecadação de correspondência, no horário da chegada e abertura das malas que vinham pelo expresso da manhã, ou ainda para postagem de cartas ou compra de selos, e as constantes idas à estação da E.F.C.B (Estrada de Ferro Central do Brasil) para expedição de telegramas, pelo aparelho MORSE da ferrovia ou para providências ligadas ao recebimento e expedição de cargas. Quando mais novo eu fazia esses serviços montado em meu cavalo de cabo de vassoura.
Como aprendera vendo o pessoal da roça em suas montarias, meu cavalo de pau nunca marchava em linha reta. Partia sempre fazendo uma curva bem aberta, para se distanciar de outros animais ou de árvores ou montes de pedras ou tufos de vegetação ou de pessoas presentes no caminho, refugando aqui e ali, como todo cavalo que se presa.
Se o cavalo de pau não se encontrava à vista, acessível, eu me comportava como se montado estivesse nele, ordenava-o a pôr-se em marcha, como via os cavaleiros da roça procederem, e para acelerar o andamento esporava com os cotovelos as minhas costelas e o resultado era que o mandado era cumprido com rapidez.
Mas no que diz respeito a serviço mesmo, ou seja de emprego com terceiros, o meu primeiro trabalho foi na Tipografia Nascimento, em Pirapora, quando para lá fui, aos 11 anos de idade incompletos, a fim de terminar o curso primário, ou seja para fazer o 4o ano.

ANTES DA ADOLESCÊNCIA

Menino ainda, em Várzea, nas tardes tranqüilas do estio, tendo ante os olhos o imenso espaço entre o céu e a terra e a sentir o cheiro bom de tudo em volta, encantava-me ouvir o canto e os rumores da tarde a transformar-se em crepúsculo. E a visão do céu tão azul, tão puro, tão perto e enorme, com todos os seus mistérios.
Em mim, a sensação de ser parte da natureza, incorporado ao quadro majestoso da tarde crepuscular. Envolvido pelo cheiro da terra e das plantas. E com a consciência de estar apenas começando a existir, de ter pela frente toda uma vida para viver.
Aquela beleza em tudo, plena, misteriosa, oferecida como se todo aquele mundo fosse meu.

SAUDADES

Saudades, gratas lembranças da infância muitas vezes não nascem de realidades, mas de coisas e situações que só existiram no mundo mágico em que vivem as crianças.
Eu fui uma criança pobre, descalça, não comia sempre do que queria, criada no desconforto do meio rural, a padecer com malária, verminose, dores de dentes, perebas. E sem brinquedos de loja.
No entanto tenho muitas saudades daqueles tempos, e de bom grado repetiria minha infância, naquele mesmo modesto e querido povoado.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


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Por Luiz de Paula - 24/5/2008 10:01:16
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 14)

JOGO DE PÔQUER

De vez em quando, amigos de meu pai combinavam com ele e faziam uma sessão de pôquer, após o fechamento da venda.
O grupo se reunia por volta das oito horas da noite, ou pouco mais tarde. Quando saía o último freguês, meu pai mandava-me fechar as portas da frente e colocar mais carbureto no gasômetro, para garantir boa iluminação até as dez ou onze horas da noite. Enquanto eles preparavam a mesa para o jogo eu ia à sala de jantar apanhar copos limpos para eles beberem cerveja Brahma Rainha, ao natural, pois por aquelas bandas nunca se ouvira falar em geladeira.
Eu gostava demais de assistir a essas partidas de pôquer. Os parceiros eram pessoas bem humoradas, que gostavam de contar piadas e rir. Dois deles eram jogadores tarimbados. Já haviam jogado em São Paulo e contavam casos engraçados, muito ao agrado de minha aguçada curiosidade.
Mas meu pai proibia minha presença. Terminado o meu trabalho eu devia retirar-me. Todavia, a curiosidade em mim era maior do que o dever de cumprir a ordenação paterna. Eu sempre encontrava um jeito de ir ficando, em qualquer pequeno espaço que a visão de meu pai não alcançava.
Certa ocasião, já tarde da noite, muito depois de terminado o jogo, minha mãe deu por falta de mim. Foi um tumulto em casa. Todos se puseram a procurar-me. “Teria fugido de casa? Teria caído na cisterna?” Eram as perguntas que se faziam. Até que minha mãe, movida por sua intuição tapuia, apanhou uma lamparina e foi encontrar-me dormindo a sono solto sobre um caixote que servia de depósito de papel de embrulhos, sob o balcão da venda.
Em outra ocasião, lá pelas tantas, um dos parceiros no jogo, o senhor Stênio Garcia de Paiva, um alegre e brilhante bon vivant, filho de importante empresário de Belo Horizonte, quis lembrar-se de antiga modinha que conhecera em Diamantina. Desde suas primeiras informações, eu, de meu esconderijo, atinei com a resposta. Mas os adultos - isso eu e meus irmãos sempre soubemos - são uns tapados. Só davam palpites errados.
No decurso do jogo, pintavam os mais diferentes assuntos. No caso da modinha, após umas duas jogadas, o sr. Stênio insistiu:
- Ora, pessoal, é uma modinha muito bonita e muito conhecida. Tenho certeza de que vocês a conhecem. Há uma história muito interessante, ligada a essa modinha, que eu quero contar a vocês. Mas antes tenho de me lembrar da modinha. É uma em que o camarada apela para a namorada vir ouvi-lo.
Mas, com todo o respeito, a turma era burrinha mesmo. Não acertava um palpite. E a cada vez que o sr. Stênio voltava ao assunto eu tremia de impaciência e trincava os dentes para evitar que gritasse minha opinião. Mas ninguém é de ferro. Quando a pergunta mais uma vez foi feita, não pude me conter. E saindo de minha toca aproximei-me do sr. Stênio e falei assim:
– Olha, seu Stênio, eu acho que a modinha é esta - E com a voz desafinada que Deus me deu, comecei a cantar:


Acorda minha beleza,
descerra a janela tua,
espalha-se a luz da lua
pela poética devesa.

O sr. Stênio era um extrovertido. Vibrou. Abraçou-me, lascou-me um beijo na testa. Os parceiros também gostaram e me abraçaram sorrindo.
Mas houve uma exceção. Meu pai. Vendo-me surgir do nada, contrariando sua determinação, fechou a cara e foi ríspido:
– Você perdeu boa oportunidade de ficar calado. Sua mãe o está chamando lá dentro ...
Eu pus o rabo entre as pernas, como se diz, e fui saindo de cabeça baixa, murcho, sem graça, igual a cachorro que fez “malfeito” na igreja...

ADENDO

Um dia, nos anos 60, encontrava-me em meu escritório, no centro da cidade, quando se apresentou um cidadão idoso, da parte do jornal “Estado de Minas”.
Entregou-me o seu cartão mas eu já o havia reconhecido assim que transpôs a porta de entrada do escritório.
Deixei-o falar do trabalho que estava executando na cidade para o jornal.
Depois informei-o de que já o conhecia. E contei-lhe o caso do jogo de pôquer.
O bom homem se desfez em lágrimas.
Quando se recompôs convidei-o a participar de um encontro de seresteiros que aconteceria à noite, em minha casa.
Ele compareceu e em dado momento os seresteiros cantaram em sua homenagem, a meu pedido, a modinha pela qual demonstrara predileção naquela noite distante, entre amigos. Ele agradeceu comovido e retirando-se para uma mesa ao lado, escreveu e depois leu para os presentes o que abaixo vai transcrito, cujo original me entregou.

“Luiz de Paula, filho do querido Tico, homem paradoxal de bondade e severidade, que nós, na nossa ignorância e incompreensão tratávamos apenas no risco de nossa insatisfação. Mas que a ampulheta do tempo nos prostra hoje de joelhos em preces de gratidão.
Quantas vezes aquela bondade que não tive a graça de sentir como precisava, batia-me no ombro e na doçura da advertência e do conselho, dizia-me: senhor Stênio, o senhor tem uma bondosa esposa.
Sou esmoler da palavra que a emoção torna ainda mais difícil. Muita coisa desejaria falar ao seu coração terníssimo Luiz, e que você bondosamente e enternecidamente escutaria, mas não vou roubar aos seus amigos o encantamento destes momentos e no embaraço de pontualizar meu matraquear de velho, peço que me perdoem a inoportunidade do que não pude calar.
Obrigado a todos. Sinta, meu caro Luiz, meu abraço no seu coração.
Stênio Garcia de Paiva”


(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


35434
Por Luiz de Paula - 21/5/2008 21:51:58
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 13)

COMPANHEIROS DE AVENTURAS

Sou o quarto filho em uma família de sete irmãos. Quando comecei a entender as coisas já encontrei à minha frente três sabichões que conheciam de tudo neste mundo - os três irmãos mais velhos.
De como fazer um bodoque de pau pereira ou uma arapuca de vergônteas tratadas ao calor do fogo. Ou preparar visgo de leite de gameleira cozinhado em água fervente. Ou, ainda, como colher o buriti para fazer alçapões e gaiolas ou como pegar codornas no campo, correndo em círculos ao redor delas até as bichinhas ficarem tontas e aí bastava atirar o chapéu em cima delas e apanhá-las com as mãos. E ainda a contar terríveis histórias de capetas e assombrações.
Não vou negar: eles me ensinaram muitas coisas. Mas viviam a caçoar de mim. E me batiam por qualquer dê-cá-uma-palha.
E não aceitavam que eu os acompanhasse quando saiam para pescarias no Rio das Velhas e nos córregos existentes em volta do povoado. E nem para as caçadas de codornas, inhambús e preás, no Anda-sol, na Palma Velha ou no Morro da Anta.
Diziam que eu era muito novo.
Sentindo-me desprezado eu me fazia de bobo e saia de perto deles mas ficava a vigiá-los. E quando eles se punham a caminho eu os acompanhava por fora da estrada, para não ser visto, escondendo-me atrás dos arbustos, sempre de longe.
Mas eles eram muito sabidos e por mais que me ocultasse acabavam por me descobrir. Aí eles paravam e ordenavam aos gritos que eu voltasse para casa. E um ou outro, mais ranzinza, corria em minha direção para forçar-me a regressar. Eu não era bobo de ficar esperando. Corria também, a valer, sempre olhando para trás, para manter a distância entre nós. Quando o perseguidor desistia e voltava para junto dos outros eu também retornava, mantendo sempre a distância que me protegia.
A estrada para o rio era de boa largura, numa distância de mais de um quilômetro, o que facilitava essas escaramuças.
Quando eles começavam a jogar pedras eu recuava para altura em que as pedras já chegavam sem força. As pedras batiam no chão e vinham pulando até pararem junto a meus pés.
E assim a coisa prosseguia. Eles em marcha à frente e eu os acompanhando, ora recuando, ora avançando, em permanente estado de beligerância.
Até que acontecia algo que por mim já era esperado. Algum deles se lembrava de que havia esquecido alguma coisa. Podia ser um anzol ou uma isca especial, ou um canivete. Qualquer coisa desse tipo. De minha posição eu percebia que eles haviam parado e confabulavam.
Daí a pouco um deles se desgarrava e vinha em minha direção. Passo a passo, sem gritar, sem xingar, sem jogar pedras. Eu percebia que ele vinha em paz. Era a figura clássica do parlamentar. Só faltava a bandeira branca.
Eu então ficava na minha. Parado mas alerta. Pronto para ouvir, mas pronto também para dar no pé. Se fosse uma armadilha.
Quando a aproximação começava a por em risco a minha segurança, eu gritava:
– Fala daí mesmo!
Meu irmão compreendia a razão de meus temores, estacava a razoável distância e me passava as ordens sobre o que eu deveria ir buscar. E que fosse correndo.
Aí eu ficava feliz. Num átimo voltava ao povoado, pegava o que fôra buscar e retornava, sempre correndo, já sem qualquer temor.
E reinavam a paz e a democracia.
Permitiam até que eu participasse e opinasse em assuntos da maior importância. Como aconteceu certa ocasião em que juntos decidimos sobre qual a melhor fruta do mundo.
Após acalorada discussão, da qual eu tive a honra de participar, chegamos a um consenso. Não era somente uma, mas eram três as melhores frutas do mundo. A jabuticaba, a pinha de casa e o abacaxi


(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


35332
Por Luiz de Paula - 18/5/2008 01:31:48
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 12)

TI - TUÍ - Í

Meus irmãos e eu gostávamos de ouvir nossa mãe contar histórias do tempo da infância dela. Apinhávamos a seu redor, a pedir que nos falasse de seu tempo de criança.
Lembro-me da noite em que ela nos falou sobre as estações do ano. E esclareceu que tínhamos também nossa primavera. E acrescentou: “é um passarinho que avisa quando a primavera está para chegar”.
- Verdade, mãe?
- Verdade, filho. É uma avezinha de porte médio. Muito bonitinha. Ela tem o pescoço e o peito brancos. E as asas e a cauda escuras, marchetadas de branco.
- Ela canta, mãe?
- Canta, sim. É com seu canto que ela anuncia a vinda da primavera. É um canto bonito, melodioso, que alcança grandes distâncias. E ela o repete, seguidamente, desde quando começa a madrugada.
Nossas mentes de crianças ficaram empolgadas. Que coisa mais bonita! Um passarinho que avisa às pessoas que a primavera está chegando...
Nossa mãe carinhosamente prometeu:
- Quando chegar o mês de setembro eu acordarei vocês bem cedo, no escuro da madrugada, para vocês ouvirem o canto da primavera.
Não muito tempo depois, em uma madrugada de setembro, ela nos acordou, um a um, sacudindo-nos, sem fazer barulho, para não perturbar as outras pessoas da casa.
Após estarmos todos de pé, a seu lado, ela abriu uma janela que dava para o nascente e recomendou:
- Agora fiquem calados e escutem com atenção.
Nós estávamos curiosos e cochichávamos uns com os outros. A partir de sua recomendação, fizemos silêncio e nos pusemos à escuta. Daí a pouco começou a chegar aos nossos ouvidos o doce canto esperado. Era um canto de suave modulação, dividido em três tempos. No trecho intermediário as notas se prolongavam. Graficamente talvez se pudesse representá-lo assim: tí - tuííí - í.
Era um canto de alvíssaras.
Nós escutávamos embevecidos. Era um trinado límpido, cristalino, de indizível doçura, a repetir-se espaçadamente e a crescer e a ganhar distâncias na solidão daquela hora: tí - tuííí - í. Tí - tuííí – í. Tí - tuííí - í...
Olhando pela janela, vi que ao longe, acima do barrado azul da serra, o céu já assumira as cores da alvorada. E perguntei à nossa mãe como se chamava aquele passarinho.
- Primavera (*) - ela respondeu.
Mas para mim e meus irmãos, o seu nome, a partir daquele dia, passou a ser tí - tuí - í. E a tão grata cena, vivida naquela madrugada de setembro, tornou-se algo ternamente guardado para sempre em nossa lembrança.

(*) Ave passariforme do gênero XOLMIS, popularmente
conhecida como PRIMAVERA.

A ROSCA

Minha mãe havia me dado um tostão. Naquele tempo, o tostão, também chamado de cem réis, era a moeda de mais baixo valor. Mas com ela comprava-se uma caixa de fósforos, ou um papel e envelope, para cartas, e muita coisa mais.
Conheci a moeda de cobre, de 40 réis, e o vintém, de liga de níquel, de 20 réis, mas já fora de circulação, embora os adultos de então se referissem freqüentemente a um tempo em que uma e outro eram moedas correntes.
Voltando ao tostão, desde o momento em que o recebi, a moedinha não esfriou mais. Mantive-a sempre quente, apertada em minha mão.
Chegou a noite. Fui dormir pensando no que iria comprar no dia seguinte.
Ao despertar, pela manhã, de pronto não me lembrei do tostão. Dei-me conta, sim, de que havia algo novo naquele novo dia. Senti que vinha de dentro de mim uma alegria nova, latejando como se quisesse saltar do peito para fora. Mas não atinava com a razão disso tudo. Por que será que estou me sentindo assim tão feliz?
Foi nessa altura que me lembrei do tostão. E foi aquele susto! Cadê o tostão? Não se encontrava mais em minha mão. Revirei-me na cama, num átimo, e, graças sejam dadas, lá estava ele, o danadinho, a destacar-se sobre o lençol.
Apanhei-o depressa e voltei a apertá-lo na mão e a sonhar, olhando no telhado as teias de aranha e as falhas das telhas, por onde se avistava, aparecendo ao longe, o límpido azul do céu.
“Que vou comprar?” Era sobre o que me perguntava.
A escolha era farta. Poderia comprar três laranjas, ou quatro limas, ou cinco balas doces, ou dois biscoitos de fofão, ou uma rosca.
“Vou comprar uma rosca”.
Na rua de baixo havia a venda do seu Gaudêncio, delegado do lugar.
A esposa dele, Dona Biló, era quitandeira de mão cheia. Além do pão de sal, pesado, barrigudo, ela fazia uma rosca morena, temperada com canela e adoçada com rapadura, que para mim era a rainha das quitandas. Decidi-me.
“Vou comprar uma rosca”.
E fui. Deviam ser umas duas horas da tarde. Por aí assim. Nem muito antes nem muito depois. Comprei a rosca e no caminho, de regresso, vim roendo-a por fora, comendo a casca, que tinha um cheirinho bom de erva-doce. Poupando. Quem já foi menino pobre sabe o que é poupar. Comer devagar. Um pedacinho de cada vez. Para durar muito.
Ao me aproximar de casa a rosca já estava sem a casca. Raciocinei: “meus irmãos são muitos. Se eu entrar pela porta da frente vou ser forçado a dar um pedaço aqui, outro ali e lá se vai minha rosca”. Decidi: “vou pelos fundos.” Passei pelo quintal, saltei a janela do quarto de minha mãe e me deitei na cama dela, cobrindo-me com seu cobertor, dos pés à cabeça. E bem no escondido continuei a roer a minha rosca na maior felicidade.
Mas vocês sabem como são as coisas. Em lugar pequeno as notícias correm depressa. Assim é que o Vicente, meu irmão mais velho, ficou sabendo, não sei por que meios, que eu fora visto a roer uma rosca, vindo da venda de seu Gaudêncio. O Vicente nunca foi bobo. E tirou logo suas conclusões.
O certo é que daí a pouco comecei a ouvir seus gritos, dentro de casa, chamando por minha mãe.
Acompanhando o som da voz, percebi que ele fôra à cozinha, em seguida ao quintal, e agora vinha, a repetir o chamado, em direção ao quarto em que me encontrava.
Minha avó dizia que nós, os seus netos, tínhamos o capeta no couro. Devia ser o Romãozinho, que é o capeta dos meninos. Deve ter sido ele que me cutucou e me fez responder, debaixo do cobertor, o mais alto que pude, com a boca cheia de rosca, quando o Vicente passava pelo corredor sempre a gritar por minha mãe.
– Úuu... - Eu respondi.
Ele deve ter escutado. E a pergunta veio em altos brados:
– Onde é que a senhora está, mãe?
– Aquiii... – Respondi em falsete.
O Vicente insistiu:
– Onde, mãê?
– Úuu... Foi como respondi. Eu não quis arriscar-me a imitar novamente a voz da minha mãe. Ele já estava muito próximo e poderia descobrir o embuste. Por isso só fiz assim: – Úuu...!
Aí ele entrou no quarto, viu o vulto na cama, acreditou que era nossa mãe, e pôs-se a choramingar.
– Ó, mãe! A senhora deu um tostão ao Luiz, aquele cachorro amarelo, e ele comprou uma rosca. Todo mundo viu ele vindo da venda de Dona Biló, comendo a rosca. E a senhora não me deu nada. E arrematou, redobrando o chôro:
– Me dá um tostão, mãêêêê!
Não agüentei. Era engraçado demais. Eu ali debaixo daquele cobertor e o Vicente a chorar e a me chamar de mãe, e a pedir um tostão. Ele que era tão prosa e arrogante diante de mim...Não fui capaz de conter o riso.
Mas imediatamente tive de passar à ação. De um só golpe atirei o cobertor em cima dele e saltei para o outro lado, rindo a mais não poder, e pulei a janela, enquanto o Vicente perdia tempo desembaraçando-se do cobertor, dava a volta à cama e por sua vez saltava também a janela em minha perseguição, a xingar tudo que sabia.
Mas eu já estava longe. E os cacos de telha atirados por ele não me alcançaram.
Ganhei a rua, entrei num quintal vizinho e me escondi embaixo de um velho carro de boi.
Pacientemente deixei o tempo passar. Mais tarde voltei. Espiando de longe e avançando aos poucos, até chegar em frente à venda de meu pai e verificar que a barra estava limpa. Ninguém na venda. Somente meu pai. Em sua mesa, a escrever.
Entrei e fiquei perto do meu pai.
Daí a pouco o Vicente apareceu. Essa era a hora perigosa. Era o nosso primeiro encontro depois da presepada que lhe armara. Ele me viu e veio-lhe o ímpeto de me atacar. Mas eu me encostei mais em meu pai e ele se conteve e veio se aproximando devagar, até encostar-se em mim. Aí começou a me xingar só com o canto da boca, enquanto tentava pisar em meus pés e me beliscava no couro das costelas. Aí eu denunciei:
– Olha, pai. O Vicente está aqui querendo pisar em meus pés e me pinicando na costela...
Meu pai interrompeu a escrita, virou-se para nós, percebeu a atitude belicosa do Vicente e passou-lhe uns pitos, mandando que parássemos com aquilo e fossemos brincar lá fora.
O Vicente saiu, emburrado, mas eu não arredei pé da venda a não ser com meu pai, para jantar, e, mais tarde, para dormir.
No outro dia minha mãe deu ao Vicente um tostão. E a paz voltou a reinar em nosso mundo.


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35227
Por Luiz de Paula - 14/5/2008 11:31:45
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 11)


A TINTA SARDINHA E AS BELAS
ASSINATURAS

Sempre tive todos os sentidos muito aguçados, notadamente o olfato.
Quando entrei para a Escola Rural Mixta de Várzea da Palma, aos seis anos e meio de idade, captava no ar o cheiro da tinta Sardinha. Era a tinta de escrever que todos os alunos usavam. Vinha em vidros redondos, achatados. Custava 300 réis, cada vidro.
Eu gostava do cheiro da tinta. E gostava também do ranger da pena MALLAT no 12, no papel, quando se escrevia.
Queria aprender depressa a escrever o meu nome. Para fazer como o ferreiro Tertuliano Silva e o professor particular José Maria Guimarães.
Eles alisavam o papel sobre a mesa, molhavam a pena no tinteiro e a seguir executavam dois a três volteios com a mão e feito isso assinavam caprichadamente os seus nomes, com as maiúsculas enfeitadas de bonitos floreados.
Sabiam escrever bonito, aqueles dois...
A fábrica da tinta distribuía um folheto que trazia esta quadrinha:
Não chores assim,
não chores maninha,
que dou-te um vidro
de tinta Sardinha.

PASSATEMPOS

Não havia rádio nem televisão. Outros eram os passatempos domésticos.
Em nossa casa havia violão, viola e sanfona de oito baixos. Baralhos e tabuleiros de damas. E cartelas e pedras para o jogo de víspora. De vez em quando apareciam quebra-cabeças de arame ou de madeira.
Os jogos mais praticados no baralho eram o jogo de burro, truco, douradinha, vinte e um, sete e meio.
Todos se utilizavam desses passatempos, de modo que cedo comecei a me divertir no violão.
Naquele tempo, o bonito era conhecer muitos floreados e não ritmos, como hoje. Lembro-me de dois floreados que aprendi primeiro, ambos em sol maior. Da primeira posição para a segunda e voltando da segunda para a primeira. Para memorizá-los criei letras para ambos. “A rosa nasceu do galho”, para o primeiro e “o nosso amor verdadeiro”, para o segundo. Ao relembrar essas passagens do início de minha infância me detenho na segunda frase - o nosso amor verdadeiro. Que significado teria para um menino de 6 a 7 anos a palavra amor? E porque fui buscá-la para ilustrar aqueles floreios do violão? E porque “verdadeiro”? Já teria àquele tempo intuição maior do significado do amor, e da existência de amores verdadeiros e falsos?
Mais tarde, com dez anos e meio de idade, quando passei um ano em Pirapora, para fazer o 4o ano primário, gostava de acompanhar a banda de música pelas ruas, em datas festivas, ouvindo a execução de seus dobrados. Como não tinha a quem perguntar, eu punha nome e letras no que ouvia. Letras sem nexo, representativas do que aquelas melodias desconhecidas despertavam em mim. Ainda me lembro de uma dessas melodias. A letra que criei era assim:

Guarda como um tesouro,
guarda como um tesouro.
Guarda como um tesouro,
o tesouro carioca.
Parará-tá-tá - Bum!

UTENSÍLIOS, FERRAMENTAS, CRIAÇÕES ETC
EXISTENTES EM NOSSA CASA

DIVERSOS
Oratórios com santos, estampas de santos, pilão e mão-de-pilão, retratos da família e de parentes, peneiras de arame e fibra, barris e tambores para água, lata tipo querosene, latas para leite, gancho tridente com corda para retirar latas e outros objetos que caíssem nas cisternas, tacha de torrar café, gamelas para amassar biscoitos e pães, tachas para assar quitandas, forno com porta dando para o interior da cozinha, vassouras de varrer casa, de varrer quintal e de limpar telhado por dentro, lanterna de mão, lampiões belga, lamparinas a querosene e azeite, máquina de moer carne, guarda-chuvas, galochas, além dos móveis e utensílios comuns de copa, cozinha, dormitórios e sala de visitas.
E mais: canastras, espreguiçadeiras, cofre Bergamini, escadas, brochas, pincéis, selas, cangalhas, arreios de carroça, cabides de parede e de pé, bacias de rosto e de banho, lavatório, jarras e bacias esmaltadas, quadros de paisagem nas paredes da sala de fora, reproduções de quadros de generais da primeira guerra mundial, relógio em forma de 8, de bater horas e quartos de hora, relógio despertador, termômetro Casella, vidro de tirar ventosa, ferro de acertar casco de animais para assentar ferraduras (puxavante). Bacias grandes, para banho, e menores para lavar os pés. E bacias de rosto, com jarro e lavatório metálico, em cada quarto, pois não havia água canalizada nem pias. Laços de couro e cordas de uso na pecuária, e cordas de pular.

FERRAMENTAS
Machado, serrote, martelo, turquês, alicate, chaves de fenda, pua, seguetas, nível, compasso, esquadro, metro e fita métrica, escala, fio de prumo, enxada, enxadão, picareta, alavanca (lebanca), lima e limatão, grosa, arranca-prego, pregos, chaula ou pá, parafusos, funis, machadinha de marcar madeira, fogareiro com ventoinha, tipo forja, para queimar veneno (arsênico e enxofre) e injetar fumaça venenosa em formigueiros.

ANIMAIS DOMÉSTICOS E PÁSSAROS
Cachorros, gatos, papagaios, passarinhos (bicudo, patativo, pintassilgo, curió, canário), sagui e quatí, galos e galinhas, cocás, patos, perus, cabras e cabritos, porcos no chiqueiro, vaca para leite.

LIVROS
Chernoviz, Bíblia, Dicionário de Jayme Seguiér, Os Sertões, O Guarany, Iracema, O Mistério da Estrada do Sintra, Os Miseráveis, Manual del Curtidor.

PARA O LAZER
Baralhos (novo para gente grande e velho para as crianças), sanfona, violão, viola, tabuleiro de jogo de damas, espingarda cartucheira e Flaubert, revólver, facão, anzóis, carrinho de mão, carrocinha de mão.

JOGOS DE BARALHO
Jogos de baralho: burro, truco, batalha, sete e meio, vinte e um, douradinha e douradão, estenderê e estenderê de monte, fedor, bisca, pôquer, dominó, paciência.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


35099
Por Luiz de Paula - 10/5/2008 10:24:06
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 10)

CHEIRO DE LUZ ACESA

Minha mãe tinha ido a Pirapora fazer o batizado de meu irmão Cassimiro. Com ela fora a D. Carlota Rosa Teixeira, professora da Escola Mista de Várzea da Palma. Ela ia ser a madrinha do meu irmão. E com ambas fomos eu e meu irmão Vicente.
Hospedamo-nos no Hotel Maia, em um quarto dos fundos, com janela para uma rua lateral.
Na ocasião eu tinha 6 anos e era a primeira vez que conhecia uma cidade.
Estava deslumbrado. Caminhava nas ruas olhando para todos os lados, embevecido com o que via, tropeçando nas botinas novas e arrastado pelo braço por minha mãe que não se cansava de admoestar-me: “anda depressa, menino. Se você não caminhar direito eu nunca mais vou trazer você aqui”.
E lá ia eu, calado, aos tropeções, registrando e admirando tudo quanto via.

À noite conheci a luz elétrica.
Havia uma lâmpada pendente do teto, sobre a cama, com apagador fixo, em forma de borboleta, no encaixe da própria lâmpada. Vi quando minha mãe a acendeu assim que começou a escurecer. Em seguida ela saiu para jantar, no refeitório do hotel, prometendo trazer comida para mim e o Vicente, quando voltasse.
Tão logo ela saiu, eu fiquei de pé, sobre a cama, e torci a borboleta do apagador da lâmpada. A lâmpada apagou-se. Torci outra vez: acendeu. Que trem bonito e mágico! Fascinante! E me encantou tanto que eu sentia o cheiro da luz acesa. Apagava, ia-se embora o cheiro. Acendia, voltava o cheiro. Como era bonito aquele aramezinho, todo de luz, dentro da lâmpada, parecendo uma porção de letras M emendadas. Foi uma noite gloriosa. Nem Edson, talvez, tenha se extasiado tanto com seu invento.
No outro dia minha mãe saiu cedo, com a Dona Carlota, para fazer compras.
Desde a tarde anterior eu havia visto, pela janela, numa padaria, do outro lado da rua, um balcão onde estava exposta grande variedade de roscas, doces e biscoitos.
Sempre tive muito aguçados os sentidos, especialmente os do olfato, do paladar e da visão. A exposição daquelas guloseimas despertou em mim uma vontade enorme de vê-las de perto e de comprá-las.
Eu possuía um tostão, que a Dona Carlota me dera na viagem, para que eu ficasse quieto em meu lugar, ao lado de minha mãe.
Aproveitando a ausência de minha mãe, saí do quarto, percorri o corredor até a porta da rua, saí, dobrei a esquina, atravessei a rua lateral e entrei na padaria. Êta cheiro bom, só de coisas boas. Eu nunca estivera em um lugar tão agradável como aquele. Olhei através dos vidros do balcão e lá estavam caramelos coloridos das mais variadas formas, recobertos de açúcar cristal. Coisas nunca vistas. Me lembrei da história de João e Maria na Casa de Chocolate.
Do outro lado do balcão, assentada em uma cadeira de balanço, com alto espaldar de palhinha, estava uma senhora clara e gorda, muito rosada, entretida a fazer “crochet” (naquele tempo não se falava em “tricot”.)
Fiquei meio abobalhado, sem coragem de interrompê-la. Ela tinha um perfil simpático, que o uso de óculos não prejudicava. Eu queria chamá-la todavia o acanhamento me tolhia a ação. Mas o dinheiro sempre nos dá muita força. Animado com o calor do tostão que eu apertava na mão canhota, criei coragem e chamei:
- Ôi, Dona. De que preço é esses biscoitos? - E apontei uns biscoitos de polvilho arrumados num potinho.
Ela fez, com muita agilidade, mais alguns pontos em seu trabalho, depois levantou os olhos, viu-me e respondeu:
- Dois por um tostão.
- A senhora dá de três? - Foi minha segunda pergunta.
Aí ela concedeu-me uma atenção maior. Virou-se na cadeira, encarou-me com mais vagar e por sua vez perguntou-me:
- Menino, de onde você é ?
- De Várzea da Palma, respondi.
E ela, voltando-se para o seu “crochet” e dando o assunto por encerrado:
- Bem me parece...

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


35018
Por Luiz de Paula - 7/5/2008 21:57:17
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 9)

Minha mãe era uma mulher de gênio bondoso, paciente e trabalhadora. De estatura mediana e atitudes singelas, sempre trabalhou muito na cozinha, para atender ao pessoal de casa, “camaradas” da “Fazenda do Espinho” e hóspedes, que eram freqüentes.
Nos primeiros anos não havia pensão no lugar e a nossa casa tornara-se a hospedaria oficial e gratuita das pessoas que vinham de Montes Claros e de outras localidades do Norte de Minas, para apanharem o trem da Central.
Com tanto serviço, não sobrava tempo à minha mãe, senão de quando em quando, para dar um grito ou, se estivéssemos mais próximos, sapecar um beliscão em qualquer dos 6 (seis) selvagens que tinha em casa. Depois crescemos para oito.
Fomos criados soltos, pois meu pai tinha mais em que se ocupar na loja, na Fazenda, na extração e compra de madeiras, na compra e venda de porcos, algodão, peles silvestres, mel etc.
As porcadas eram conduzidas ao Rio das Velhas, a um quilômetro de distância, duas vezes por dia. Isso era uma festa para nós.
Devo esclarecer que o pensamento de meu pai, ao transferir-se de Montes Claros para Várzea, então ponta dos trilhos da ferrovia, era trabalhar pesado ali, durante algum tempo, ganhar dinheiro e seguir em frente, para uma boa cidade, onde pudesse criar os filhos com conforto e saúde. Pensava em São Paulo. Mas as coisas não aconteceram como ele desejava. O prosseguimento dos trilhos, de Buenópolis em direção a Montes Claros reduziu o movimento comercial de Várzea com o Norte do Estado. Como meu pai havia aplicado parte de seu capital em imóveis, ficou difícil apurar com rapidez o dinheiro imobilizado.
Registre-se que a queda da produção motivada pela epidemia da Gripe Espanhola (1918/1919) na qual morreram correntistas devedores da firma Paula & Irmão, endividaram-na pesadamente.
Com o pai absorvido por trabalhos redobrados, para recompor a economia da firma, nós, os filhos, que já éramos criados com bastante liberdade, ficamos ainda mais soltos.
Fazíamos o que queríamos e quando queríamos, apanhando de vez em quando uma boa surra, quando nosso pai tinha tempo para isso.
O Geraldo, irmão mais velho, era exceção, trabalhando firme ao lado do pai.
Sofríamos todas as agruras que perseguem os meninos da roça. Durante o frio, maltratavam-nos as dores de dentes. Recordo-me de nossa mãe, sempre boa e paciente, levantando-se no meio da noite e esquentando azeite doce na chama da lamparina a querosene para tratar da dor de ouvidos do caçula, enquanto alguns de nós a puxávamos pela saia, gritando com dores de dentes. Ela, pacientemente, colocava no ouvido do caçula o algodão embebido em azeite doce aquecido, acalmava-lhe o choro e o recolocava no berço. E se voltava para nós.
- Qual é o dente que está doendo?
- É este aqui, do canto, dizíamos apontando o local.
Ela apanhava novo capucho de algodão, embebia-o em azeite doce e besuntava nossa gengiva e a área da bochecha próxima ao local dolorido e colocava na cavidade exposta uma bolinha de algodão embebido em ácido fênico ou creosoto. E dava a cada um de nós um tostão. Quando havia essa raridade.
Passado o período do frio e das dores de ouvido e de dentes, de maio a julho, vinha o fim do estio, de agosto a setembro/outubro. Era o tempo dos bichos de pé, dos carrapatos e rodoleiros. Era também o melhor tempo para caçadas e pescarias. Nós espalhávamos pelos matos e beiras de córregos. Havia ocasião em que nossa mãe só nos via à noite. Comíamos qualquer coisa e íamos dormir. E nossa mãe, terminada a labuta diária, aproveitava nosso sono para nos lavar os pés e extirpar os bichos. Nessa última operação, o instrumento era um alfinete de fraldas, com a ponta aquecida ao rubro na chama da lamparina e resfriado a sopros. Muitas e muitas vezes, eu que nessa fase era o mais novo entre os maiores, acordava estremunhado, sentindo os dois pés suspensos, enquanto minha mãe ia descobrindo os bichos de pé embaixo das unhas, entre os artelhos, na sola dos pés, e no tendão de Aquiles, a guisa de esporas. Eu resmungava qualquer coisa e vencido pelo cansaço das andanças do dia, mergulhava de novo no sono, para acordar no dia seguinte, com os pés furados e manchados de iodo.
Seguia-se o tempo das chuvas. Novamente o frio e dores de dentes. E tiririca, nos calcanhares, e frieiras, entre os dedos dos pés, apanhadas nas enxurradas e doendo e sangrando em contato com o ar. As tiriricas eram lixadas com a parte áspera dos cacos de telha e as frieiras eram tratadas com aplicações de creolina. Mas só desapareciam ao cessarem as chuvas, em março/abril. Perseguiam-nos, também nessa ocasião, os brotos, nome que se dava as nascidas ou pequenos abscessos que irrompiam nas pernas e braços em conseqüência do consumo imoderado de mangas, pequis e outros frutos considerados “quentes”, pelo vulgo. Alguns desses brotos inflamavam e evoluíam para perebas e feridas, que tratávamos com água de cozimento de cascas de pau santo e barbatimão (adstringentes, ricos em tanino) e para cicatrizar aplicávamos carvão moído de caule de embaúba.
As chuvas terminavam em março para abril e em maio voltava o tempo de frio, com as dores de dentes.
Durante o ano sofríamos as doenças comuns às crianças. O sarampo, tratado com chá de “jasmim de cachorro”, ou seja excremento de cachorro ressecado e envelhecido sob a ação do tempo. Caxumba, tratada com aplicação tópica de massa formada com compressa de casa de marimbondos. Catapora, curava-se com o tempo. Cobreiro ou cobrelo (herpes-zoster), sofri certa ocasião. A região das virilhas, entre as pernas, abriu-se em chagas ardentes, de um lado e outro, aos 5 para 6 anos de idade. Não suportava o contato da calça. Minha mãe costurou para mim, em sua velha máquina Singer, de oito gavetas, uma camisola, que eu vestia constrangido pelos apupos dos irmãos. Fui tratado com “simpatia” aplicada pela velha Regina, mulher do José Bruno, empregado de meu pai. Só a muito custo, e em face das dores que sentia, permiti que ela visse o local da doença. Para o tratamento ela requisitou uma faca virgem (o que me causou justificadas desconfianças) ou seja faca retirada da loja, que ela apertava de um lado e outro de minhas virilhas, enquanto balbuciava uma reza apropriada. Em seguida passou sobre as chagas três galhinhos de arruda, que atirou para trás, por sobre os ombros, mandando depois que verificássemos como ficaram murchos, bom sinal para a cura. E mais: sarna, coqueluche, impingem (impetigo), dermatose contagiosa que se tratava com esfregaço de pólvora negra transformada em pasta com suco de limão. Lombrigas: tratadas com óleo de Santa Maria (óleo de mastruço). Os resfriados e conseqüentes defluxos nos perseguiam constantemente.
Para cicatrização das feridas, se falhava o pó de carvão de embaúba, meu pai preparava um pó infalível à base de iodofórmio, sulfato de quinino, pós de Joanes e mercúrio.
Nossos cabelos cresciam muito. De vez em quando nosso pai nos levava ao quintal e um a um nos mandava sentar no tôpo de um barril vazio e pelava nossas cabeças com máquina zero, enquanto os outros corriam pelo quintal, em cavalos de pau, ou carreavam com bois de ossos ou de mangas verdes.
O dia pior de nossa vida era o dia de tomar lombrigueiro. Meu pai consultava a folhinha, marcava a fase da lua em quarto minguante e nos anunciava: tal dia não tomem café pela manhã porque vai ser dia de lombrigueiro. Não nos adiantava apelar. Tomava-se o lombrigueiro em cápsulas de óleo de santa maria (mastruço) e algumas horas após, um purgativo salino.


(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


34765
Por Luiz de Paula - 2/5/2008 16:40:30
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 8)

O PRESÉPIO

Nossa mãe fazia o presépio, todos os anos, em dezembro. Começava plantando arroz, no dia de Santa Luzia (13 de dezembro), em latas de goiabada e marmelada, para colocar em torno da serra, sobre um piso de areia branca que cobria toda a sobra da mesa em que se armava o presépio e escondia as laterais das latas. Na antevéspera do dia 24, trazia para a sala da frente caixotes com o carvão de pedra, os bichos, as raízes invulgares, os cactos, e ainda, o burro, o galo, o carneiro, os três reis e a família sagrada, mais a estrela brilhante, que era amarrada com linha sobre a serra formada por blocos de borra de carvão de pedra, encobertos de raízes de formatos incomuns, cascas de madeira, cipós, orelhas e barba de madeira, flores exóticas, cogumelos. O dia 22 era para limpeza. Os dias 23 e 24 eram para armar o presépio. Tudo isso era feito por minha mãe. Ela afirmava que a pessoa que faz o presépio uma vez, tem que continuar fazendo todos os anos, enquanto viver. No dia 24, pela manhã, ela nos mandava para a serra que havia próxima ao povoado. Nós levávamos uma carrocinha puxada e empurrada a mão e nossa tarefa (os irmãos Geraldo, Lauro, Vicente, eu, Joaquim e Cassimiro) era trazer coisas apropriadas e bonitas para o presépio: arbustos, folhagens, flores, cogumelos, orelhas e barbas de madeira, cipós, lírios do campo, búzios, casas de marimbondo chocolateira e chapéu, pedras coradas, areia branca e colorida, ninhos de pássaros, enfim tudo que servisse para enfeitar a serra e a lapinha. Aliás, o presépio era mais conhecido pelo nome de lapinha.
Pela hora do almoço nós estávamos chegando com a carroça carregada, e cheios de novidades sobre o que havíamos visto lá na Serra. Exagerando a quantidade de rastros de onça nos caminhos e os rosnados que teria mos ouvido, de caititus e veados que havíamos encontrado, de emas e seriemas que perseguimos, de casas de marimbondos que desmanchamos, de formigas gigantes - da raça negra-mina e onça, que nos haviam ferroado, enquanto íamos descarregando a carroça, nos atropelando no relato uns nos outros, todos falando ao mesmo tempo e ajudando nossa mãe a terminar a montagem do presépio.
A partir das 21:00 horas começavam a chegar alguns vizinhos que vinham participar da reza. E enquanto se aguardava a chegada da meia-noite, servia-se fartamente café-com-leite e biscoitos de fofão, quebradinho, de goma, joão beó, biscoitos de fubá mimoso, brevidade, biscoito de toalha e outros.
À meia-noite, minha mãe trazia a imagem do Menino-Deus e as imagens de Maria e José, e do anjo anunciador, e os colocava na manjedoura, na lapinha. Antes já havia sido armada, sobre a lapinha, a estrela-guia, de longa cauda, feita de papelão e recoberta de papel prateado, bem como o burro, o galo, e os três reis magos, com suas oferendas: ouro, incenso e mirra.
Colocadas as imagens, todos nós ajoelhávamos e nossa mãe “tirava” os hinos, começando com o que anunciava o nascimento de Cristo.

Já nasceu o Menino-Deus
vinde cantar, vinde vós, pastores,
já nasceu o Menino-Deus,
celebremos os seus louvores.
___
Virgem soberana
que no céu estais
ouví nossos rogos,
bendita sejais.
___
Caminhemos, caminhemos,
pra lapinha de Belém,
visitar o Deus menino
que salvar o mundo vem.

A partir daí, todas às noites, às 19 horas, rezávamos e entoávamos cânticos natalinos, ajoelhados ante a lapinha.
No dia de reis, 6 de janeiro, ajudávamos nossa mãe a desmanchar o presépio, encaixotá-lo e guardar tudo para o ano seguinte.

INFÂNCIA

Fiz arapucas para apanhar codornas.
Fiz visgo de cozimento de leite de gameleira para pegar canários. Furei colméias de abelhas nativas. Recolhi filhotes de periquitos, jandaias e papagaios nos ninhos em ôcos de paus, onde às vezes as cobras chegavam antes de mim.
Nadei, remei, pesquei, cacei com bodoques de pau pereira.
Matei a sede e enganei a fome com mastigo de folhas mansas do campo.
Vivi a infância segundo as leis do mato. Era o modo comum de viver nos primeiros tempos do pequeno povoado.

EU ERA PARTE DA NATUREZA

Eu vivia com a natureza. Participava, acompanhava o que ocorria no tempo.
Caminhar, correr, não eram considerados exercícios. Era o ritmo da natureza, sem idéia de esforço, sem cansaço.
Como elemento natural, assim como uma árvore cujas folhas caem no outono e reverdecem na primavera, eu crescia no período das águas, que trazia a abundância de frutas.
Em maio e junho, meses do frio, sofria dores de dentes. Em agosto começavam os carrapatos, redoleiros e bichos de pé. Nas águas a gente andava na lama e nas enxurradas. Era o tempo das frieiras entre os dedos dos pés. Doíam, sangravam. Tratava-se com creolina. De uso veterinário. Vinham as dores de barriga e as brotoejas na safra das mangas. E mais dores de dentes, por causa dos resfriados, com tosse e nariz escorrendo.
A vida da gente era um folclore.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)


34508
Por Luiz de Paula - 27/4/2008 08:35:17
(Do livro "Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos" - Parte 7)

LEMBRANÇAS DISTANTES

Em casa fui um menino muito malino. Minha mãe reclamava:
- Êta menino especula! Em tudo esse menino quer dar combate!
Mas fora de casa eu era tímido.
No que diz respeito a lembranças da infância, fui muito precoce. Quando meus tios Basílio e Joaquina mudaram-se de Várzea, de volta a Montes Claros, eu tinha um ano e meio, incompletos. Mas guardo lembrança de minha tia, ainda em Várzea. Eu estava na “sala de dentro”, como então se referia à copa, e a minha tia veio com um pano na mão, passou o pano no tampo da mesa de jantar e voltou à cozinha. Eu tinha pouco mais de um ano e meio, como já disse. Só voltei a vê-la oito anos mais tarde, aos 9 anos de idade, e a reconheci imediatamente. Achei-a apenas um pouco mais magra e com a pele do rosto menos lisa e com manchas escuras que antes não havia.
Em todas as minhas lembranças e saudades há quase sempre um fundo musical, uma trilha sonora, como hoje se diz. E algumas vezes um aroma especial. Eu posso dizer que cada tempo em minha vida tem sua ressonância musical e seu cheiro.
Guardo uma outra lembrança, essa de quando teria entre um ano e meio e dois anos de idade. Meus tios Basílio e Joaquina já não moravam mais em Várzea. Meu pai estava fazendo uma roça de milho e feijão na Fazenda do Espinho, também conhecida como Fazenda do Piranha. Minha mãe teve de ir para lá a fim de cozinhar para os trabalhadores durante o plantio. Calculo a minha idade na ocasião porque eu era o filho mais novo e minha mãe me levou com ela. Considerando que Joaquim, o filho seguinte, nasceu com uma diferença de dois anos e meio em relação a mim, e minha mãe não se encontrava em véspera de parto. Eu teria, na ocasião dessa viagem, em torno de dois anos de idade.
Viajávamos em uma carroça puxada a burros e coberta com um couro de boi, para proteção contra o sol e a chuva. Levávamos mantimentos e vasilhame de cozinha. E querosene e sal. Ia conosco a Regina, esposa do José Bruno, empregado de meu pai, para ajudar na cozinha. O teto de couro era irregular e baixo e nós íamos sentados no piso da carroça.
Gostei demais da viagem. Foi a primeira que fiz em minha vida. Na Fazenda ficamos durante 16 dias, conforme mais tarde vim a saber.
Só me lembro de duas ocasiões. Na ida, o carroceiro, de nome Marçal, cantava, a plena força, uma cantiga que começava assim:

Ôi, beira-mar,
adeus dona.
Ôi, beira-mar,
adeus dona.

A melodia me acompanhou a vida inteira. Uma grata lembrança. Muitos anos depois – 80 anos ou mais – esbarrei com a letra e a música, por inteiro. Pretendo incluí-la num pupurri folclórico que espero gravar um dia.
A outra lembrança dessa viagem e permanência na Fazenda é o cheiro de terras e raízes cortadas de novo. Esse cheiro eu reencontro, de vez em quando, e ele me reconduz a essa primeira viagem. Em uma carroça com toldo de couro de boi, aos 2 anos de idade, com minha mãe e Regina de Zé Bruno, mais mantimentos e cobertores. E o carroceiro Marçal, do lado de fora, a tocar os burros e a cantar saudosamente:
Ôi, beira-mar,
adeus dona...

SABIDÃO

Eu devia ter uns 2 anos, por ai assim. Minervina, a moça que me olhava (aqui no sentido de “tomar conta”, já que não existia entre nós a designação de “babá”) me ensinou a caçoar dos outros, falando assim:
- Pera ai, siô. Ocê tá parecendo capiau da unha torta, que fala pra mode que nem havera.
A Minervina me outorgava o papel de Sabidão...
Mais tarde, eu já teria uns três anos, ganhei um chapéu de couro e o colocava na cabeça e cantava:
Chapéu de couro
sem barbela,
morena é minha
e eu sou dela.

O LEILÃO

Sempre gostei de pagar pontualmente minhas dívidas. Esse costume vem de longe. A esse respeito guardo uma lembrança, já meio apagada, de um episódio acontecido quando ainda não havia igreja no povoado onde nasci.
A missa, quando o padre vinha de Pirapora, nas desobrigas, realizava-se, a princípio, na casa de meu pai, e depois passou a ser celebrada na casa da escola, onde também aconteciam as rezas, a coroação de Nossa Senhora e os leilões do mês de Maria.
Era uma noite de leilões. Grande era o ajuntamento de pessoas em frente à casa da escola, em torno da mesa com as oferendas, tudo bem alumiado pôr dois lampiões belgas.
O Manoel Chico, cabo reformado da polícia e carapina de ofício, era o leiloeiro.
Havia prendas em profusão. Cestas de biscoitos, pratos de bolos, pencas de frutas e muita coisa mais. Mas tudo já era anunciado pelo leiloeiro com lance acima de 500 réis, que era toda a minha fortuna.
Minervina, minha ama, quando por fim saiu uma prenda de menor valor, com lance de 200 réis, me animou:
- Grita 300 réis, você tem o dinheiro.
Na ocasião eu tinha 3 anos, e participava daquela festa escanchado na anca da Minervina.
O Mané Chico dava o seu recado.
- Quanto me dão por este lindo leilão que deram de presente à Nossa Senhora da Conceição. Afronta eu faço, que mais não acho, se mais achara eu mais tomara.
E prosseguia, andando pra lá e pra cá, com os olhos atentos sobre o pessoal em volta da mesa.
- Quanto me dão por este lindo maço de fósforos de vela, que deram de presente à Nossa Senhora da Conceição. Duzentos réis. Quem dá mais? Chegue-se a mim que receberei o seu lance. Quem dá mais?
Aí eu entrei no jogo:
- Trezentos réis - eu falei, mas o Mané Chico não ouviu.
- Grite mais alto - a Minervina me incentivou - E eu gritei:
- Trezentos réis.
O Mané Chico se virou para o meu lado e se abriu num largo sorriso.
- Olha, gente. É o Luiz de seu Tico! - E repetiu meu lance, com seu vozeirão de cantador de leilões:
- Trezentos réis! Trezentos réis me dão!
E concluiu em seguida, a rir:
- Dou-lhe uma, duas e três. Luiz de seu Tico arrematou.
E veio em minha direção, para entregar-me a prenda, com todo mundo olhando para mim e rindo, a achar graça na minha participação no leilão.
Eu é que não estava a achar graça. O desfecho rápido do leilão, após o meu lance insuflado pela Minervina, com toda aquela gente a olhar para mim, me apavorou. E eu pus a boca no mundo. A chorar alto, pra valer. E misturado com o choro eu bradava:
- O dinheiro não tá aqui. O dinheiro tá é lá em casa...
Foi um custo para eu entender que o Mané Chico estava me dizendo que a moça que acompanhava os leilões estava escrevendo meu nome no caderno dela e que eu poderia levar a prenda e pagar no outro dia.
Afogueado e soluçando, concordei em receber a prenda. Esporei a Minervina com os calcanhares e voltamos para nossa casa. A diaba da Minervina veio rindo por todo o caminho e ao chegar em casa ria tanto que só a muito custo pôde contar o acontecido.
No outro dia eu vendi o maço de fósforos a seu Cassiano Gordo, vendeiro vizinho de nossa casa, por 400 réis. E à noite voltei com a Minervina ao local dos leilões, cheio de brio, e paguei à moça da tesouraria os 300 réis devidos.

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Selecione o Cronista abaixo:
Avay Miranda
Iara Tribuzi
Iara Tribuzzi
Ivana Ferrante Rebello
Manoel Hygino
Afonso Cláudio
Alberto Sena
Augusto Vieira
Avay Miranda
Carmen Netto
Dário Cotrim
Dário Teixeira Cotrim
Davidson Caldeira
Edes Barbosa
Efemérides - Nelson Vianna
Enoque Alves
Flavio Pinto
Genival Tourinho
Gustavo Mameluque
Haroldo Lívio
Haroldo Santos
Haroldo Tourinho Filho
Hoje em Dia
Iara Tribuzzi
Isaías
Isaias Caldeira
Isaías Caldeira Brant
Isaías Caldeira Veloso
Ivana Rebello
João Carlos Sobreira
Jorge Silveira
José Ponciano Neto
José Prates
Luiz Cunha Ortiga
Luiz de Paula
Manoel Hygino
Marcelo Eduardo Freitas
Marden Carvalho
Maria Luiza Silveira Teles
Maria Ribeiro Pires
Mário Genival Tourinho
montesclaros.com
Oswaldo Antunes
Paulo Braga
Paulo Narciso
Petronio Braz
Raphael Reys
Raquel Chaves
Roberto Elísio
Ruth Tupinambá
Saulo
Ucho Ribeiro
Virginia de Paula
Waldyr Senna
Walter Abreu
Wanderlino Arruda
Web - Chorografia
Web Outros
Yvonne Silveira